Fim de ano em Recife. Época de festivais: de cinema, de literatura, de teatro. Um, em particular, me diz muito respeito; sempre o espero, sempre o frequento: o Festival de Circo do Brasil.
Em sua maioridade, décima oitava edição, terminou neste domingo, em espaços públicos, em belos teatros. Na chegança, canto a música:
“Vai, vai, vai começar a brincadeira
Tem charanga tocando a noite inteira
Vem, vem, vem ver o circo de verdade
Tem, tem, tem picadeiro de qualidade…”
Sempre fui apaixonado. Lembro-me da infância e dos grandes circos chegando ao Brasil, a São Paulo, onde vivia. O de Moscou, uma beleza; o Vostok, nacional; e muitos outros. Meus pais nos levavam, era sempre uma festa.
Mais recentemente, o Cirque Du Soleil, com seus trapezistas e malabaristas fantásticos. Não esqueçamos o Circo Internacional da China, com suas acrobacias e performances quase inacreditáveis.
Os palhaços sempre me fascinaram. Via, nos primórdios da TV, um pouco borrada, Arrelia e Pimentinha, Fuzarca e Torresmo e o mítico Piolin. Divertidos, faziam-nos rir sem saber bem o porquê daquela explosão de alegria, o cotidiano e suas versões encantadas.
Não esqueçamos os circos mambembes, com encenações de peças quase sempre de caráter religioso e péssimos atores, que chegavam às cidades e mobilizavam toda a criançada.
Lembro, mais recentemente, nos anos noventa, que, nas férias na praia, em Pontas de Pedra, era obrigatório ver esses dramalhões e apreciar as estrelas que apareciam sob lonas furadas.
Voltemos ao festival: chama-se Festival de Circo do Brasil, mas conta com atrações internacionais fantásticas. Artistas do mundo todo – africanos, europeus, latino-americanos – sempre presentes.
Os teatros, os melhores da cidade: o Santa Isabel e sua majestade, o Hermilo e seu ar aconchegante, o Apolo e seu ambiente convidativo, o Parque, totalmente recuperado.
Nos espaços públicos – os parques, as praças –, pode-se ver belas apresentações, de graça. Não se aplica a música da minha infância, da mais que admirada Nara Leão:
“Todo mundo vai ao circo,
Menos eu, menos eu
Como pagar ingresso,
Se eu não valho nada?
Fico de fora escutando a gargalhada…”
É democrático, é bem popular. Mesmo nos teatros. Tudo possível de frequentar e de participar. Este ano, fui a três belas apresentações.
Na abertura, uma franco-brasileira, contorcionista, num show bem ambientado, mostrando que o corpo não tem limites de flexibilidade. Entrava em caixas minúsculas, escalava caixas de acrílico enormes, trocava, literalmente, os pés pelas mãos. A música, muito bem escolhida; os cenários, bastante adequados. O público aplaudiu efusivamente. E o bom foi que ela se apresentou também em locais públicos, em Olinda e Recife.
No Santa Isabel, o ápice: dois senegaleses, equilibristas inacreditáveis. Muito bem ambientado, nas savanas africanas. A música, perfeita. Mais de uma hora de encanto e magia. O público delirava; acho que até eles se assustaram com a reação. Impossível não admirar e extasiar-se com espetáculo tão belo.
No domingo, a leveza do palhaço. Em um espetáculo inteligente, “O Palhaço Tem Concerto?” Um cômico de Campinas, da Companhia Oruã (Mauro ao contrário, substituindo o “m” por til, nome do palhaço), com um quarteto de cordas pernambucano. Música clássica e palhaçada, uma ideia genial, além de educativa. Gostei muito. Leve, boas risadas. A criançada se empolgou.
Agora, só para o ano. Mas o imaginário, a volta a tempos felizes, o recordar de tempos vividos, a magia circense, sempre entram em minha alma, fazem-me esquecer tempos turbulentos, problemas vividos. Gostaria de estar no palco, mas, melhor não; afinal:
“A minha vida é um circo,
Sou acrobata na raça.
Só não posso ser palhaço
Eu vivo sem graça…”
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