Napoleão

Napoleão

Pernambuco comemorou no dia 6 último a Data Magna que registra o levante que, há 208 anos, tomou o poder, rompeu com a coroa portuguesa instalada no Rio de Janeiro e implantou a República pernambucana. Os sublevados ocuparam as instituições governamentais e todas as instalações importantes, principalmente o Tesouro da Província, instalaram um governo provisório e proclamaram a República. Inspirados nas ideias iluministas e nos princípios da maçonaria, a Revolução Pernambucana repudiou a monarquia absolutista e rompeu com o reino português-brasileiro de D. João VI. O governo provisório da Revolução decretou, de imediato, a liberdade de imprensa, a redução de impostos, a eliminação dos títulos de nobreza e a liberdade religiosa, mas não acabou com o escravagismo, que era a base da economia canavieira e o poder dos senhores de engenho. 

A revolução durou pouco mais de dois meses e foi esmagada pelas tropas portuguesas do reino de Portugal, Brasil e Algarve. Mas deixou uma marca profunda no inconsciente coletivo dos pernambucanos, antes de serem brasileiros ou além de serem brasileiros, são pernambucanos, orgulho e sentido de pertencimento que se manifesta no culto à bandeira de Pernambuco criada pela revolução (a mais bonita do Brasil). Nas condições da época, teria sido muito difícil que a revolução triunfasse diante do poder do reino português-brasileiro sediado no Rio de Janeiro. A não ser que o general e ex-imperador francês, Napoleão Bonaparte, tivesse vindo ao Recife para comandar as tropas revolucionárias. Parece fantasia, mas os revolucionários pernambucanos pensaram mesmo nesta possibilidade e tentaram negociar o apoio do general. 

O revolucionário Cruz Cabugá foi a Baltimore, nos Estados Unidos, negociar o apoio de oficiais do antigo exército de Napoleão que, a esta altura, estava exilado na ilha de Santa Helena, na costa ocidental da África. O líder da conspiração de Pernambuco se encontrou e contou com o apoio de dois importantes oficiais napoleônicos, o coronel Paul Albert-Marie de Latapie e o conde Ponlécoulant, exilados na cidade norte-americana. Eles conceberam um plano ousado: resgatar o ex-imperador do seu exílio e trazê-lo para o Recife, de modo que pudesse assumir o comando militar da revolução em Pernambuco. O plano fracassou, Napoleão nunca soube das negociações dos seus oficiais, talvez tivesse gostado da ideia de vingar-se de D. João VI, que o enganou e fugiu de Portugal antes que suas tropas entrassem no território português. Teria mesmo adorado se tivesse escapado da ilha de Santa Helena, onde terminou morrendo, quatro anos depois, na solidão e isolamento do exílio, longe da França e dos campos de batalha. Liberado da prisão, Napoleão poderia preferir voltar para França para retomar seu império. Mas, quem sabe, ficaria tentado a participar da revolução pernambucana. 

Não aconteceu, mas podemos especular: se Napoleão tivesse vindo para o Recife e, com seus experientes oficiais, assumido o comando militar da Revolução Pernambucana? De imediato, teria provocado o pânico de D. João VI, “lá vem, de novo, Napoleão atrás de mim, nove anos depois da minha fuga”, e despertado grande euforia nos revolucionários pernambucanos. Uma virada psicológica na guerra que se anunciava com o cerco ao Recife pelas tropas do Reino. O imperador traria seus experientes oficiais para treinar a tropa e formar um exército republicano e estudaria a geografia e a topografia, morros e mangues que poderiam ser aliados nos combates, analisaria documentos e crônicas de antigos combates na região e conversaria bastante com militares pernambucanos e mateiros para definir a estratégia e organizar a defesa.

Para desgosto dos senhores de engenho, que apoiavam a revolução, Napoleão provavelmente decretaria o fim da escravidão, pelo menos para os negros que aceitassem integrar o exército, concedendo alforria para todo escravo de 18 a 25 anos que alistasse, fortalecendo o poder militar da jovem e periclitante república. Ganhava soldados e criava um ambiente social mobilizador da população e a adesão de outras capitanias e a simpatia internacional. Poderia ter pensado: “Eu lutei na Europa para acabar com a servidão. E não vou agora construir uma nação nos trópicos baseada na escravidão”. Além disso, eliminando o escravagismo na jovem república pernambucana conquistaria a simpatia dos Estados Unidos (tinham eliminado o escravagismo em 1803), e da Inglaterra que proibia o tráfico de escravos desde 1863. 

Como uma ficção histórica, com o comando de Napoleão, Pernambuco teria derrotado as tropas de D. João VI e consolidado a república independente de Pernambuco, e sem escravagismo. O grande general se integraria ao projeto de construção de uma nação tropical. Se apaixonaria por uma mulata pernambucana, esqueceria a imperatriz Maria Luiza e se casaria com a pernambucana na pequena igreja no Parque da Jaqueira, onde também se casaram o revolucionário Domingos José Martins e Maria Teodora da Costa (ver “A Noiva da Revolução” de Paulo Santos).