Tenho o maior respeito e admiração pelo meu amigo Sérgio Buarque, uma inteligência e um caráter privilegiados, mas acho que o bom combate não é a defesa do desenvolvimento sustentável (fracassado), mas a sua superação.
Ignacy Sachs é uma quase unanimidade entre os ambientalistas, particularmente entre os defensores do desenvolvimento sustentável, pelo papel que desempenhou na reformulação do relacionamento entre a economia e a natureza. Em seu livro autobiográfico[1], ele conta como chegou à questão ambiental a partir do convite de um amigo da Unesco para participar de um congresso no Japão sobre as relações entre economia e meio ambiente. De maneira simples, ele diz que quando convidado conhecia o termo milieu (meio), mas não o environnement (meio ambiente). Com o Congresso Sachs foi introduzido à problemática ambiental por eminentes cientistas como William Kapp, em suas palavras, “o pensador mais rigoroso sobre as relações entre ecologia, economia e sociedade” (ecossocioeconomia). Na ocasião conheceu também o prêmio Nobel de Economia, Wassili Leontief, que, segundo ele, “não entendeu muito bem os problemas ambientais”. Este Congresso levou Sachs ao comitê de preparação da Conferência de Estocolmo em 1972, no qual se defrontavam os adeptos do “crescimento selvagem” (“Primeiro o crescimento, depois veremos”, entre os quais estavam economistas brasileiros ligados ao governo militar) e os adeptos do crescimento demográfico e material zero. Estes, influenciados pelo trabalho do Clube de Roma (Limits to growth[2]). No meio deste embate pontuou-se, aos poucos, como vencedora, a corrente que defendia a associação do crescimento econômico com a preservação ambiental, que veio a ganhar o nome de “ecodesenvolvimento”. Assim, a Conferência, que havia sido convocada em função da poluição ambiental (chuvas ácidas), teve que ceder à pressão dos países em desenvolvimento que proclamaram em alto e bom som: “primeiro extinguiremos a pobreza e depois cuidaremos do meio ambiente”. Pois, segundo Indira Ghandi, primeira ministra da Índia, “a pobreza era a pior das poluições”. Assim, desde o início o problema era mal posto.
A terceira via aos poucos se impôs. Maurice Strong, o grande animador da Conferência, cunhou o termo ecodesenvolvimento para batizar a vertente hegemônica, que Sachs posteriormente veio a desenvolver. Compreendia a necessidade de manter o crescimento econômico (demanda dos países pobres) e, ao mesmo tempo, chamava a atenção para a necessidade de preservar a natureza (demanda dos países ricos). Um problema real, e uma solução falsa.
A ideia de manter a noção de desenvolvimento, apesar de suas reticências, encontra-se na maioria dos pensadores da época, como Celso Furtado, que escreveu um livro referência em 1974 (O Mito do Desenvolvimento, Zahar). Celso Furtado reconhecia a impossibilidade de disseminação do padrão de vida dos países desenvolvidos[3]. No entanto, reconhecia que a ideia de desenvolvimento era uma força mobilizadora que não se podia abandonar. A contradição estava no meio do campo, mas não se tinha meios de enfrentá-la. O desenvolvimento era impossível, mas não podia ser abandonado.
Vitorioso e respaldado, o ecodesenvolvimento, porém, não teve um futuro largo. Os americanos, Kissinger à frente, bloquearam o conceito, pressionando a ONU a criar uma Comissão, dirigida pela ex-ministra do meio ambiente da Noruega, Gro Brundtland, que adotou a expressão desenvolvimento sustentável no relatório Our common future.[4] [5]Expressão consagrada na Conferência Rio-92. Nesta ocasião o namoro entre crescimento econômico e preservação da natureza teve seu casamento referendado pelos países do mundo inteiro.
O mundo proclamava a caminhada, já iniciada, de resolver o oximoro entre estas duas expressões que, José Eli da Veiga chama atenção, nasceram em disciplinas diferentes: economia e biologia. Crescimento contínuo em um mundo finito é um non sense. Era preciso deixar o mundo, simultaneamente, claro e escuro. Um desafio quântico.
Na verdade, o desafio reuniu três grandes atores no campo da sustentabilidade. E que fizeram suas apostas, pois é disso que se trata em última instância, na medida em que sobre o futuro pouco sabemos.
Do lado dos que acreditam ser possível conciliar o irreconciliável (crescimento contínuo e preservação ambiental) duas vertentes se posicionaram: os tecnicistas, que acreditam ser possível desenvolver tecnologias para resolver os problemas produzidos pela crise ecológica, também denominados de aceleracionistas (The singularity is near, de Ray Kurzweil) e os defensores do desenvolvimento sustentável, que acreditam nos acordos políticos (nunca cumpridos, pois não obrigatórios como o de Paris e, segundo os especialistas, sem chance de ter sucesso, como ocorreu com o Tratado de Kioto) e na intervenção estatal (adoção de políticas de inibição da produção mais poluente, e estímulo a práticas mais harmônicas com a natureza, como as energias renováveis). E, alguns, na boa vontade dos empresários, com crescente consciência dos limites da natureza.
A trajetória histórica do desenvolvimento sustentável, contudo, não é das mais gloriosas. É uma história de pequenos avanços e persistência no fracasso. A situação ambiental hoje é pior do que há cinquenta anos atrás. Sérgio Buarque reconhece isso[6], mas acredita que o caminho, que até agora não conseguiu melhorar realmente a situação, apesar dos avanços, dever ser mantido.
