Language - autor desconhecido

Language – autor desconhecido

 

É da história da colonização os países invasores vitoriosos estabelecerem dominação da língua no território objeto de exploração. No caso da América, foram Inglês, Espanhol e Português (Portugal) as línguas preponderantes. Na América Latina, o Brasil logrou criar sua própria língua portuguesa, com diferenciações regionais de tons, pronúncia e outros traços linguísticos, mas língua única, mantendo-se grandes diferenciações de vocábulos e pronúncia relativamente a Portugal. No resto da América Latina e na América Central, o domínio do espanhol (castelhano). Na América do Norte, o Inglês britânico ganhou particularidades que trazem importantes diferenciações, essencialmente mantida a mesma língua. Indígenas e africanos, em toda a América, ofereceram suas contribuições culturais (destacadamente, linguística e culinária). Um resultado singular foi, principalmente a partir do século XX, o Inglês se tornar língua instrumental em grande parte do mundo, facilitando a comunicação entre imigrantes, nos negócios e no turismo. Nos últimos 10-15 anos, o mandarim e o espanhol vêm crescendo em importância, por conta da globalização e da microeletrônica, facilitando intercâmbio no mercado de trabalho e no mundo dos negócios. Mas, o Inglês permanece, solidamente, como língua instrumental de referência. 

O Brasil, que teve aqui os franceses e holandeses, depois os fluxos migratórios de italianos, alemães, e japoneses, e a importante contribuição de indígenas e negros, beneficiou-se de um sincretismo cultural amplo, principalmente em religião, língua, culinária, festas e folguedos. Esta é a parte boa da herança colonial e pós-colonial. 

No mais, principalmente depois da nova onda de globalização iniciada os anos 1980-1990, caímos em submissa macaqueação da língua inglesa, ofuscando o natural processo de ‘nacionalização’ de vocábulos. Ou a natural absorção de vocábulos estrangeiros (latim, inglês, alemão, francês, italiano) grafados em itálico na rigorosa escrita acadêmica (e não na jornalística), indicando a natureza de “estrangeiro”. Nossa saga, nesse mister, pode ser ilustrada a partir de alguns fatos pitorescos. 

Nos anos 1960, livros técnicos mais lidos eram usualmente traduzidos do Inglês para o Português. Outros, de menor preferência, ganhavam tradução para o Espanhol. Caso um livro técnico não merecesse, em termos comerciais, tradução e impressão em Espanhol, era comercializado mantendo-se o original inglês. Novidades técnicas, quanto se tratava de termos em Inglês, sem correspondente em Português, eram também mantidos na língua original. Em projetos de plantas industriais, por exemplo, o termo layout era recorrentemente utilizado, sem dificuldade de compreensão pelos usuários. Tradução para o Português foi algo ocasionalmente tentado, usando-se várias palavras, frequentemente acompanhadas do termo técnico original grafado entre parênteses. Esforço fútil. Nos anos sessenta do século passado, o termo layout não mais merecia itálico, estava plenamente incorporado a nossa língua, falada e escrita. 

O avanço da tecnologia veio a permitir, já nos anos 1970, a inovação de um cantor ter sua voz inserida numa melodia previamente gravada. Um cantor japonês viu nesta possibilidade a oportunidade de criação de uma atividade que poderia satisfazer o anseio de cantar nutrido por humanos. Inventou e desenvolveu o karaokê, sem preocupações com registro de patente. Lançado no Japão em 1971, o karaokê rapidamente ganhou o mundo. Logo, entrou no Brasil, no bairro japonês de São Paulo. Espalhou-se pelo resto do país. Veio junto com a designação “karaokê” e assim ficou firmada em português brasileiro, restaurando a dignidade da letra “k”, antes deixado a uso limitado de expressar unidades de medida. Tal rápida absorção representa a capacidade brasileira de incorporar, com rapidez, vocábulos e expressões de outras línguas.  

Quatro décadas depois dessa inovação, vem uma ocorrência que matou milhares de pessoas, mais de 200 mil, gerando a morte da palavra maremoto no português falado no Brasil. Era 26 de dezembro de 2004, no calendário gregoriano. Não se identifica nenhuma ocorrência de tal vulto, seja no calendário chinês, no maia, ou no israelense, nesta data do ano 2004 destes calendários. Um terremoto no fundo do Oceano Índico causou o maior maremoto então presenciado por humanos e amplamente documentado. As ondas então geradas varreram o mundo, ao tempo em que a distribuição de energia em massas cada vez maiores de água levava a redução de impactos locais. Pouca foi a percepção no Recife, onde atentos observadores puderam ver a oscilação vertical de 20 centímetros nos barcos estacionados nas quietas águas da marina do Cabanga. Mesmo assim, o efeito vocabular foi devastador: “maremoto” – até então presente na língua falada e escrita no Brasil – foi varrido da língua falada e da escrita no Brasil, e tsunami veio a descrever tal flagelo.  “Maremoto” consta, por inércia, dos dicionários.

Pitoresca também, mas gestada em ambiente de tragédia de quase 700 mil vidas brasileiras, foi a “inovação” linguística ocorrida nos anos da pandemia da Covid 19. Em forçadamente politizado debate sobre como se enfrentar a pandemia, o confinamento em casa como proteção contra a multiplicação do vírus veio, obviamente, com o termo inglês lockdown. Antes mesmo que fosse expressivo o número de mortos no Brasil, confinamento e quarentena já se tornavam termos esquecidos, substituídos pelo novel lockdown. Confinamento, confinado foi – ao passado. 

Adotar termos de outras línguas, para expressar situações para as quais nosso Português não dispõe de termo adequado, traz enriquecimento vocabular. Passar a utilizar traduções em outras línguas – a exemplo de tsunami e lockdown –, ao invés de termos nossos bem apropriados, é submissão linguística.     

E assim chegamos ao pitoresco uso de shopping centers (centros de compra), espaços em que temos a impressão de estar em outro país. “Off” e “Sale” abundam no lugar de descontos, promoções. “Workshop”, ao invés de oficina de trabalho, em reuniões acadêmicas. E, nas ruas, o caso de uma família com mais de 20 pessoas, aderente ao quadro televisivo “Vida Corrida”, estampando – em camisas – o aposto “Big Family’s Runners”. Sem falar no “Black Friday”, que até ganhou a inovação “Black November”. Mais risível é o caso de “niver”, abreviação brasileira para aniversário, entre socialites brasileiros. Conta-se que um desavisado alguém desse seleto grupo teria voltado de uma excursão aos “states” (leia-se Orlando) reclamando da “ignorância americana”: alegava que não conheciam o que a seu ver seria a palavra pronunciada, em inglês, “náiver”…