João Rego (*)
Eu era muito novo quando veio o Golpe de 1964. Tinha apenas dez anos, mas era idade suficiente para entrar numa adolescência marcada pela profunda revolta e indignação pela falta de liberdade, pelas notícias de tortura e de desaparecidos políticos, pelos sucessivos generais no poder, as obras faraônicas, o uso sistemático dos meios de comunicação para exaltar as conquistas econômicas do Regime Militar e, acima de tudo, por um pesado sentimento de impotência para lutar contra as forças que esmagavam nossa cidadania.
O medo nos envolvia e ditava nosso comportamento no dia-a-dia. Muitos, jovens ainda, sem nenhuma opção de luta política democrática, partiram equivocadamente para a luta armada – encontrando o trágico fim da morte ou da prisão. Era um universo dicotômico: ou você era contra o Regime Militar ou era um alienado. E ser contra implicava riscos – impostos por uma realidade ameaçadora.
Depois veio a transição para a democracia, lenta, segura e gradual….um parto extremamente demorado para uma geração que lutara a vida inteira pela volta da democracia. Enfim, em 1982 temos a volta dos exilados e as primeiras eleições diretas para governador. Ainda esperaríamos um pouco mais para as eleições presidenciais, quando reassumimos nossa independência e a maturidade política como nação.
Durante a transição para a democracia, as coisas se foram misturando, destruindo o velho mundo dicotômico do “nós, o bem, eles, o mal”, ficando, entretanto, um ranço danado de amargo, creio que de ambos os lados. Eram muitas as cicatrizes de que a democracia teria de dar conta: os desaparecidos, até hoje insepultos na memória dos seus parentes; uma lei de anistia que perdoava o hediondo crime da tortura, mas enfim… a história nos impunha o sentido do futuro democrático e, aos poucos, de eleição em eleição, de governo em governo, nós fomos nos transformando em uma nação democrática. Socialmente, profundamente injusta e desigual, mas democrática.
Ou seja, institucionalmente cumpríamos todas as condições para sermos reconhecidos como uma nação do seleto clube das democracias ocidentais, mas os grandes problemas e desafios sociais da distribuição da riqueza, da saúde e da educação ainda estavam lá – bem menos radicais que antes de 1964 – mas a estrutura de reprodução da miséria persistia. Democracia não era aquele paraíso que imaginávamos, era antes de tudo um excelente ambiente de reprodução do poder de uma elite econômica, tendo alguns setores dessa elite interesses absolutamente descolados dos da maioria da população. Em 1989, com a queda do Muro de Berlim e o fim de setenta anos de uma experiência “socialista”, a democracia se impôs como um valor universal.
Para a esquerda, autoproclamada como única detentora do humanismo histórico, a arena que restava era essa. Ou seja, uma luta desigual, onde o modo de produção capitalista iria ditar as regras, a partir de agora.
Mas eis que, para nossa alegria, algo inesperado acontece: Lula, líder egresso do sindicalismo e extremamente carismático, assume a presidência. Lula e o PT iriam ser o principal veio e o escoadouro das esperanças e dos sonhos frustrados da Esquerda. Nem tudo estava perdido! Formava-se, a contrapelo da História, uma nova agenda política, onde as radicais demandas de transformações sociais por fim encontravam um novo rumo. Grande parte da academia via no PT e em sua liderança a materialização das suas teses socialistas – esmagadas pela força do autoritarismo de 1964. O determinismo histórico estava de volta, tudo valia a pena, inclusive utilizar as mesmas armas da burguesia, como a corrupção e o aparelhamento do Estado, afinal, “ estávamos com a razão, tínhamos a História do nosso lado! ”
Com a operação Lava Jato, fruto da democracia que pariu uma nova geração de juízes, o modelo petista começa a ruir, e continua (a Lava jato) a colidir com toda a estrutura arcaica de poder da nossa elite política. O resto da história todos nós sabemos: uma negação da realidade, distorcendo os fatos como mecanismo de defesa do PT. Narrativa acolhida pelos incautos que ancoraram suas certezas ideológicas no canto da sereia do petismo. Do outro lado, forma-se uma frente ampla composta por todo o espectro ideológico, que vai da esquerda pragmática-, aqueles que não se deixaram seduzir pelo carisma de Lula-, até uma extrema direita, que liderada por líderes como Bolsonaro, aproveitando-se da inépcia do PT, mostra suas garras, ressuscitando um nazi-fascismo tupiniquim.
