Fernando Henrique Cardoso, um dos mais notórios fundadores da sociologia no Brasil e na América Latina, não é mais um intelectual. É isso mesmo. O CLACSO-Conselho Latinoamericano de Sociologia, na defesa da fé e da doutrina, simplesmente cassou o título de intelectual do ex-presidente. Título, aliás, que ninguém recebe formalmente, não sendo mais que uma denominação para as pessoas cuja atividade profissional consiste em pensar, analisar, discutir e formular ideias, o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem feito ao longo da vida profissional e política. E que continua fazendo. Mas o CLACSO, julgando e discordando das ideias e posições do ex-presidente, e com a autoridade de inquisitor-mor da sociologia, destituiu o intelectual.
Pois é. Em carta aberta ao Congresso da Associação Latinoamericana de Estudos (LASA), divulgada amplamente na internet, o CLACSO condenou o convite feito pela LASA ao ex-presidente (e agora ex-intelectual) Fernando Henrique Cardoso para participação no encontro deste final de mês em Nova York. Assinada por Pablo Gentini, Secretário Executivo do CLACSO, a carta afirma que o encontro é um “excepcional espacio académico, de debate y deliberación teórica y política”. Mas os que pensam diferente da doutrina, como o ex-intelectual Fernando Henrique Cardoso, não podem participar deste espaço excepcional; e para impedir de vez sua participação, o CLACSO toma o “título” de intelectual.
Na verdade, como afirma em outra passagem a carta inquisitória, não se trata tanto de debate teórico e prático mas de manifestação política, agitação e propaganda contra o “golpe” no Brasil. Declarando que a melhor forma de “festejar los 50 años de la Latin American Studies Association, y también los del Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, es haciendo lo que siempre hicimos: manifestarnos a favor de los derechos humanos, de la justicia y de la soberanía popular, de la justicia y de la soberanía popular, fuentes de la democracia y de la libertad humana”, o CLACSO convocou os participantes a vestirem e agitarem camisetas, cartazes e bandeiras distribuiídas no evento. O espaço da LASA, de acordo com o secretário executivo do CLACSO, deve ser concedido apenas aos que apresentem o título formal de intelectual aprovado após o julgamento da doutrina e da fé. No caso, apenas os que consideram que houve um golpe no Brasil e que os governos do PT, puros e honestos como vestais, promoveram um indiscutível desenvolvimento no Brasil. Apenas estes são sociólogos e intelectuais.
Pelo visto, o ex-intelectual Fernando Henrique Cardoso tem agora que devolver o “título” conquistado pela sua contribuição ao pensamento sociológico e aos estudos sociais. De acordo com o CLACSO, Fernando Henrique Cardoso foi um intelectual até enquanto colaborava ativamente com a instituição, aparentemente, deixando de pensar quando assumiu a Presidência da República e, segundo a simplista e destorcida análise da instituição, “impuso uno de los planes de ajuste y de privatización más severos de la historia democrática brasileña, destruyendo algunas de las principales conquistas logradas en la Constitución Nacional de 1998”.
É profundamente lamentável que uma instituição que deveria estimular a reflexão e o debate de ideais e a análise crítica da realidade complexa se preste a este papel ridículo de defensor da doutrina e da fé, como uma nova religião. O CLASO demonstra com sua autoritária declaração o atoleiro em que afunda a sociologia no Brasil e na Amércia Latina nas últimas décadas dominada pela intolerância intelectual.
Meu caro Sérgio: Endosso integralmente seu artigo. Como sou deliberadamente mal informado, talvez me engane, mas são muito poucos os intelectuais que se pronunciaram contra essa deplorável demonstração de intolerância e dogmatismo. Não sei se esse ato de censura desprezível foi endossado pela LASA enquanto instituição ou apenas pelos que assinaram o abaixo-assinado e participaram do ato digno de militantes nazistas. Não me pronuncio em defesa de Fernando Henrique Cardoso, mas em defesa de um princípio de liberdade sem o qual inexiste verdadeira atividade intelectual. Basta considerar o que foi a vida intelectual sob o nazismo e o stalinismo. Você sabe que a censura a Fernando Henrique não é um ato isolado. Também Sérgio Moro e José de Souza Martins foram vítima de formas de repressão semelhante. Voltando ao seu artigo, discordo apenas do qualificativo que você usa no parágrafo final para denunciar os intolerantes e dogmáticos. “Ridículo” é um termo ameno para qualificar a ação dos que lutam para suprimir a liberdade de expressão do pensamento. Concluo meu repúdio a esses intolerantes lembrando a definição de liberdade que adoto e procede de Rosa Luxemburgo: Liberdade é sempre e exclusivamente a liberdade de discordarem de nós.
Oportuno e lúcido texto, Sérgio B.
Pelo que tenho recebido e lido da CLASO, esta entidade se tornou primordialmente uma militante bolivariana-petista que se recusa a uma autocrítica mesmo diante do caos venezuelano e da tragédia anunciada do nosso país.
É bastante raso dizer isso, Sérgio, mas é uma imagem que, se abstraída do contexto Ibrahim Sued onde ela surgiu, continua cheia de beleza e encantamento:
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Significa “Enquanto os cães ladram, a caravana passa”.
Abraço,
FD
Já que estamos no terreno dos adágios árabes, Sérgio, me permito acrescentar outra pérola de sabedoria já que o ditado acima está em árabe indecifrável:
“Só se atiram pedras em árvores carregadas de frutas.”
Abraço,