Duas notícias recentes me chamaram a atenção esta semana: a primeira, na Rússia, com leis que punem as expressões de afetos homossexuais em público; a segunda, na França, assim como já ocorreu em vários países, discutem no parlamento a união entre pessoas do mesmo sexo, a esquerda é favorável e a direita conservadora contra.
Vem-me uma questão inquietante: em que a sexualidade dos seus cidadãos é identificada pelo Estado como ameaça? Por que uma instituição, construída ao longo de séculos de processos civilizatórios fruto de guerras, revoluções, dominações imperialistas, avanços e recuos políticos e sociais se importa com aspectos íntimos da singularidade humana?
Duas pistas surgem: haveria um atávico mecanismo de controle do Estado no sentido de forçar a homogeneização da sociedade – quanto menos diversidade existir, de ideias, costumes e hábitos-, mais fácil seria a forma de dominação de uma elite politica (minoria organizada que detém o privilégio do uso da força) que controla o Estado sobre a grande maioria, a sociedade, esta esgarçada em seus desejos e organização política.
Neste sentido as minorias sempre foram perseguidas, marginalizadas e muitas vezes dizimadas. Judeus, ciganos, homossexuais e portadores de deficiências físicas e mental representaram para o Estado Nazista objetos fóbicos cuja diferença causava o horror a sua ideologia e visão de mundo e precisavam ser destruídos para garantir a homogeneidade da “pura raça ariana”. Um detalhe escabroso, após o fim da segunda guerra mundial todas as leis que discriminavam judeus e outras minorias foram abolidas, exceto as leis contra os homossexuais. Alguns homossexuais foram obrigados a terminar a pena a que estavam condenados, durante o Governo Militar Aliado do pós-guerra na Alemanha.
A outra pista Freud apontou há muito. A formação da sexualidade humana tem sua origem psíquica na bissexualidade, a qual nos acompanha durante toda a vida adulta, atrofiada após a adolescência, predominando a heterossexualidade ou a homossexualidade. Alguns afirmam que é quase uma coincidência o alinhamento da sexualidade do psiquismo com o corpo biológico.
Não é algo que se escolha. É uma condição do homem que se instaura em seu ser tão grave e forte como é força da lei da gravidade sobre os corpos. Muitas e complexas são as malhas dos desejos parentais (inconscientes) e processos da estrutura psíquica que formam a sexualidade na criança. A mesma complexidade ocorre com a linguagem, que é a porta de passagem para aceder à civilização.
Não estaria aí uma outra causa da homofobia? O terror que ameaça a “certeza” da virilidade heterossexual em saber que um outro corpo igual ao meu tem “desvios” que fazem ruir as minhas certezas?
Voltando ao Estado, este herdeiro direto das religiões primitivas, e sua sede de homogeneização e dominação, podemos afirmar que quanto mais o Estado der espaço as diferenças, possibilitando as expressões produtivas e criativas do cidadão, – isso sim é o que interessa -, mais próximo estará de uma situação ideal, uma sociedade onde o crime a ser coibido será o preconceito e a negação do outro, da diferença.
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DITOS & ESCRITOS
João Rego
joaorego.com
El sociólogo francés publica ‘La sociedad de los iguales’, un ensayo sobre los factores que engendraron las terribles desigualdades del presente europeo
Con La sociedad de los iguales (RBA),el pensador Pierre Rosanvallon (Blois, 1948) propone recuperar el papel central que la igualdad tuvo en la teoría y la práctica políticas hasta finales del siglo XX.
O seu artigo fala do Estado como se fosse uma instância abstrata separada da sociedade e exercendo o controle sobre ela. O Estado não é uma entidade abstrata, ele é a expressão do sentimento dominante na sociedade. Portanto, não é a instituição “Estado” que se sente ameaçada ou “se importa com aspectos íntimos da singularidade humana” sendo o Estado, ao contrário, o reflexo do incômodo e da rejeição que as pessoas ou grupos sociais diferentes despertam na maioria dominante. Não é o Estado que pretende a suposta homogeneização da sociedade, rigorosamente o Estado não tem vontade própria, ele é uma síntese da vontade dominante na sociedade; assim é a rejeição da sociedade (do que é dominante na sociedade em diferentes momentos históricos) à diversidade que busca introduzir no Estado, na legislação e nos seus instrumentos, formas de repressão às diferenças. Tanto é assim que as tais diferenças – sexuais, étnicas, culturais e comportamentais – são reprimidas em Estados com sociedades muito autoritárias e preconceituosas e com ideologias repressivas, citadas por você: Alemanha nazista, Rússia, Cuba. Se o Estado é esta dominação de uma elite política, então é esta elite que rejeita a diferença. Ocorre que a tal elite política expressa a hegemonia na sociedade que se manifesta no Estado; a diferença é que numa democracia, os diferentes se organizam e se manifestam também e conseguem espaços na vontade dominante. Não por acaso, no Brasil e vários outros países, mesmo ainda persistindo muito preconceito na sociedade, o Estado (este que você culpa pela homofobia) já reprime e considera crime o preconceito e a negação da diferença (o que você considera ideal).