Vem o impeachment de Dilma, e uma nova divisão se instala na sociedade, rachando, na mesma lógica do “nós e eles”, a família, destruindo amizades de décadas. A paixão impera sobre a razão, negando a possibilidade de compreender o outro, que pensa e vê a mesma realidade de forma diferente de nós.
O Impeachment vai passar, o governo Temer tem a responsabilidade de garantir uma governabilidade necessária para que a economia possa reencontrar seu espaço nesse complexo cenário da economia globalizada. Em breve, terá sido um importante e triste capitulo, mais um, neste dinâmico processo de consolidação estrutural da democracia.
Mas, e os “nós” e os “eles”? Como ficamos?
Até que ponto o momento pós-impeachment irá ser acirrado pelas forças derrotadas? Os vencedores, que não estão totalmente imunes a golpes da Lava Jato, como se comportarão?
E o cidadão comum? Os que foram para as ruas? E as famílias, em suas discussões intermináveis nos almoços de domingo? Até que ponto se entrincheirarão em suas certezas ideológicas, sem ter a mínima capacidade de lançar um olhar sobre o que faz o outro pensar diferente? É neste ponto que se impõe, para ambas as partes, a necessidade de começar a construir pontes de tolerância, mesmo que ainda frágeis, por onde deverão transitar a ética e a tolerância ao outro; a aceitação da diversidade em suas mais distintas instâncias (religião, gênero, sexo, ideologia, etc). Enfim, uma prática política que, apesar das adversidades recentes, nos dê o sentido de futuro de uma nação solidamente democrática.
João Rego é engenheiro, mestre em ciência política e consultor. É membro do Movimento Ética e Democracia.
João,
Teu artigo dá o que pensar. É difícil, muito difícil, lidar com o contrapé da História. Tem coisas que eu nunca consegui digerir e que já deveriam ter sido metabolizadas há décadas.
Quando vi a ironia do destino colocar no colo de Sarney um mandato de presidente da república, passei dois dias sem dormir. Mal comparando, foi pior do que a tragédia do Sarriá, quando perdemos para a Itália na Copa do Mundo da Espanha, o dia mais triste de minha vida.
Mas o que se pode fazer? Nos últimos anos, as coisas pioraram imensamente. Muitas vezes tenho a sensação de que a cisão é um estado inelutável, quase tão calcificado quanto o que separa judeus e palestinos. O mais moderado de um lado ainda está muito longe do mais contemporizador do outro.
O populismo que grassou em nosso Continente foi uma catástrofe de tal magnitude que desmoralizou até nossa cordialidade proverbial. Como pode se colocar um país inteiro no divã?
Abraço,
FD
de acordo com as tres respostas:tenho 79 anos, convivi com o governo militar, morei em sampa e Rio; vi arbitrariedades, inclusive exageros:estive em casa invadida pela policia, levaram um implicado, os demais nada sofreram, e mesmo ele, solto depois, continua por ail livre leve e solto….`e como uma casca de cebola, há que descascar muito até achar o amago das coisas…….
Meu caro João Rego.
Seu artigo, considero uma página de nossa história. Na época, 1964, eu tinha 25 anos e vivi, mesmo, os problemas daqueles ” tempos de chumbo”. Hoje, vemos que muitos daqueles que lutaram contra o regime ditatorial, querem implantar outro tipo de ditadura no país. Vamos lembrar, que esses mesmos que falam de golpe, estavam no palanque elogiando e dizendo maravilhas de sr. Michel Temer. A nós,
o povo que paga a conta. só resta, como orientou Cristo: ” Orar e vigiar”.
Muito bom seu artigo, João. Ninguém pode se considerar dono da verdade, senhor da razão. Toda democracia prescinde de pensamentos divergentes, de alternância de poder e de tolerância entre aqueles que a defendem.
Perfeito o artigo, o que acontece é que saímos de uma ditadura e entramos em outra,nossos dirigentes se achando donos do País e não funcionários do mesmo.precisamos de ter uma verdadeira democracia, em que todos são iguais perante a justiça. E para isto é importante acabar com o foro previlegiado dos políticos.
Para isso, é necessário como afirmou o Sérgio Fausto do iFHC: “O PT tem que aceitar ser parte não hegemónica na democracia brasileira”.
