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Globalização
O presidente Donald Trump está reeditando o protecionismo nas relações comerciais que predominou durante grande parte do século passado. Partindo da maior economia do mundo, que participa com mais de 25% das trocas comerciais no planeta, a postura de Trump é uma ameaça à globalização, processo que, nas últimas décadas, promoveu uma intensa integração econômica e comercial dos países, alimentada pelas inovações tecnológicas e pela redução dos custos de transporte e comunicação (cada vez mais rápidos e eficientes), e acompanhada da diminuição das barreiras comerciais, incluindo a formação de blocos comerciais.
A globalização se iniciou no final do século passado, e se acelerou nas primeiras décadas deste século – passando a incorporar a China e os países da antiga União Soviética – promovendo um aumento da eficiência da economia mundial e a ampliação do comércio global, com ganhos de escala e elevação da produtividade. De 1950 a 2023, o volume do comércio mundial cresceu cerca de 44 vezes e os valores negociados – exportações e importações – aumentaram 370 vezes, acompanhando (dados da OMC) e, ao mesmo tempo, viabilizando o forte crescimento do PIB-Produto Interno Bruto mundial no período.
A maior novidade da globalização foi a formação das cadeias globais de valor, quando as empresas passaram a organizar as operações em diferentes países, otimizando os custos e as vantagens locacionais para a produção de bens e serviços. Segundo a Organização Mundial do Comércio, as grandes empresas dividem as suas operações no mundo, buscando a maior eficiência, desde o design do produto e a fabricação de componentes até a montagem e marketing; “mais e mais produtos, são “Made in the World” em vez de feitos em apenas uma economia” (www.wto.org).
Esta integração mundial da produção de bens e serviços sem nacionalidade (Made in the World) gerou uma profunda interdependência econômica e comercial, ao mesmo tempo em que difundiu, mundialmente, as inovações de processo e produto e tecnologias avançadas, práticas de gestão e conhecimento. Quase todos os países contribuem para as cadeias globais de valores, em diferentes etapas do processo e diversos segmentos e itens produtivos nos quais apresentam maior vantagem competitiva.
O mundo ganhou com a globalização e todos as nações que se integraram ao processo, mesmo os países em desenvolvimento, conseguiram ampliar o acesso a capitais e a grandes mercados consumidores, tiveram avanços na produtividade e no desenvolvimento tecnológico. No entanto, como toda transformação estrutural, a globalização também provocou uma “destruição criativa” (Joseph Schumpeter) e teve um impacto muito desigual no planeta e mesmo no interior das nações desenvolvidas (as grandes beneficiárias do novo padrão de expansão capitalista). Algumas regiões dos países desenvolvidos que, no passado, lideraram a velha indústria, ficaram para trás no processo de integração e inovação da globalização, abrindo fraturas políticas e criando resistência interna às transformações em curso.
Desde o início, a maioria dos grupos de esquerda em todo o mundo se levantou contra a globalização (Occupy Wall Street), ressaltando as perdas econômicas e sociais do seu avanço como uma avalanche sobre as velhas estruturas produtivas. O movimento antiglobalização não apresentava uma alternativa, limitando-se a rejeitar o processo quase irreversível de integração produtiva e comercial, e de acelerada inovação tecnológica, mas apontava para a necessidade de políticas de compensação e proteção das áreas e dos trabalhadores jogados na vala comum do atraso. Recentemente, na direção contrária da esquerda, a reação aos efeitos desiguais da globalização vem alimentando o nacionalismo e a xenofobia da extrema direita, nos Estados Unidos e na Europa, conquistando simpatia e apoio de segmentos da classe trabalhadora das regiões empobrecidas. Trump é produto disso, e a maior ameaça ao processo de globalização, incluindo a negação a todas as demonstrações científicas das mudanças climáticas, fenômeno essencialmente global.
A globalização tem sofrido alguns abalos importantes, independentemente da mobilização política da esquerda e do fortalecimento eleitoral da extrema direita. A pandemia de Covid-19 e, mais recentemente, a guerra da Ucrânia, evidenciaram a fragilidade dos países diante da concentração de algumas atividades econômicas estratégicas em um conjunto pequeno de países, desarticulando algumas cadeias globais de valor. Embora estes abalos tenham alimentado políticas de proteção nacional aos riscos de interrupção da cadeia de suprimento de produtos estratégicos, não constituem uma ameaça à globalização, e poderiam até levar à negociação de novos parâmetros do comércio mundial.
Mas eis que surge o Donald Trump, o maior adversário da globalização, embora os Estados Unidos tenham sido um dos seus grandes beneficiários. Mesmo quando serve apenas como chantagem política, a guerra comercial de Trump pode comprometer os avanços econômicos da globalização; e os custos para uma eventual recuperação da velha indústria estadunidense, que se tornou obsoleta pela revolução científica e tecnológica, serão muito altos: inflação e perda de competitividade.
O isolacionismo protecionista de Trump e o nacionalismo da direita europeia podem provocar turbulências e impactos desastrosos na economia mundial. Mas, considerando o nível da interdependência econômica e comercial dos países e a velocidade da revolução científico-tecnológica, não terão condições de reverter o processo de globalização. Entretanto, é urgente que os governantes sérios e comprometidos com o bem-estar social implementem medidas para reduzir a distribuição desigual dos benefícios da globalização (no mundo e internamente em cada nação), e impedir os impactos desagregadores da integração produtiva e da revolução tecnológica.
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