Mais de 300 intelectuais de mais de 30 países assinaram o Segundo Manifesto Convivialista: Por um mundo pós-liberal. O manifesto foi publicado em português no Brasil pelo Ateliê de Humanidades. Uma espécie de Think Tank brasileira animada por André Magnelli, sociólogo, professor da UERJ e criador e animador do Ateliê, que prima por publicar coisas novas e desafiadoras.[1]
O Segundo Manifesto se pretende expressão de um movimento intelectual que se autodenomina de Internacional Convivialista. Claro que com uma tal quantidade de intelectuais não há como primar pelo consenso. Contudo, há algo comum que os estimula: criar uma alternativa saudável a uma sociedade irracional e conduzida por uma dinâmica suicida. Mesmo esta definição não contaria com consenso. Mas, há um sentimento comum de repúdio ao que aí está, e a esperança da construção de algo novo. Além da aposta em alguns princípios que o manifesto desenvolve, como embrião de uma nova filosofia política. Como ressalta Luiz Carlos Azedo em relação ao primeiro manifesto, no Correio Braziliense (09/11/2016): “O primeiro mérito do manifesto convivialista está em, com efeito, atestar que esses autores, por sinal em divergência quanto a vários pontos, souberam pôr em relevo suas convergências”.
O termo convivialismo: não o encontrei nos dicionários de língua portuguesa. Convivialidade, sim: “capacidade de uma sociedade em favorecer a tolerância e as trocas recíprocas das pessoas e dos grupos que a compõem”. Vem de convívio, convivial, convivência, conviver. O termo convivialidade é utilizado ainda nos anos 1970 em título de livro de Ivan Illich – A convivialidade. Aliás, um dos inspiradores do movimento. O convivialismo, portanto, se autodefine como a filosofia da arte de viver juntos. O Segundo Manifesto, aliás, nasceu desta vontade de agregar a todos, pois o primeiro, reunindo 64 intelectuais era quase que exclusivamente europeu. O atual é mais abrangente e conquistou adesões na Ásia e na África, além de ampliar sua presença no continente americano. Pretende construir uma Internacional Convivialista, com uma Assembleia Mundial de Cidadãos e Cidadãs.
Vivemos em um mundo de riscos e desafios, e para o Convivialismo o risco principal é o descomedimento, a perda do sentido de limites presente no conceito de hybris, o crime do excesso. Reflete-se na ausência da percepção dos riscos que o crescimento econômico nos impõe, dos limites dos recursos naturais finitos e dos limites das inovações tecnológicas, que arriscam fugir de nosso controle. Essa irracionalidade é expressa, sobremaneira, pela vitória da ideologia neoliberal nos anos 1970. Com ela, veio uma crescente restrição aos direitos humanos e o aumento contínuo das desigualdades sociais e da intolerância social e política.
O Manifesto é dividido em seis partes, além de um prólogo e uma introdução que lhes antecede, e uma conclusão, com o nome dos signatários ao final, do qual participa este que vos escreve. Pretende expor o embrião de uma nova filosofia política que se sustenta em cinco princípios.
O primeiro princípio (comum naturalidade) é o da plena e harmoniosa convivência com a natureza. Com a natureza não temos uma relação de exterioridade, mas de interdependência. Não respeitar a natureza coloca em risco nossa própria existência.
O segundo princípio é o da comum humanidade. Somos todos filhos da mesma espécie, alocados em um mesmo planeta e, portanto, temos um destino comum que tem que ser respeitado.
A comum socialidade é o terceiro princípio, que nos reúne em relações de cooperação e conflitos. Mas esses têm que ser desenvolvidos em função da construção de coisas comuns e melhores. As relações sociais concretas são nossa maior riqueza e fonte de nossa força. Simultaneamente, a base para uma organização democrática. O que nos remete ao quarto princípio: o da oposição criadora. Esta tem que ser desenvolvida por meio de uma comunicação não violenta. Esta oposição tem um quadro específico de legitimidade: não pode colocar em risco a comum naturidade, a comum humanidade, nem o desenvolvimento dos outros. Pois o quinto princípio é o da legítima individualização. Cada pessoa deve desenvolver da melhor forma possível sua própria individualidade, seus talentos, seus desejos, desde que em respeito aos outros princípios.
Coroa estes cinco princípios o imperativo do controle da hybris (ou húbris), do desmantelo, do excesso, o desejo de onipotência. Controle da pleonexia, o desejo de possuir sempre mais.
Somos chamados a ser melhores. No entanto, tentar ser o melhor é fortemente recomendável quando se trata de se distinguir, na medida de seus próprios recursos, para satisfazer as necessidades de todos, dar a si a aos outros o máximo e o melhor possível.
O que se pretende é permitir a cada indivíduo “esperar ser reconhecido como tendo igual dignidade para com todos os outros seres humanos; ter acesso a condições materiais suficientes para realizar sua concepção de vida boa, respeitando as concepções dos outros; e buscar, dessa forma, ser reconhecido por eles, participando efetivamente, se assim o desejar, da vida política e da tomada de decisões que envolvem seu futuro e o da sua comunidade”.
A aplicação dessa filosofia implica uma mudança radical de vida e de organização social e política. Uma mudança de valores e atitudes. Uma mudança de configuração do poder e da democracia. E que deve se espelhar na vida global. Não teremos em breve um Estado mundial, mas os Estados devem ser reconhecidos apenas na medida em que observam os cinco princípios e, sobretudo, o controle da hybris.
O documento se desdobra em explicar e concretizar cada um desses princípios, as formas de sua adoção e as prováveis consequências de sua implementação. Uma utopia? Sem dúvida, mas elas são mais que necessárias hoje. Uma filosofia? Sem dúvida, porém necessitamos mais de uma nova filosofia do que de uma nova politica, que sempre esta presa aos velhos cânones, e não incorpora o novo que está surgindo no mundo. De forma tênue, por meio de pequenas iniciativas, mas que têm a potencialidade de produzir uma revolução radical.
[1] O Segundo Manifesto Convivialista pode ser adquirido no site do Ateliê das Humanidades.
Bravo, Elimar!
Obrigado Ciro. Abraço.