
Inovação
(resumo de entrevista, com Elimar Nascimento)
Vivemos num mundo em acelerada transformação. Um dos principais vetores dessas mudanças é sem dúvidas as transformações tecnológicas. Antigamente o futuro começava dentro de 5 a 10 anos, agora o futuro começa na segunda-feira. Esta intensidade e velocidade das mudanças é que vem nos desorientando, mas também abrindo novos horizontes de clareza.
Novas tecnologias com novas aplicações emergem a cada dia. Aplicações cada dia mais velozes e potentes, pois a exponencial capacidade computacional há muito ultrapassou os limites da Lei de Moore, cunhada em 1970, que afirmava que a velocidade ou capacidade de processamento de computadores dobraria a cada dois anos. Quanto mais velozes e potentes os computadores, maior é seu impacto nas inovações tecnológicas.
Estamos a caminho de nos tornarmos em pós-humano, com o casamento da inteligência humana com a inteligência computorizada. Os humanos estão se aproximando das máquinas e estas dos humanos. Caminhamos para sermos cyborgs, chipados, tatuados, implantes com conectividade, capacidade computacional e inteligência capaz de nos assistir nas decisões e ações. Já utilizamos lentes, marca passo, bobina computorizada, rins artificiais, e assim por diante. Amanhã não teremos cartão bancário nem telefone, eles estarão integrados em nossos organismos, como hoje temos chip em nosso corpo que oferece todas as informações sobre a nossa história médica. Uma das grandes questões é justamente o quanto humano seremos dentro de algumas décadas, ou seja, antes do final deste século.
Nos aproximamos das máquinas como estas se humanizam. Uma estranha empatia dos seres humanos para as máquinas vem crescendo e intrigando sociólogos, antropólogos e psicólogos na medida em que isso redefine nossa relação com esses entes. Ao “humanizarmos” as máquinas e automatizarmos os humanos, estes limites vão ficando mais tênues. Em muitos casos seres humanos já confiam mais nessas máquinas que nos humanos. Já entregam seus dados, sua alma, seus sonhos eróticos, seus segredos.
Haja vista a aceleração da inteligência artificial generativa, máquinas que aprendem com outras máquinas e que caminham para terem mais habilidades e competência do que nós. Já fazem diagnósticos médicos melhores, serviços de contabilidade, cálculos matemáticos, tarefas determinadas na advocacia, na tradução quase perfeita de idiomas simultâneos, escrita de textos, poesias, músicas. Além de análise de dados com rapidez inimaginável para o ser humano, com robôs participando de conselho diretor de empresas de investimentos, decidindo onde alocar os investimentos de seus acionistas e clientes. Entre muitos outros exemplos que poderiam ser citados.
A impressora 3D nos permite produzir coisas personalizadas, com precisão e rapidez que outros processos não permitem, incluindo órgãos artificiais, casas e máquinas. A biologia digital ou sintética revoluciona a saúde, com intervenção em genes, alterando códigos genéticos, com a nanotecnologia adentrando nossos órgãos, nossas células. Iniciamos a produzir células vivas, portanto, a um passo de criarmos seres vivos. Produzimos em biorreatores carnes de gado, frango, peixe, a partir de células. Criamos vacinas com velocidades incríveis. Prevemos as doenças que um ser recém-nascido tem probabilidade de contrair. Fazemos cirurgias há quilômetros de distância. Os remédios tornam-se cada vez mais personalizados. Temos próteses cada vez mais sofisticadas, implantadas em nosso corpo ou como exoesqueleto, amplificando os limites de nossa força ou corrigindo limitações físicas e orgânicas.
Assistiremos em breve a cura de doenças ancestrais com o câncer, Alzheimer, Parkinson. A saúde está em vias de sofrer uma revolução extraordinária atribuindo maior inteligência e longevidade aos humanos, como prevê a University Singularity. Impactos similares assistiremos em breve no processo de aprendizagem humano. A escola será finalmente transformada, e os humanos terão sua capacidade cognitiva extremamente ampliada. Uma aprendizagem contínua, pois, seremos assistidos de modo permanente, ubíquo, por inteligências baseadas na inteligência coletiva armazenada em nuvem e à nossa disposição em tempo real. E a capacidade cognitiva se tornará outra com um chip que permite acessar milhões de informações armazenadas nessas nuvens. Aprenderemos língua e cálculos matemáticos como antes aprendíamos a fazer adição e falar gíria.
Contudo, ao mesmo tempo ampliamos nosso conceito de inteligência e cada vez mais damos relevância ao papel que a emoção e os sentimentos desempenham em nossos processos de compreensão e decisão. Afinal, a inteligência humana é um intricado processo neural de milhões de sinapses conectando os bilhões de neurônios. Mas ela não se expressa apenas nos bilhões de neurônios do córtex cerebral, sede de funções como consciência, raciocínio lógico e abstrato. Nos exprimimos também, através da intuição, das emoções, da memória, do inconsciente.