Pontos de vista diferentes, porém convergentes e consistentes.
Realmente não tivemos sorte com o que veio pós 1984….
No meu entender,temos que reagir, substituindo os nossos quadros politicos e para tanto, costumo inferniza-los com o que segui:
Está chegando a hora da renovação…..
Vote em quem nunca foi político…
Vote em quem não tem cargo político…
Vote em quem não tem cargo público…
Vote em quem não tem fixa suja por nenhum ilícito…
Vote em quem não é filho ou parente de político….
Vote em quem não é sindicalista…
Caso você não observe estes cuidados, você será conivente com o que esta ai instalado.
É não basta jogar, temos que fiscalizar os eleitos não tolerando as falcatruas legislativa….
NÃO CONCORDO QUE O REGIME MILITAR TENHA SIDO ASSIM TÃO RUIM COMO DIZES, VIVI ESSE TEMPO, TINHA UMA VIDA LEGAL, TRANQUILA E SEM MEDO DE SAIR ÀS RUAS, MEU PAI, PEQUENO COMERCIANTE, PROSPEROU MUITO, ESTUDEI PARTE DA MINHA VIDA EM ESCOLA PÚBLICA DE EXCELENTE QUALIDADE, NESSE GOVERNO ATUAL SÓ VI TUDO RUIR A CADA DIA, A SOCIEDADE SE DEGRADANDO, VALORES DEIXANDO DE EXISTIR, CRIMINALIDADE SUBINDO VERTIGINOSAMENTE, GUERRAS SENDO CRIADAS E FOMENTADAS DE NEGROS CONTRA BRANCOS, POBRES CONTRA RICOS, MULHERES CONTRA HOMENS, GAYS CONTRA HÉTEROS, ENFIM… TODO TIPO DE DESORDEM POSSÍVEL ESSENCIAL À EXISTÊNCIA DA ESQUERDA, É PRECISO LEMBRAR QUE PARA IGUALDADE SOCIAL EXISTIR É PRECISO MUITO MAIS QUE LEIS, DECRETOS OU COTAS…É PRECISO JOGAR FORA A HIPOCRISIA, ENCARAR A VERDADE DE FRENTE E CONSCIENTIZAR AS PESSOAS DE QUE CADA UM, INDIVIDUALMENTE TEM QUE FAZER SUA PARTE, QUE CADA UM TEM A RESPONSABILIDADE SOBRE O CAMINHO QUE VAI SEGUIR SUA VIDA E SE O INDIVIDUO NÃO SENTAR ELE MESMO NUM BANCO DE ESCOLA PARA ESTUDAR E SE DEDICAR, BUSCAR A SUPERAÇÃO ATRAVÉS DO ESFORÇO, NÃO HAVERÁ LEI ALGUMA NESSE MUNDO QUE PODERÁ FAZER ISSO POR ELE, E A TODOS CABE SABER VOTAR E EXIGIR QUE OS CRUÉIS IMPOSTOS QUE PAGAMOS SEJAM REVERTIDOS NAQUILO A QUE ESSE DINHEIRO DEVE SE DESTINAR…” EDUCAÇÃO “.
Faço minhas as suas palavras,Lany Benegas.Tambem vivi no tempo do regime militar e foi o melhor tempo da minha vida.Boas escolas públicas,bons hospitais ,segurança tínhamos em todas as horas ,meu marido empregado sem sobressaltos do desemprego.Eramos felizes.Havia sim os terroristas que assaltavam ,roubavam,explidiam,sequestravam,como temos o exemplo na presidência hj
Gostaria de deixar para meus netos um país tranquilo como o q eu vivi e não o q vejo hj: assaltos,corrupcao,impunidade, justiça duvidosa…
Como criar uma “uma ponte de tolerância” e de diálogo com uma estrutura de poder que procura se fundamentar e vigir baseada numa ideologia e prática fasciscizante e contrs os direitos dos trabalhadores? Como reconstruir um pa?s basesdo em critérios e práticas democråticas, quando grassa tanta corrupção e negiglência dos poderes p?blicos pela ‘coisa pública’? Como confiar em governantes que olham mais aos interesses do seu partido e das oligarquias com quem compactuam, aos inv?s de olhar às reais necessidades e compromissos que a realidade do país exige? Como construir uma ponte de tolerância e de diálogo numa realidade de nosso pa?s com índices de analfabetismo na ordem dos 30% a 35% de analfabetismo? O crescimento e desenvolvimento estão freados. A realidade de nosso país émuito complexa e desafiadora.
