
Oráculo
A Guerra Comercial iniciou. Passados alguns dias fica claro que o foco dos Estados Unidos da América é a briga com a China. Mas, tem forte rebatimento em todos os países. A credibilidade dos acordos abalada, a imprevisibilidade como regra das relações econômicas, a crise se configurando.
Todos perdem, sem nenhuma dúvida. Os dogmas que eram vendidos se fragilizam. Eficiência e globalização da produção passam a não ter sentido. Um novo modelo em que as premissas do protecionismo nacional passam a dar a lógica, em que as barreiras ao comercio internacional parece que se irão consolidar.
Anos investindo em multinacionais que se espraiaram pelo mundo questionados, enormes investimentos realizados colocados em risco. Um choque inclusive para as empresas estadunidenses.
A balela do livre comércio internacional, que nunca existiu, mas era decantada como princípio de convivência, cai por terra. A integração dos países fortemente abalada, as empresas globais começam a se desestruturar. Uma crise será enfrentada, com certeza, na busca de um novo arranjo institucional em nível mundial.
Nesse contexto, todos tentam compreender como podem melhor se posicionar, ou, pelo menos, que espaços ainda os sobram no mundo atual.
O cenário é muito incerto, ninguém sabe realmente até onde vai ou mesmo como ficará. Na antiguidade, quando surgia algum momento de tantas incertezas, se recorria aos oráculos.
Oráculos, representantes dos deuses que davam respostas em relação ao futuro que se configuraria. Ninguém sabe como, apenas encarnavam os “espíritos” dos deuses do Olimpo, Zeus era o preferido dos gregos, o mais poderoso, o mesmo que chamaram de Júpiter em Roma.
Dias atuais mais sofisticados. Não tendo os Oráculos disponíveis, recorra-se ao Tarô ou, quem sabe, aos economistas que adoram previsões e têm suas convicções como norteadoras. Se falharem, a culpa será dos deuses.
Mesmo assim, poucos estudos. Questionado por um amigo sobre como fica o Nordeste Brasileiro na atual situação, vou à cata de trabalhos que possam me orientar. Como disse, encontrei muito pouco e extrapolando-os tentarei me posicionar.
Vejo um trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais. Academicamente bem elaborado, baseado numa modelagem alicerçada em equilíbrio geral computacional, procura dar respostas.
Há muitos questionamentos a serem feitos, por exemplo, a falta de análise mais aprofundada das reações de outros países no mercado internacional, como se fossem ficar estáticos, mas há algumas verdades que podem ajudar a melhor compreender o problema. Adicionando pontos ressaltaria o seguinte cenário.
Em primeiro lugar, fique claro que os diferentes estados brasileiros apresentam perfis bastante diferenciados e, portanto, condições bastante díspares para se posicionarem na crise que se anunciou e efetivou.
Segundo, o objetivo maior de disputa é pela hegemonia mundial entre Estados Unidos e China que serão os principais atores nesse processo. Entender as brechas criadas e as possíveis alianças a serem feitas passa por esses países.
Em terceiro lugar, não é uma questão apenas de produtos e serviços, passa necessariamente por uma logística que deve ser adaptada aos perfis desejados e ao acesso efetivo a insumos, como máquinas, fertilizantes, chips dedicados avançados, nem sempre disponíveis facilmente, momentaneamente.
Em quarto, se o protecionismo aumenta, sem dúvida, haverá reações das cadeias produtivas globais que tenderão a se proteger e, portanto, pode ser em muito amenizado e relativizado. Não é tão simples desestruturar a ordem constituída e sua dinâmica. Seria ingenuidade menosprezar o poder das grandes multinacionais e sua capacidade de enfrentar medidas que ameaçam suas margens de lucro.
Para terminar essas premissas, tecnologia é fundamental, os avanços da manufatura e da inteligência artificial modificam, em muito, a competitividade das regiões e dos países. Compreender o estágio atual e os limites das diferentes regiões passa a ser básico.
Com esse quadro mais nítido, entender o Nordeste Brasileiro no perfil que vai se configurando é importante desafio.
