Todo ser humano é a convergência dos opostos. Victor Hugo há muito tempo se deu conta dessa dualidade. No prefácio de seu livro Cromwell, visando defender o entrelaçamento dos gêneros literários e questionar a concepção vigente de arte como sinônimo de beleza, argumentou que a vida humana se realiza e se completa pelos dualismos, a exemplo da simbiose entre sublime e grotesco, bom e ruim, corpo e espírito, sagrado e profano. Cabe, dessa forma, a cada indivíduo saber compatibilizá-los.
Quanto mais antagonismos o homem consegue entrançar, tanto mais fecundo ele se revela.
Nessa dicotomia, entretanto, há quase uma rejeição do entrelaçamento entre o ter e o ser – verbos que definem essas duas situações de aparente incompatibilidade pelas quais transita a condição humana. Daí, ter-se tornado lugar comum, um chavão: evidenciar que nos dias atuais só existe a valorização do ter em detrimento do ser.
Vale ressaltar, porém, que o valor do ter e do ser não existe por si só, não é absoluto. O peso de um e de outro são atribuídos pelo homem em função de algumas de suas expectativas e experiências psicossociais, espirituais, sociopolíticas e econômicas.
Basicamente, o ter se reporta à conquista de bens materiais e a fortunas acumuladas, ao passo que o ser envolve uma caminhada de transcendência nas esferas dos valores que sedimentam a existência na sua forma mais profunda. Mas, a convivência pacífica entre tais situações não são inconciliáveis.
Esse malabarismo de fazer com que os extremos se toquem exige apenas a percepção da importância de ambos nas ações de cada indivíduo.
A palavra e o silêncio se fazem voz, indicam veredas, localizam os pontos cardeais dos sentimentos, revivem o aforismo de Lao-Tse, filósofo da antiga China: “A alma não tem segredo que o comportamento não revele”. Assim se definirão, com toda sua gama de informações, o pensar, sentir e agir humanos.
Este é o instante da percepção para se entender que, na balança do equilíbrio, no “trafegar” do homem nas suas idas e vindas entre o ser e o ter, estão os caminhos que se bifurcam para a construção do processo evolutivo da humanidade.
O ter pode ser comparado a ir ao exterior exigindo da pessoa disponibilidade de dinheiro, roupas adequadas, passaporte e passagens, atendendo às exigências legais.
Contudo, essas iniciativas não isentam alguém de ser. Ser pode ser percebido como realizar uma viagem ao interior de si mesmo, cujos elementos indispensáveis são fornecidos pela necessidade do autoconhecimento. Isso não invalida o ter.
Para se empreender a viagem ao exterior, um avião, um navio encarregam-se de conduzir expectativas e bagagens. E para se chegar à paisagem interior? Em que cais, estação, aeroporto se pode aguardar o meio de transporte viável?
Nas plataformas oferecidas pelas contingências da vida, encontra-se o submarino do silêncio, assegurando perspectivas de proveito e obtenção de resultados favoráveis a quem se propuser fazer essa viagem.
A época natalina oferece ao homem o discernimento para tal percepção: o ter e o ser podem constituir o mesmo peso e a mesma medida. Claro está que o equilíbrio das oposições não recai sobre o enveredar do homem pelas vivências das tradições religiosas ou profanas.
Mas na sua compreensão de que os festejos profanos e as celebrações religiosas, propriamente ditas, são passíveis de compartilhamento sem que uma se sobreponha à outra. Aliás, é exemplo a ser seguido em qualquer tempo e oportunidade.
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