Em decisão recente – dia 22/05/2024 – o Tribunal Superior Eleitoral/TSE, pela unanimidade de seu plenário (sete votos a zero), absolveu o senador Sérgio Fernando Moro das acusações de prática de abuso de poder económico, caixa dois e uso indevido dos meios de comunicação, denunciadas como praticadas durante a pré-campanha eleitoral que precedeu a sua eleição como senador da República pelo estado do Paraná, em 2022.
As denúncias foram feitas por agremiações políticas, quais sejam a Federação Brasil da Esperança (Partido dos Trabalhadores/PT, Partido Comunista do Brasil/PCdoB, Partido Verde/PV) e o Partido Liberal/PL. As alegações de crimes eleitorais por irregularidades na pré-campanha eleitoral ensejaram o pedido de cassação de mandato e declaração de inegibilidade do senador denunciado.
Apresentadas em separado, essas denúncias deram vez a formação de duas ações de investigação judicial eleitoral/Aije, apreciadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná/TRE-PR. Procedendo ao seu julgamento, o plenário desse tribunal, por maioria (cinco votos contra dois) entendeu por sua total improcedência.
Em consequência, as agremiações partidárias denunciantes entenderam por recorrer desse julgado na forma do Recurso Ordinário 060417651 e do Recurso Ordinário 060429864. A apreciação desses recursos ordinários pelo TSE foi unificada por economia processual, uma vez que possuíam pontos em comum a começar por terem o mesmo réu, como também uma identidade na argumentação e imputação dos ilícitos eleitorais. Daí que o julgamento do TSE com o entendimento de absolvição convalida o anterior entendimento, no mesmo sentido, do TRE-PR. Ambas se fundamentaram na ausência de provas capazes de comprovar os crimes eleitorais imputados.
Esclareça-se que a prévia manifestação do Ministério Público Federal, pelo vice-procurador-geral eleitoral, Alexandre Espinosa Barbosa, foi igualmente no mesmo sentido: não provimento dos recursos por ausência de comprovação fática probante.
No minucioso voto que serviu de base para os demais, o ministro relator, Floriano de Azevedo Marques, dissecou e rebateu cada um dos argumentos apresentados pelos denunciantes, assinalando que:
“ …o que estou a considerar é que gastos dessa proporção , diante das circunstâncias do caso além do lapso temporal longo da alegada pré-campanha, se apresenta bem razoável e proporcional, não configurando abuso na pré-campanha”.
Essa sua análise pormenorizada permitiu, então, a conclusão final do não provimento dos recursos, tomada pelo plenário do TSE.
O ministro também lamentou – coberto de razão – a ausência de uma regulamentação específica que discipline e estabeleça parâmetros paras as ações e gastos com os candidatos no período de tempo que antecede a campanha eleitoral – a chamada pré-campanha – em especial a delimitação dos recursos públicos e privados; da propaganda antecipada; dos gastos admissíveis e autorizados face aos inadmissíveis e abusivos, etc. Daí que a consulta à jurisprudência, e a utilização de parâmetros comparativos, como o do “candidato médio” ou do “limite de dez por cento do valor dos gastos com a campanha”, se revelaram inadequados.
A leitura atenta do parecer do representante do Ministério Público e, principalmente, do voto do ministro relator demonstram a indigência das argumentações e provas apresentadas pelos denunciantes, que se revelaram imprestáveis para corroborar qualquer dos crimes eleitorais denunciados. Salta aos olhos a confusão e as contradições dos denunciantes na apresentação das despesas da pré-campanha, aproveitando-se da falta de uma regulamentação específica. Chegou-se ao ponto de se considerar como despesas da pré-campanha do acusado não só as que foram feitas nesse período, como também as realizadas com uma inicial e anterior candidatura à presidência da República, abortada, e as que foram contraídas em uma, também anterior, breve incursão como candidato ao Senado pelo Estado de São Paulo, também abortada,
Há mesmo a opinião de que em face dessa precariedade de provas, tais denúncias nem sequer deveriam ter sido recebidas ou autuadas, sobretudo em face dos seus efeitos graves, e em se tratando de ter como principais consequências a cassação do mandato e declaração de inegibilidade de parlamentar eleito em pleito onde predominou a vontade de quase dois milhões de cidadãos eleitores paranaenses. Quer dizer, procedidos esses merecidos prévios arquivamentos, inibindo as ações de investigação criminal eleitoral, o julgamento do TRE-PR nem deveria ter acontecido, abortando, também, a consequente apreciação e decisão do TSE. Mas, como tal não ocorreu, é de se lamentar o precioso tempo gasto pelo Judiciário (TRE-PR e TSE), que poderia ter sido empregado em obrigações outras, úteis à coletividade, além das especulações e tensões geradas em torno desse julgamento, face às suas repercussões na opinião pública e na vida política do País.