Onde está a política? Onde está o político?
O que vejo é mar de politicagem e um Evereste de politiqeiros com o espirito e a mente voltadas para atitudes que só mancham o caráter. Pessoas totalmente destituídas de dignidade e etc.
É preciso coragem e sabedoria para pregar pontes de tolerância, num clima dessa natureza. Mas é preciso que alguém o faça. Parabéns, João.
Concordo plenamente com este comentário: LANNY BENEGAS / agosto 17, 2016
NÃO CONCORDO QUE O REGIME MILITAR TENHA SIDO ASSIM TÃO RUIM COMO DIZES, VIVI ESSE TEMPO, TINHA UMA VIDA LEGAL, TRANQUILA E SEM MEDO DE SAIR ÀS RUAS, MEU PAI, PEQUENO COMERCIANTE, PROSPEROU MUITO, ESTUDEI PARTE DA MINHA VIDA EM ESCOLA PÚBLICA DE EXCELENTE QUALIDADE, NESSE GOVERNO ATUAL SÓ VI TUDO RUIR A CADA DIA, A SOCIEDADE SE DEGRADANDO, VALORES DEIXANDO DE EXISTIR, CRIMINALIDADE SUBINDO VERTIGINOSAMENTE, GUERRAS SENDO CRIADAS E FOMENTADAS DE NEGROS CONTRA BRANCOS, POBRES CONTRA RICOS, MULHERES CONTRA HOMENS, GAYS CONTRA HÉTEROS, ENFIM… TODO TIPO DE DESORDEM POSSÍVEL ESSENCIAL À EXISTÊNCIA DA ESQUERDA, É PRECISO LEMBRAR QUE PARA IGUALDADE SOCIAL EXISTIR É PRECISO MUITO MAIS QUE LEIS, DECRETOS OU COTAS…É PRECISO JOGAR FORA A HIPOCRISIA, ENCARAR A VERDADE DE FRENTE E CONSCIENTIZAR AS PESSOAS DE QUE CADA UM, INDIVIDUALMENTE TEM QUE FAZER SUA PARTE, QUE CADA UM TEM A RESPONSABILIDADE SOBRE O CAMINHO QUE VAI SEGUIR SUA VIDA E SE O INDIVIDUO NÃO SENTAR ELE MESMO NUM BANCO DE ESCOLA PARA ESTUDAR E SE DEDICAR, BUSCAR A SUPERAÇÃO ATRAVÉS DO ESFORÇO, NÃO HAVERÁ LEI ALGUMA NESSE MUNDO QUE PODERÁ FAZER ISSO POR ELE, E A TODOS CABE SABER VOTAR E EXIGIR QUE OS CRUÉIS IMPOSTOS QUE PAGAMOS SEJAM REVERTIDOS NAQUILO A QUE ESSE DINHEIRO DEVE SE DESTINAR…” EDUCAÇÃO “.
Bem estruturado historicamente. Fraco relativamente ao futuro. As pontes ideológicas são cotadas em $R e não em ideias… e os detentores de reais não vão nunca abrir mão deles nesta “treta” chamada democracia. Mais uma falha do articulista. Não há democracia em parte nenhuma do mundo. Há regimes oligárquicos despóticos semelhantes a ditudoras apenas exercidas colectivamente pelos tais grupos de interesses de que falou. É para isso que a humanidade tem de encontrar solução se quer sobreviver num futuro próximo de escassez generalizada de recursos e aumento da população
Concordo com o Vargas. O regime militar não foi essa coisa absurda que dizem por aí, e todos que eram contra o regime militar são políticos atualmente … pois é…e neste regime “democrático” atual o índice de mortes por bala perdida, assassinatos etc é inúmeras vezes maior do que foi naquela época…isso sem contar com o fato deles (políticos, em sua maioria ex guerrilheiros nos anos 60) quererem a qualquer custo dar um fim na família que sempre foi a base da sociedade…coisas de democraturas…naquela época, eramos muito felizes e não sabíamos…
Ditadura: O ato de poder sair de casa LIVRE LEVE SOLTO não tem preço, e ainda ha quem questiona a DITADURA?????? OPRIMIDOS : Vivemos hoje.