No século XIV, o poeta italiano, Dante Alighieri, publicou a Divina Comédia. Poema escrito em três partes: Inferno, Purgatório e Paraíso. Dividido em trinta e quatro cantos. Notável alegoria sobre a condenação dos condôminos da injustiça. Sendo inclusive celebrado plasticamente por Botticelli e Salvador Dali.

O inferno dantesco tem nove círculos. O que prende mais atenção é o sétimo círculo. Que se origina na vertigem abissal de um precipício. É o sétimo círculo destinado aos violentos. Aos que distinguem sua ação pela violência. Contém três vales. O primeiro vale está destinado aos humanos que praticam violência contra o próximo. O segundo vale está voltado aos suicidas. O terceiro vale destina-se aos blasfemos que imprecam contra Deus.

O Brasil de Bolsonaro não parece muito distante de chamas infernais. Atazanado por dois escândalos que vão sendo naturalizados pela hipocrisia política.

Mas, antes de indicar quais são eles, quero acentuar o caráter pedagógico que todo governo deveria ter. Todo governo tem uma pedagogia. Porque o mandatário exerce papel referente. Ele é referência. No que diz. E no que faz. E será imitado, seguido, pelo povo. Se o governo, no Executivo, desempenha mau exemplo, cria-se nos outros Poderes, Legislativo e Judiciário, permissividade insana. Instala-se na nação um ambiente maligno. Que se espalha na sociedade. Distorcendo valores. Por exemplo, proteção de clã. E ampliado uso de arma de fogo. Se o governo produz bons exemplo, gera-se clima de respeito ao outro, à Lei e à ética.

Mas, voltemos aos escândalos. A meu ver, dois. O mais escabroso, o escândalo da conivência no combate à pandemia. Vê-se com clareza, qual sol argelino, omissão presidencial. Acolitada por subserviente incompetência. De ministro que afoga a incompetência no próprio silêncio. São 250 mil mortos em doze meses. É inconcebível. Que não haja reação moral do governo. Coordenando medidas. Vindo a público informar. Solidarizar-se com a população à qual deve pronta notícia. A imunidade não funciona contra a covid. A imunidade funciona a favor da improbidade. Da impunidade.

O segundo escândalo, menos escabroso porque menos mortal, mas igualmente amoral, renova nojento raposismo. A Câmara dos Deputados não aguentou, por uma vez sequer, a lucidez de prisão de um parlamentar. Na prática, ativista de corte fascista trasvestido de deputado. Pois bem. A instituição parlamentar não aguentou uma única medida de condenação moral.

Imediatamente, costurou, na brevidade de um sono, uma emenda constitucional. Que pretende acoitar futuros transgressores. Fica-se autorizado, por tal iniciativa, a pensar que eles se conhecem tão bem, que precisam se acautelar. Vedando a possibilidade de ocorrerem novas prisões de parlamentares. E que, havendo, admitem fazê-lo em dependência parlamentar. Os Maquiaveis de província são imaginosos. E fracos.

No horizonte, nem longínquo nem azul, o ar de pretorianismo. Uma participação inédita de militares no governo. Não apenas no escalão de decisão maior, no palácio. Mas já são mais de dez mil militares em todos os escalões do organograma oficial. Que estratégia se desenha por trás dessa colaboração?

Na França, o Exército é o grande mudo. Esse tipo de presença discreta ocorre nas democracias liberais. Em que, no século 19, a burguesia floresceu nas classes médias incorporando trabalhadores e pequenos proprietários. Reforma social que o Brasil não conseguiu fazer.

Na história, observaram-se três modelos de participação militar. O primeiro modelo veio da Alemanha nas duas primeiras décadas do século 20. Com a hegemonia burguesa, o Exército pode se dedicar à defesa externa. O segundo modelo se baseava num intervencionismo reformista. O oficialato não se aliava às classes dominantes. Mas bancava reformas sociais, como a CLT e o salário-mínimo. Era sentida na primeira gestão de Getúlio Vargas, por meio de generais como Gois Monteiro e Juarez Távora. O terceiro modelo seria o de força militar popular. No Brasil, defendido pelo líder comunista Luís Carlos Prestes.

A origem do pretorianismo moderno é o do pretor romano. Chefe ou juiz que ampliava o raio de seu poder na medida da elasticidade das instituições. Portanto, cabe zelar e proclamar a ordem democrática.