Conversas de 1/2 minuto.

 

Conversas da terrinha, ligadas à literatura, em livro que estou escrevendo (título da coluna).

 

BOCAGE, poeta. Saía do Nicola do Rossio (ao lado do Cerco da Bandeira), botequim onde se encontravam políticos e literatos. Para ele, seria “o último café do Rossio”. Ali Humberto Delgado, o general sem medo, anunciou que demitiria Salazar. Amigos se fingem de bandidos e, simulando um assalto, perguntam

– Quem és tu?, de onde vens?, para onde vais?

– Sou o poeta Bocage

Venho do café Nicola

E irei pro outro mundo

Se disparar a pistola.

 

EÇA DE QUEIROZ, romancista. A Editora Ernesto Chardron (d’O Porto) precisava de seus dados, para constar nos livros. E Ramalho Ortigão, que com ele escreveu As Farpas,

– Manda um pequeno esboço biográfico, amigo.

Eça responde, numa carta de 10/11/1878,

– Eu não tenho história, sou como a República de Andorra.

 

MANUEL BANDEIRA, poeta. Fila para autógrafos, em Lisboa. Chega um rapaz e põe o livro em lançamento, que acabou de comprar, na sua frente. Sem saber de quem se tratava, para a dedicatória, nosso poeta pergunta

– Por favor, que nome ponho?

– Manuel Bandeira, ora pois.

 

ONÉSIMO ALMEIDA, da Universidade de Brown (Estados Unidos). O professor Aníbal Pinto de Castro, catedrático da Universidade de Coimbra, pergunta num debate se leu um livro qualquer.

– Não.

– Pois é, Onésimo. Você só lê obras de alto gabarito intelectual!

– Ó Aníbal, não diga isso, você sabe que já li toda sua obra!

 

OPHÉLIA QUEIROZ, implausível amor de Fernando Pessoa. Ao passar pela calçada da Estrela, diz ele

– O teu amor por mim é tão grande como aquela árvore.

– Mas ali não está árvore nenhuma.

– Por isso mesmo.

Não podia mesmo dar certo.

 

SANTA-RITA PINTOR, poeta futurista. Teatro da República (hoje São Luiz), 4/4/1917. Vestido de fato-macaco (macacão de operário) e em pé, numa frise, Santa-Rita destrata o poeta saudosista (autor de Dizeres do Povo)ligado à Renascença Portuguesa, segundo ele

– Correia António de Oliveira.

E o outro,

– Perdão, é António Correia de Oliveira.

– Isso é para o senhor, que está desse lado, e lê de lá para cá.