Fico preocupado. Hoje, no nosso País, poder emitir opiniões, mesmo fundamentadas, é atividade de alto risco. Mais ainda, em instituições que deveriam ter como sua base de sustentação essa função.
Sempre considerei o espaço universitário como um dos raríssimos na nossa sociedade em que o debater de ideias e a expressão de opiniões, com as mais diferentes fundamentações, era inviolável e respeitado. Considerava ser base para uma sociedade democrática e plural.
Anos atrás, quando se discutia o teto de gastos públicos, um dileto amigo do qual discordo quase sempre nas posições, relatou-me um fato que me deixou indignado. Tendo sido convidado para um debate sobre o tema na universidade, onde defenderia as posições oficiais do governo, foi impedido pelos estudantes de se manifestar. Não quiseram ouvi-lo, nem ao menos deixaram que adentrasse ao recinto do debate. Uma negação à essência da instituição em que o analisar posições antagônicas faz parte do processo de formação de posicionamento. Naquela ocasião, era o alunato que impedia a liberdade de expressão.
No início do atual governo federal, um debate sobre a educação e os métodos de alfabetização, traria para Pernambuco, numa importante instituição de pesquisa, um dos maiores especialistas em Paulo Freire. Tudo certo, mas, na véspera do evento, o presidente da instituição de pesquisa federal, negou o local e cortou a passagem aérea que se havia comprometido a financiar. O argumento foi direto e explícito, não permitiria que houvesse debate de algo que poderia ser entendido como uma crítica ao governo atual. Dessa vez, foi um dirigente que não quis desagradar aos seus superiores.
Abro o jornal hoje e leio a notícia de que o Ministério de Educação avisou a todas as instituições de ensino e pesquisa sob sua administração, ser proibido debater, nas dependências destas, inclusive nas mídias a distância, fatos e posições que possam ser entendidas como críticas à condução atual do País, em particular às posições de seus altos dirigentes. Mais, “manifestações políticas nas suas dependências podem configurar “imoralidade administrativa” e serem alvo de punições disciplinares.”
Fico estarrecido, isso com o aval do Ministério Público Federal. Como formaremos nossas elites, nossos dirigentes, se no espaço adequado é proibida a manifestação de opiniões e se ameaça com punições? Como podemos falar em fim da censura se medidas como essa são oficialmente veiculadas pelo Ministério que devia preocupar-se com a consolidação da cidadania e de permitir um espaço plural para a reflexão e troca de opiniões?
Continuo lendo e vou ver o fato concreto que desencadeou essa medida. O posicionamento de dois ex-dirigentes de uma instituição do sul do Brasil que foi denunciada por um deputado federal. Os dois foram obrigados a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, como que sinalizando que desta vez passa, mas que não se repita.
Um deles afirmou que a nação era governada por um genocida. Além de ser recorrente nas mídias impressas, faladas e televisionadas, foi considerado uma ofensa que não poderia ser feita em palestra em ambiente de instituição pública. Estamos numa situação em que morreram cerca de 260 mil pessoas de COVID-19, em que 11 milhões foram infectados e na qual o presidente da República, em inúmeras ocasiões, desdenha do uso de máscaras como proteção, ridiculariza a necessidade de vacinação, retarda as negociações para a compra de vacinas, insiste em dizer que o vírus é algo nada preocupante, e não pode ser chamado de genocida? Permitam ao menos que se debata o assunto.
O outro, um ex-reitor, fez a seguinte declaração: “Quem tentou dar um golpe na nossa comunidade foi o presidente da República, eu digo presidente com p minúsculo. Nada disso estaria acontecendo se a população brasileira não tivesse votado num defensor de torturador, em alguém que diz que mulher não merecia ser estuprada (por ser feia) ou no único chefe de Estado do mundo que não defende a vacinação.” Discutam as conclusões dele, com as quais, inclusive, eu concordo plenamente, mas, impossível negar os fatos nas quais se alicerça.
Muito estranhos os caminhos que nossas instituições de controle vêm indicando. Não perceber que a Academia tem em sua essência, desde a origem, o livre espaço para o debate, o contraditório, o formular de utopias, o desmistificar inverdades que vão se consolidando, é não saber a relevância que essas instituições têm para a sociedade e para a formação da cidadania. Poder expressar-se com respeito, mas sem amarras a dogmas, ou pior, sem ser subserviente às estruturas de poder, é seu verdadeiro caminho e contribuição maior que pode dar para uma nação com um forte alicerce ético e moral.
Está chegando o dia em que colocarão censores nas salas de aula, já se observam movimentos de delação inconsequentes, apenas para tolher o livre debate e impedir os que não pensam da mesma forma se manifestarem.
Muito bom, caro Abraham!
Censura nunca mais!
Abraço
O MPF cobrou explicações e o MEC cancelou o ofício. Era, realmente, inaceitável.