Sérgio C. Buarque (*)

Che Guevara e Fidel Castro na época da revolução cubana.

Che Guevara e Fidel Castro na época da revolução cubana.

Os mitos que mobilizam e organizam milhões de pessoas por ideais políticos e, desta forma, fazem a história, são os mesmos que alienam, confundem e, com frequência, decepcionam. Para o bem ou para o mal, ou por uma mistura das duas coisas, a força mítica de Fidel Castro (e também de Che Guerava) transformou Cuba e projetou a pequena ilha do Caribe como um modelo, também mítico, de revoluções socialistas na América Latina e na África. Como os mitos não se formam por acaso, além do carisma e da força de comunicação dos líderes cubanos, a revolução cubana representou, numa determinado momento da história, caminhos e alternativas para políticos e mutidões desorientadas e desalentadas. Além das significativas melhoriais sociais em Cuba, o mito foi alimentado pela narrativa anti-imperialista, sua resistência heróica ao poderoso e perverso Império do Norte, David contra Golias.

 

Mas o mito que faz a história é o mesmo que se dissolve quando mudam as circunstâncias e, confrontado com nova realidade, deixa exposta a complexidade dos fatos e a contradição dos homens, as mazelas políticas e sociais e as fragilidades humanas. Precisamente por ser mito, não sobrevive à luz intensa dos fatos e à mudança dos tempos que fragilizam as suas mensagens e os seus simbolos. Por isso, o mito Fidel Castro já estava morto há vários anos. O que mata o mito é a mudança das circunstâncias históricas, que quebram o fascínio do modelo que se esgota. Há mais de uma década, o modelo cubano demonstra suas fragilidades e contradições, o desabastecimento e o mercado negro, a ineficiência econômica e a dependência da antiga União Soviética (e, mais recentemente, da Venezuela). E seu sistema político de partido único e controle total dos meios de comunicação não serve mais de inspiração para as nascentes democracias, nos países do chamado Terceiro Mundo. Fica, em todo caso, a mensagem, carente de mito, da importância da educação e da saúde para a redução das desigualdades sociais.

 

Como o mundo se transformou radicalmente nessas últimas décadas, novas circunstâncias e novos desafios emergiram, o mito de Fidel Castro (e mais ainda de Che Guevará) foi se esvaindo mesmo antes da sua morte biológica, perdeu força simbólica, na medida em que o modelo de socialismo estatal e autoritário perdeu validade histórica, e deixou de ser referência para os desafios do presente. As enormes e generalizadas homenagens a Fidel Castro no dia da sua morte são, em grande medida, as exéquias do mito, de um mito que já não cabia mais no mundo contemporâneo, nem mesmo em Cuba.

*Membro do Movimento Ética e Democracia