Podem cravar: a disputa em curso não é e nunca foi política, mas econômica. O butim é o santo graal. Foi assim em todos os tempos. A equação desenhada à vista de todos objetiva distribuir os bens do Estado de maneira objetiva, equânime ou não, mas que atenda aos interesses dos grupos donos do poder, satisfazendo-os e acomodando-os. Não, não me refiro ao discurso demagógico do PT, para quem a direita capitalista estaria na origem do mal, ela está, mas o PT entrou também na disputa do butim, só que de forma obviamente incompetente, como tudo o que faz, de modo que se confunde com o próprio capitalismo de direita nesse aspecto, engrossa a caravana, escancarando os bastidores como nunca antes neste país, mais grave, incitando o povo a defendê-lo com a ameaça, agora e desde sempre, de comprometimento do Bolsa Família. A disputa, em suma, não é pelo Estado, mas pela gestão dos negócios do Estado. E gestão aqui é gestão privada, plena manifestação do patrimonialismo. A Petrobrás e o BNDES, por exemplo, sempre estiveram na mira desses grupos. Fizeram a fortuna, no passado, de diversos empresários, nacionais e estrangeiros, inclusive na ditadura militar (não convém cutucar o cão com a vara curta, de modo que o benefício da dúvida consiste em que os grupos contemplados eram civis; se bem que ficou famosa a anedota do financista que apostava com o general se o financiamento ia sair ou não, e pagava as apostas, pagamentos aceitos de bom grado, porque eles saíam nas datas aprazadas). E sempre integraram o butim dos vencedores das eleições, assim como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, os fundos de pensão, as autarquias e sociedades de economia mista e assim por diante. Há quem saiba administrar isso e quem não saiba. No passado recente, com a única exceção de Itamar Franco, político pitoresco, mas bem intencionado e sério, e de FHC em seu primeiro mandato, o Estado brasileiro foi gerido com essa competência e finalidade. Havia, porém, nesse passado, sempre, um contexto ideológico, histórico, uma configuração político-jurídica escamoteando a farra: a transição democrática, a inflação, um objetivo institucional disfarçando, a dizer, um pretexto para a governabilidade que a todos enfeitiçava. Na crise atual, não há isso, porque ela, a crise, decorre da própria condução equivocada da repartição do butim, da gula, do exagero, da desigualdade dos quinhões, da ameaça partidária de perpetuação do poder, e também, obviamente, da incompetência da primeira mandatária, que não sabe gerir nem a máquina pública nem os interesses privados que gravitam em torno dela. O povo? O povo, já o dizia Faoro, oscila entre o parasitismo e a mobilização das passeatas sem participação política, esperando a nova eleição que, mesmo formalmente livre, a ele reservará opções formuladas pelos caçadores de butim.
Sobre o autor
João Humberto de Farias Martorelli
Nascido em 26/09/55. Formado pela Faculdade de Direito do Recife. Colou grau em 18/08/77 (Turma Torquato Castro – foi laureado e orador da turma). Foi membro efetivo do Conselho de Recursos Fiscais do Município do Recife (1981) e Procurador Judicial da Prefeitura do Recife (1981/2001) com atuação na Procuradoria Fiscal (ambos os cargos, ingressando por concurso público). Foi também Secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura do Recife, no período 01/01/86 a 02/05/88 e Conselheiro Federal da OAB, Seccional Pernambuco, no triênio 98/2000. Ex-Conselheiro e Ex-Presidente da Causa Comum. Membro da Associação Internacional de Juristas Democratas. Membro do Conselho Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (até 2005), sediado em São Paulo, Vice-Presidente da Regional do CESA/PE. Chairperson do Comitê de Legislação da AMCHAM (2003). Fundador de MARTORELLI ADVOGADOS, Escritório de Advocacia Empresarial com atuação em todo o Nordeste, com 30 Anos de atuação. Vários artigos publicados em coluna quinzenal no Jornal do Commercio e um livro em edição privada, “O Cofre é o Coração”, reunindo alguns dos artigos. Presidente do SPORT CLUB DO RECIFE (2014).
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