José Paulo Cavalcanti Filho

Dustin Hoffman and Robert Redford in All the President’s Men.

O sigilo faz parte da Democracia – que é informar e, também, é não informar. Numerosas profissões têm esses limites claros. Ninguém admitiria, por exemplo, que médicos divulgassem relação de seus pacientes com AIDs. Nem que padres começassem as missas dominicais fazendo um relato das confissões da semana. Dona Maria trai o marido com seu jardineiro. E tudo a partir do interesse coletivo.

Sigilos também mudam, em função de suas circunstâncias. Em 1934, ordenação alemã dispunha: “Todo cidadão que, consciente ou inconscientemente, animado por baixo egoísmo ou qualquer outro sentimento, tenha fundos no estrangeiro, será punido com a morte”. Além da perda de todos os seus bens em favor do Estado. Com base nessa ordenação, Hitler pôs em ação sua temida Polícia Geral do Estado (Geheime Staadt Polizei – Gestapo), fazendo depósitos na Suíça em nome de judeus alemães. E pedindo os respectivos extratos. Começaram, já neste ano, as primeiras execuções de empresários e suas famílias. Daí resultando na Suíça, em 1936, a primeira legislação sobre sigilo bancário do planeta. Como instrumento democrático de proteção às pessoas. Passando em seguida, este sigilo, a ser indiscriminadamente usado por inocentes e pecadores. Inclusive traficantes, sonegadores, políticos (alguns bem próximos de nós). Até que afinal a AFC anunciou, em 5/10/2018, que a Suíça está pondo fim a ele. O sigilo bancário mudou porque era preciso mudar.

O sigilo da fonte, entre nós, é garantido pela Constituição (artigo 5º, XIV). No último caso relevante decidido pelo Supremo (Agravo Regimental na Reclamação 21.504, São Paulo), de 17/11/2015, o relator, ministro Celso de Melo, limitou-se, em seu voto, a dizer o óbvio; que jornalista “não podia sofrer qualquer sanção, quando se recusar a quebrar esse sigilo (da fonte)”. Faltou ir, não se sabe por que, ao centro do problema. Sem uma palavra sobre a obrigação de responder, o próprio jornalista, pelas informações que recebeu de sua fonte. Um tema tranquilo, na doutrina. Cito apenas Steinmetz (Comentários à Constituição): “Quando o profissional ou a empresa invocam o sigilo da fonte, assumem a plena responsabilidade pelo teor da informação veiculada, inclusive respondendo cível e criminalmente por eventuais danos causados a direitos de terceiros (e.g., honra, intimidade, vida privada e imagem)”.

Como visto, e diferentemente do que tem sido entendido por alguns jornais brasileiros, o sigilo protege apenas a fonte. E, não, o jornalista. Que deve sempre responder pelo que sua fonte disser. Simples assim. Fora disso, teríamos uma nova categoria na praça. A dos semideuses. Quero destruir a reputação de quem não goste? É simples. Digo que ele é traficante, estuprador de menores, corrupto, por ái vai. Após o que se seguiria, no texto, o tal “segundo uma fonte”. Ao dizer essa expressão mágica, “segundo uma fonte”, pretendem os jornalistas que não são obrigados a provar nada. Sua fonte é que deve. Só que, como o jornalista tem direito de não dizer quem ela é, no mundo real ninguém seria punido. Nunca. Nem a fonte (acaso existir). Nem o jornalista. O crime perfeito.

Não é assim, no resto do mundo. Apenas um exemplo. Judith Miller (Prêmio Pulitzer em 2002) publicou, no N.Y. Times, que Valerie Plame (mulher do ex-embaixador Joseph Wilson) era agente secreta da CIA. Pondo em risco a vida de Valerie. A jornalista não revelou sua fonte. E acabou presa, no Distrito de Columbia (Washington). Mattew Cooper, da revista TIME, fez o mesmo. Só que se livrou da prisão por dizer quem era. Segundo ele, autorizado pela própria fonte – o conselheiro político de Bush (filho), Karl Rove.

Por tudo, então, talvez seja tempo de começar a discutir o tema com menos corporativismo. E mais seriedade. Pensando no interesse coletivo. A partir do dever básico dos meios de comunicação – assim resumido, numa entrevista para televisão, pelo judeu húngaro József Pulitzer: “Exatidão! Exatidão!! Exatidão!!!”.

José Paulo Cavalcanti Filho

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