A fusão máquina/humano em extrema conectividade criará uma inteligência coletiva entre os humanos. Uma fusão que poderá se dar pela conexão neural cérebro-máquina, como os avanços da neurociência já demonstram, e os testes avançados das próteses neurais da Neuralink, do Elon Musk, ou através de conexões mediadas por artefatos que amplificam nossa inteligência ao menos em inúmeras atividades em que hoje realizamos 100% através de nosso cérebro.
Esses avanços trazem novos dilemas. Como, por exemplo, adotar mecanismo de controle que impeça as máquinas inteligentes nos destruírem? Qual botão apertar? Haverá este botão? Será possível criar uma regulação que limitem as máquinas que substituem o trabalho humano e estimulem aquelas que o complementam e o aprimoram? Como assegurar a coesão social em vias de se esfacelar com o crescimento constante da desigualdade social e da polarização política e social que se dissemina no mundo? Não se trata de um conundrum qualquer.
Os contatos imediatos de primeiro grau com estas máquinas inteligentes, notadamente as inseridas nos algoritmos das redes sociais, das plataformas de comércio eletrônico e outras expressões tecnológicas com inteligência artificial embarcada, demonstraram que somos incapazes de regular o que presumidamente não pode ser regulável em todas as dimensões de danos.
As consequências dessa primeira onda de IA que lastreou a economia da atenção, a captura de nossas retinas e digitais, produziu monstros que danificaram a democracia, a verdade, o controle e mediação da verdade, nosso livre arbítrio e nossa atenção. Tudo indica que os vieses dos algoritmos serão potencializados pela força exponencial da inteligência artificial generativa, que só está engatinhando.
O caminho das inovações tecnológicas, substituindo as atividades manuais e intelectuais rotineiras, repetitivas, é sem retorno. E desta vez não temos máquinas e teares concentrados em fábricas a serem destruídos pelos descontentes. É tudo em rede, nas nuvens, em territórios do inalcançável e mesmo inatingível.
No século passado a automação substituiu os trabalhos manuais nas fábricas fordistas, neste século substituirá, e já o está fazendo, trabalhos intelectuais e criativos, como escrever e traduzir, desenhar, programar e projetar. O limite, por enquanto, encontra-se em atividades humanas que exigem grande sensibilidade e flexibilidade, como o trabalho do psicólogo. Ou demandam o contato humano como o cuidador. Diversas tarefas que desempenham engenheiros, advogados, contadores, médicos etc. já são realizadas com maior qualidade e rapidez e menor custo por máquinas que aprendem. Certo, novas profissões e espaços de atuação emergirão, mas a velocidade deste processo de obsolescência humana está se dando numa velocidade muito superior ao que pode ser feito em termos de educação, formação profissional, readequação da força de trabalho e modelos de negócios.
A regulação será um dos grandes desafios do século. Pois os desafios estão no campo das incertezas e da complexidade do que está sendo regulado, e nas dimensões éticas e morais das decisões que precisaremos tomar. O que será permitido e estimulado e o que será dificultado e proibido? Como conter as big techs? Como assegurar condições de vida digna, renda básica universal para milhões de desamparados ou disfuncionais no mundo do trabalho? Como assegurar que nossos dados tenham o devido valor com retorno em forma compensatória, monetária, pela captura de valor pelas Big Techs de todo nosso rastro digital de vida?
As dificuldades de se fazer isso está presente, hoje, nos debates de regulação das redes sociais com Fake News cada vez mais performantes e destruidoras. Os suicídios começaram e crescerão, até que a sociedade humana, saturada, encontre uma resposta socialmente significativa e aplicável. Tomará tempo. E neste tempo assistiremos manifestações estranhas como aquelas presentes no negacionismo climático, entre outras. No entanto, novas institucionalidades serão criadas, novas regras e valores. Uma nova organização social se erguerá, acompanhando as inovações tecnológicas. Definitivamente, o futuro não é mais como antigamente. Nem deveria necessariamente ser, em grande parte, pelo que outras eras produziram de danos ao meio ambiente e à própria vida humana.
Uma só certeza emerge num mundo em que a incerteza será a norma quando refletimos sobre o porvir. Considerando as grandes transições que testemunhamos neste momento, especialmente essa nova fronteira de habilitação transformada pela inteligência artificial generativa, abre uma enorme avenida de possibilidades para resolvermos muitos desses dilemas. E por isso, um otimismo matizado nos conforta, ou melhor, nos tira da zona de conforto para pensar os futuros possíveis e desejados, entre as múltiplas expressões distópicas e utópicas que uma transformação dessa amplitude implica. Apertem os cintos! Temos companhia para nos assistir como copiloto!
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