O nacional-populismo envelheceu e mudou de endereço. Durante grande parte do século passado, o nacionalismo foi a energia que mobilizou milhões de pessoas na luta contra o colonialismo e a dominação imperialista na África, na Ásia e na América Latina. O nacionalismo transformou o mundo, acabando com o sistema de exploração das colonias e neutralizando os mecanismos nem sempre sutis de submissão econômica e cultural das nações pobres. E o populismo surgiu como uma alternativa política mobilizadora do nacionalismo conduzida por líderes carismáticos em países com frágeis instituições e limitada organização da sociedade. Assim, é possível dizer, sem exageros, que o nacional-populismo foi um dos mais importantes movimentos do século XX pela sua amplitude e pela mudança radical das relações entre as nações e a formação de centenas de novos Estados nacionais independentes.
O nacional-populismo emerge agora, em pleno século XXI, em alguns dos países altamente desenvolvidos, como Estados Unidos e Europa, numa estranha e descabida reação ao processo de globalização que tem beneficiado, precisamente, as nações líderes em capacidade de inovação e tecnologia. O nacionalismo e o populismo se deslocaram dos antigos países do Terceiro Mundo para as nações ricas e os antigos impérios coloniais. Neste caso, vão ganhando formas retrógradas e violentas de xenofobia e isolacionismo. Foi este novo populismo com ranço nacionalista e isolacionista que levou à vitória do inominável Donald Trump à presidência dos Estados Unidos e à aprovação do Brexit no plebiscito no Reino Unido e que alimenta a direita da França e outros países da Europa.
O neo-populismo reacionário e anacrônico explora a insegurança e o medo de segmentos da sociedade e da economia destes países que não conseguiram acompanhar as mudanças geradas pela globalização ou ficaram presos aos velhos paradigmas. Como sempre, no discurso populista a culpa das mazelas e fragilidades internas é dos outros, fatores e atores externos, como a concorrência dos países emergentes, especialmente a China, os imigrantes, e a entrada de mercadorias e de trabalhadores estrangeiros. E, no entanto, estes países, especialmente os Estados Unidos, lideraram e se beneficiaram amplamente da globalização, tanto pela abertura comercial quanto pela imigração de talentos de diferentes países e culturas que fertilizam a inovação e o desenvolvimento.
Alimentado pela descarada e arrogante xenofobia, criando inimigos internos e externos e agredindo as outras nações e povos, o neo-populismo dos países desenvolvidos é uma ameaça grave à paz mundial e à própria tranquilidade interna. Foi um fenômeno semelhante de paixões nacionalistas carregadas de ódio e intolerância e exploradas por líderes carismáticos que gerou o nazismo na Alemanha e o fascismo na Itália. Como naqueles trágicos anos do século passado, os neo-populistas acendem o ressentimento dos segmentos mais atrasados da sociedade que viveram anos de glória no passado e não aceitam as mudanças decorrentes da revolução tecnológica e da globalização. Claro que o mundo hoje é muito diferente, nos valores, nas instituições e nas regras internacionais. Mas quando o neo-populismo se instala com toda pompa na maior potência econômica e militar do planeta, tremem os alicerces da ordem mundial.
É assustador. Ainda bem que, malgrado “Montana”, que Hamilton costumava citar como o lugar representativo do americano médio, ignorante do resto do mundo, os Estados Unidos é um país de democracia antiga e sólida. Não é à toa que, para estudar a democracia, o grande Tocqueville se desloca da velha Europa para o país pioneiro nessa forma de governo. O novo presidente terá o Congresso e o poder judiciário que certamente contrabalancearão o cauboy milionário, que já no discurso de posse amenizou os arroubos de campanha.
Análise perfeita e muito sensata. Onde vamos parar com tanto radicalismo?
Costumo concordar, de maneira bastante geral, com a visão da coisa política que tem Sergio C. Buarque. Mas não consigo ver nada de positivo em nacionalismo nenhum, nem agora nem no século passado. Nacionalismo só emocional, encher o peito com o nome da pátria, o grão nacionalismo de russos, o nacionalismo do Brasil ame ou deixe-o, ou o nacionalismo cepalino do desenvolvimento independente, o nacionalismo de “right or wrong my country” ou o nacionalismo de raça superior dos nazistas, todos me causam horror. Não era tanto assim antes de eu trabalhar na ONU, mas depois de ver durante quase duas décadas as “nações” tentando influenciar o Secretariado em nome de interesses supostamente nacionais, depois de acompanhar o desenrolar dos acontecimentos em tantos países para o World Economic Survey, nacionalismo passou a ser palavrão pra mim, em qualquer disfarce. Não concordo que podem ser classificadas como nacionalistas tout court os movimentos de independência dos povos colonizados ou as lutas de independência nacional contra as potências coloniais (ainda que usemos a expressão independência “nacional”). O fim da era colonial não é produto de nacionalismo, é algo bem mais complicado. No Oriente Médio, então, nem se fala. Nacionalismo basicamente só produziu guerras e comportamos desumanos.