Uma e outra vertente são possuídas pelo que os convivialistas denominam de Ubris (Second Manifeste Convivialiste. Pour un monde post-néolibéral, 2020). Ou seja, o sentimento de arrogância e desmantelo que não reconhece os limites do crescimento econômico e sua irracionalidade. Falta de comedimento.[7]
Porém, os defensores do desenvolvimento sustentável, como meu amigo Sérgio Buarque e tantos outros, acreditam que é possível “orientar a sustentabilidade do desenvolvimento submetendo a economia a padrões compatíveis com o meio ambiente”, pois, afinal é “indispensável elevar a renda dos países pobres”. Da segunda afirmação não há quem discorde, embora prefira acentuar o acesso a bens e serviços indispensáveis a uma vida digna. Afinal, todos os humanos têm igual direito a uma vida digna, mas o caminho preconizado não pode ser o da destruição da natureza, como tem sido até agora.
O terceiro ator do campo da sustentabilidade, os pós-desenvolvimentistas, entre os quais os decrescentistas, também defendem que a oferta de bens materiais e serviços deve crescer nos países pobres. Melhor ainda, nas camadas pobres, pois a “cortina de ouro”, como defende Cristovam Buarque, inspirado em Osvaldo Sunkel, não separa apenas países, mas também grupos sociais no interior dos países. Porém, o caminho não pode ser o crescimento contínuo. Como diz Morin, é preciso crescer/decrescendo (La Voie, 2011)
O problema de obter a prosperidade sem crescimento (Prosperity without Growth, 2009), como prega Tim Jackson, é o dilema central de nossa civilização. O enigma de sua sobrevivência. E o desenvolvimento sustentável não tem conseguido responder, pois é preciso uma outra economia, como diz Manuel Castells[8] – uma economia circular. Portanto, o bom combate não é o de defender o desenvolvimento sustentável, mas o de encontrar a alternativa[9]. Os decrescentistas tentam fazer isso, articulando redução do consumo (salvar os obesos), distribuição de riquezas (salvar os famintos) e reutilização e reciclagem dos produtos (salvar a natureza). Como realizar isso é o dilema que somos todos convidados a enfrentar. Este é o bom combate, que o desenvolvimento sustentável teve mais de meio século para provar, e não o fez, pois, prisioneiro de um oximoro.
[1] A terceira margem: em busca do ecodesenvolvimento, Cia. das letras, 2009.
[2] Publicado no Brasil pela Perspectiva, 1973.
[3] “O custo, em termos de depredação do mundo físico, desse estilo de vida, é de tal forma elevado que toda tentativa de generalizá-lo levaria inexoravelmente ao colapso de toda uma civilização, pondo em risco as possibilidades de sobrevivência da espécie humana”. (Furtado, p.75)
[4] “O DS é aquele é capaz de atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras para atender as suas necessidades”. Onde estão os limites do meio ambiente? De forma indireta, assentado em necessidades futuras, as quais ninguém sabe quais são. O conceito tornou-se genérico e moral, não técnico.
[5] Que surge pela primeira vez no relatório do World Conservation Strategy (1980)
[6] O diagnóstico de Elimar Nascimento sobre a intensidade, a extensão e as causas da degradação ambiental (artigo intitulado “Adeus ao desenvolvimento” publicado na Revista Será?) é incontestável
[7] Infelizmente o espaço não permite introduzir as distinções entre sustentabilidade fraca e forte, em particular a visão da economia ecológica, apenas parcialmente apropriada pelos pós-desenvolvimentistas.
[8] Manuel Castells (Org.). Outra economia é possível. Cultura e economia em tempos de crise. Zahar, 2019.
[9] Salvo se despirmos a ideia de desenvolvimento de crescimento econômico, o que os defensores do desenvolvimento sustentável não conseguem, salvo exceções, como Daly Crescimento sustentável? Não, obrigado. Ambiente e Sociedade, v.7. no 3, 2004. “O termo desenvolvimento sustentável, portanto, faz sentido para a economia, mas apenas se entendido como desenvolvimento sem crescimento”.
Taí o debate do momento !….Inteligência artificial, reestruturação produtiva, TI, era do conhecimento, e tantas mais temáticas emergentes, só encontrarão efetividade hoje no contexto desta abordagem.
As análises de Castells, sustentadas por rigorosas pesquisas teóricas e de campo, realizadas por ele e por uma conceituada equipe internacional de professores e técnicos, mostram a real inviabilidade dos diversos modelos de desenvolvimento sustentável sugeridos, todos perpassando a mesma matriz tecnológica atualmente adotada nos países desenvolvidos.
E a saída? Aí está o imbróglio. Castells é sério e corajoso! Desde os anos70, quando começou sua carreira tratando das questões urbanas. Baseado sempre em pesquisas extensas e rigorosas, apresenta suas sugestões. A meu ver, uma distância enorme entre suas análises e diagnósticos pujantes e as alternativas. Não cabe aqui enumerá-las, todas muito válidas, tipo banco de horas, pequenos negócios, chega mesmo a clusters, mas longe de se imporem como saída. Muito factíveis para políticas de desenvolvimento local, já adotadas em varios países e regiões com sucesso. Que mal compare, lembram o Small is beaultiful da década de 80.
Mas, viva esse debate quente !!!!!!
Parabéns ao autor!