Então, o que dizer sobre essa decisão de absolvição, quais as suas consequências?
No plano jurídico, cabe simples e objetivamente afirmar que ela tem o condão de não só confirmar como restaurar o respeito à vontade democrática e soberana de quase dois milhões de eleitores que elegeram o absolvido como seu representante no Senado da República. E reafirmar a relevância de uma decisão de cassação de mandato, que, por sua gravidade, somente deve prosperar por motivos graves e insofismáveis.
Outra consequência possível, é a busca da regulamentação específica no âmbito das ações que antecedem o período em que ocorrem as tratativas e as decisões de escolha dos candidatos, o chamado período de pré-campanha, disciplinando as ações que o permeiam, com o escopo de evitar abusos nos gastos e nas ações desse período.
Agora, do ponto de vista político, uma primeira impressão, apressada, é a de que a absolvição de Sérgio Moro ameniza a carga sobre a “Operação Lava-jato” e os seus operadores, lembrando que, anteriormente, o principal representante do Ministério Público nessa operação, Deltan Dallagnol, teve o seu mandato de deputado federal cassado por uma motivação aparentemente burocrática.
No entanto, essa absolvição se mostra um caso à parte diante dos fatos. Porque na mesma data da absolvição de Moro pelo TSE, terça-feira 22 de maio, foram coincidentemente tomadas várias decisões judiciais de uma forma ou de outra relacionadas com a conhecida “Operação Lava-Jato”, cuja existência e funcionamento teve o papel preponderante de Moro, enquanto juiz federal da 13ª Vara de Curitiba. Oportuna, pois, a nominação desses feitos:
– em decisão monocrática, fundamentando-se em parecer da Procuradoria Geral da República, o ministro Edson Facchin, do STF, determinou o arquivamento de um inquérito policial contra o o senador Renan Calheiros e o então senador Romero Jucá, decorrente de denúncias, no bojo da “Operação Lava-Jato”, de que teriam recebido propinas da empreiteira Odebrecht, atual Novanor, em 2017. A decisão atendeu ao entendimento de que foram inconclusivas as provas apuradas no inquérito anulado, apesar de decorridos muitos anos de sua existência (no nosso Brasil, há inquéritos que demoram anos e anos…);
– desta vez em decisão pela maioria (3 votos contra 2), os membros da segunda turma do STF, decretaram a extinção da punibilidade para José Dirceu, por prescrição de idade avançada, em relação à sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um dos processos criminais a que responde, e que decorreu das investigações da chamada “Operação Lava-Jato”;
– e ainda: em outra decisão monocrática – alegando ter havido um conluio entre o juiz Moro e os procuradores da República e assim eivando de suspeição os atos produzidos – o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal/STF, decretou a “nulidade absoluta” de todos atos praticados contra o empresário Marcelo Odebrecht em processos decorrentes da “Lava-Jato”, incluindo os que tiveram a determinação do então juiz Sérgio Moro. A nulidade ora decretada atinge em cheio a colaboração premiada de iniciativa dele, Marcelo Odebrecht, e resvala nas colaborações premiadas de outros dirigentes da empresa Odebrecht, atual Novanor (colaborações essas que foram rotuladas pela midia como a “Delação do fim do mundo”). E, também abrange , atinge e anula uma declaração contida no bojo dessa delação por Marcelo Odebrecht, quando se referiu ao “amigo do amigo do meu Pai”, estranha referência que, segundo os meios de comunicação, seria direcionada ao próprio ministro que proferiu a recente decisão.
A propósito, é de se recordar que, anteriormente, o mesmo ministro Toffoli, também em atuação monocrática, suspendeu os pagamentos de múltiplos acordos de leniência voluntariamente firmados pela empreiteira Odebrecht, atual Novanor. Quer dizer, invalidou as provas sobre os acordos em que a empreiteira admitiu corrupção ativa em quarenta e nove contratos para realização de obras, firmados com o poder público entre 2006 e 2014.
Ao nosso ver, a conclusão sob a ótica política é de que a absolvição do senador Sérgio Moro é um “ponto fora da curva” nos atos que perseguem restabelecer o status quo ante da chamada “Operação Lava-Jato”, dando a impressão de “desmonte” do que foi ali apurado. Essa desmobilização não se limitou a medidas administrativas e legais para corrigir os seus eventuais abusos e extinguir a sua atuação. Indo muito mais além, há a busca das anulações de decisões judiciais e acordos de leniência por ela produzidos, e que significaram um inesquecível avanço no combate à corrupção neste País. Já vimos filme semelhante com a “Operazione Mani Pulite”/“Operação Maõs Limpas”, na Itália (1992-94). No nosso caso, resta aguardar os próximos capítulos, sendo o mais importante o das apreciações das decisões monocráticas acima citadas pelo plenário do STF .
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