Se tivermos uma logística de distribuição adequada e empresas com uma sólida base tecnológica consolidada, podemos avançar em alguns campos muito promissores em países que também sofrerão com o tarifaço. Mas, não é fácil, pesados investimentos se fazem necessários, além de muita negociação e diplomacia.
A guerra comercial abre caminhos para avanços significativos, por exemplo, no agronegócio e na agricultura em geral. Estados do Cerrado, Bahia, Piauí e Maranhão, podem fazer fortes alianças com a China, inclusive substituindo parte da soja americana.
O Rio Grande do Norte e o Vale do São Francisco, mesmo a Paraíba, têm espaços importantes na fruticultura em que podem ser feitos avanços com a União Européia. A reação desse bloco de países contrariado pode enfraquecer a exportação de frutas das zonas tropicais e temperadas estadunidenses para lá.
Também, no setor primário, dispõem-se, no Nordeste, de materiais fundamentais para a nova indústria, que podem se inserir no possível avanço da manufatura 4.0 e da indústria petrolífera viabilizando ligas metálicas estratégicas.
Preocupação maior se tem com estados mais industrializados, com maior diversidade de produtos mais tecnificados. Nossa base produtiva apresenta produtividade baixa e pouca competitividade. Uma possível entrada em massa desses produtos de países asiáticos e europeus, por exemplo, com as dificuldades que terão no mercado americano, faz-se pressentir.
Ceará, Pernambuco e Alagoas podem estar nesse quadro. Suas exportações passam a ser questionadas. Evidentemente que regiões do mundo com maior avanço tecnológico também procurarão espaços no mercado mundial, o que os vulnerabiliza frente aos gigantes da União Européia e mesmo da China. A própria indústria automotiva e de autopeças, recente e pujante na região, fica comprometida e deve estar em alerta.
Nas relações com os Estados Unidos, alguns problemas à vista. A produção agrícola e o etanol, sobretaxados, passam a representar uma preocupação. No caso do etanol, no qual exportamos cerca de 180 milhões de dólares ao ano, se passa de uma taxação de 2,5% para 10%, comprometendo a competitividade.
A taxação do aço e alumínio passa a criar sérias dificuldades. A taxação de 25%, não retirada, compromete a automobilística e a indústria de peças, além de intermediários que têm tido espaços significativos na matriz industrial nordestina. Fundamental se consolidar em outros mercados e buscar parcerias com a brevidade possível.
No petróleo, único setor isento, com a taxação de maquinários e equipamentos, problemas também podem ser notados nas exportações. Novos mercados devem ser abertos e analisados.
Cabe ressaltar aquilo que sempre nos atribuíam como defeito, mas pode ser uma virtude. Nossa economia não é tão aberta como outras. Por exemplo, no consumo das famílias nossa importação não passa dos 5,3% enquanto na União Européia chega a mais de 17%. No nosso PIB as exportações pouco passam de 12% enquanto as importações chegam a apenas 11%.
Este quadro permite um fôlego maior para adequações, nas diferentes regiões do país, ou seja, a cautela atual do Governo Federal faz sentido e permite dar tempo para estruturar uma linha de ação mais sólida, com parcerias com outros grupos econômicos, com o desenho de uma política externa apoiada em alianças de mais longo prazo. Evidentemente, aguardando qual a sinalização que a América do Norte dará nos próximos passos.
O que parece fazer sentido é que o longo período de liberalização da economia em favor daqueles que eram mais fortes tecnológica e economicamente, a redução de barreiras que era exigida como mecanismo para participar do mercado internacional, rui sem muita possibilidade de reversão em curto prazo.
Se conseguiremos aproveitar o momento para um salto nordestino no posicionamento internacional, eu não sei. Não sou oráculo. Mas, torço muito para que aproveitemos esta brecha para consolidar nossas cadeias produtivas, melhorar nossa logística e definir estratégias que nos dêem visibilidade no mercado internacional. E, nesse movimento, podemos ter o apoio de grupos empresariais fortíssimos internacionalmente que podem ver seus vultosos investimentos recentes e lógica de negócios comprometidas.
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