Resposta às críticas do meu artigo “O Socialismo e a Síndrome de Salieri”
“Dom Quixote – A aventura nos vai guiando melhor as coisas do que pudéramos desejar; ali estão, amigo Sancho Pança, trinta desaforados gigantes, ou pouco mais, a quem penso combater e tira-lhes, a todos, as vidas, e com cujos despojos começaremos a enriquecer; será boa guerra, pois é grande serviço prestado a Deus o de extirpar tão má semente da Face da Terra.
Sancho Pança – Que gigantes?”
Este trecho da grande obra de Cervantes relata o delírio do nosso mais célebre herói da literatura, Dom Quixote. Após passar grande parte de sua vida lendo obsessivamente apenas os livros de história de Cavaleiros andantes, sai pelo mundo afora com uma missão nobre de lutar contra o mal, onde este se apresentasse. O problema é que, tendo sua percepção da realidade enublada pelo delírio, esta lhe escapa, deixando-o aprisionado em seu mundo interior. Capturado por uma lógica delirante, fechada, acabada, segue com sua certeza cega a errar por um mundo que só a ele pertence.
Freud em O Eu e o Isso, aborda, com rica profundidade a fragilidade do aparelho psíquico na compreensão da realidade. E os grandes pensadores não fizeram outra coisa senão tentar apreender a realidade do seu tempo, distinguindo para nós o certo do errado, a verdade do engodo, forjando a cultura, a economia e a sociedade que nos sustenta hoje.
Todos, assim como D. Quixote, cheios de boa vontade lutando contra seus moinhos, com suas weltanschauung nas algibeiras, vêm formando o que somos hoje como sujeitos humanos. A Religião, a Política e a Ciência são instâncias – assim como a arte-, civilizatórias, inevitáveis, necessárias (para a grande maioria), porém insuficientes para domesticar nossa humanidade.
Resposta à crítica.
O meu artigo publicado em novembro na Revista Será? “O Socialismo e a Síndrome de Salieri”, não passa de uma alegoria provocativa aos interessados e envolvidos no tema. Não é uma criação eminentemente pautada pelas categorias da psicanálise, nem pretende encerrar o assunto, posto que, como alegoria usa metáforas para provocar a reflexão.
Respondendo um pouco as críticas sobre se “os conceitos e métodos da psicanálise são úteis e aplicáveis à crítica social“, lembro que o pensamento freudiano exerceu forte influência no pensamento pós-marxista da Escola de Frankfurt. Concentrar o foco apenas na dimensão do Estado e da sociedade sem mergulhar no conflito humano que os constitui pode ser um erro metodológico grave. Introduzir a psicanálise e o seu objeto central, o sujeito humano e seus conflitos, poderá enriquecer muito a crítica.
Em nome da Igreja e do Estado muitos crimes foram cometidos, da Santa Inquisição ao Stalinismo, do nazismo às ditaduras modernas. Todos, mesmo que situados em seus momentos históricos, viram gigantes onde só havia moinhos.
Finalmente, me considero um dos Salieri, com a utopia socialista em permanente e dolorosa desconstrução diante da força criadora – mesmo que perversa – do capitalismo. O que penso é que as forças de esquerdas têm diante de si um enorme desafio de reconstruir uma nova utopia. Para que esta possa, pelo menos, continuar fustigando esse lado perverso do capitalismo, uma vez que já não há, –nestes próximos séculos –, a menor possibilidade de termos uma experiência histórica real de socialismo. Resta-nos, portanto, a crítica ao capitalismo. Vamos fazê-la com gosto e arte, deixando para trás o ranço do marxismo religioso, cego e obsoleto diante de uma realidade que se transforma célere onde o paradigma do trabalho está sendo gradualmente substituído pelo da comunicação, como já cantara a pedra Habermas lá pelos anos setenta.
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DITOS & ESCRITOS
João Rego
joaorego.com
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