A sua explicação freudiana da homofobia também não me convence e, como muito das análises psicanalistas, simplifica muito a complexidade humana e da sociedade com a redução à sexualidade. A homofobia é apenas uma das manifestações de preconceito de pessoas que rejeitam e se incomodam com a diferença de cor, de hábitos, de comportamentos, de cheiros, etc. que não tem nada a ver com sexo. O que vemos hoje é que o Estado moderno nas democracias, refletindo a crítica social da homofobia, atua com rigor para impedir toda forma de preconceito com destaque para o respeito à homossexualidade; a tal ponto que virou uma brincadeira corrente o receio de que no futuro a homofobia se transforme em homofilia, a homossexualidade passando a ser obrigatória. Brincadeira à parte, as diferenças sempre serão incomodas à maioria dominante, mas no sistema democrático, incorporando os valores dos direitos humanos, regula e controla este incomodo impedindo de se transformar em preconceito, cabendo ao Estado e suas instituições e legislações a garantia da convivência e do respeito à diversidade.
Muito interessante o artigo de João Rego. Apraz-me a ideia do Estado como ser tendente ao singular e a sociedade ao plural. Embora simples, e não plenamente verdadeira, ela toca em algo essencial destes espaços societais. A tensão permanente entre a norma e o desvio, entro a padronização e a diversificação. Partilho de um grupo institucional que não contente com a slogan de respeito à diferença adotou o princípio do amor à diferença, como um dos princípios organizacionais. O momento é mais que oportuno. Parabéns..
Acredito que existe uma tendência, principalmente no nosso governo, a não completar “qualquer coisa” que se coloca como objetivo, e assim aquilo que deveria ajudar acaba atrapalhando. Temos muitíssimos exemplos disso no dia-a-dia, por ex. Quando se gasta (salário de cada um no parlamento) 6 meses para se aprovar uma lei onde o estado não tem a menor capacidade de vistoriar. Quando se investe no recapeamento de uma rua que, sem o aporte do saneamento, vai rachar e levar ao esgoto o dinheiro investido. Quando se tem um estado que deveria ser laico, mas em cada parede de uma repartição publica tem um crucifixo (nada contra).
Nós não conseguimos seguir propósitos, objetivos, tudo o que se faz fica largardo, não se acompanha e nem se melhora, pelo contrário.
Sei que os sociólogos não vão concordar, mas na minha opinião, o governo não é uma sintese da população (pelo menos não mais), hoje existe estratégia política, quando o que deveria existir é uma pessoa querendo mostrar um ponto de vista seu, que se for aprovado pela maioria, esta pessoa vai ser eleita e tentar implantar melhorias que na sua cabeça são cabíveis.
Para mim, defender direita ou esquerda, observar o MMA da tv senado, ver o dinheiro indo para o esgoto e não fazer nada, dar mais valor a discussão em relação a homosexuais do que a edução, é deturpar o objetivo do estado. Claro, isso mascara nosso péssimo governo e acaba por iludir o povo.
Me desculpem os que não concordam, mas enquanto não tivermos educação iremos ter homofóbicos, então, esses malditos que compõem o estado deveriam cuidar de coisas mais importantes.
Bastante válido seu comentário
Gosto do artigo de João. Alerta para os problemas que se tem quando se uniformiza visões num regime em que o PODER se apresenta pela força. E com isso relega o papel das minorias, fundamental para a DIVERSIDADE. Não consigo compreender a fundo as razões psicanalistas de suas reflexões, mas acredito nelas. Acho que levantou um ponto mais complexo, como ressaltou Sérgio. A visão de Estado opressor e totalitário. Evidentemente, existe um lado concreto no Estado de sua representação do Poder Dominante, de suas manifestações totalitárias. Mas, também há o lado abstrato, não formalizado das ideologias que representa, de suas REAÇÕES e MEDOS a fantasmas que não sabe identificar. E acho que foi isso o que João alertou. Os regimes totalitários temem tudo o que não conseguem compreender, fazem imagens que nunca foram concretas, mas que se estruturam no discurso de algo pouco compreendido. Isso, para mim, é a melhor definição do que SUBVERSIVO. Têm-se medo do que não somos, daquilo que não entendemos a lógica.
Bom DEBATE!!!!!
Vejam a minha resposta a crítica de Sérgio C. Buarque no artigo O Estado,a pulsão, o sujeito
https://revistasera.info/o-estado-a-pulsao-o-sujeito/
J.Rego
Parto primeiramente da concordância do comentário de Sergio C.Buarque quanto a entidade Estado. Mas… as diferenças existem muito antes do estado, e a violência contra o outro, minoria ou não, possivelemente possa ser tomada no sentido do atávico evocado por João Rego, mas não creio se tratar de atavismo do estado, mas muito primitivo e existencial. O Eu para existir, traz como inerente sua negação sob a forma de um Tu que, caso sua presença seja registrada ela é ameaça que por si mesma comanda o processo de exclusão. É o registro do próprio conhecimento humano (paranóico)que tem mesmo um aspecto constitucional na medida que o ser humano é privado em sua origem da terceira dimensão da profundidade e é reduzido aos registros de ver-ser visto. Agora, pergunto, se o outro que é inerente à própria existência do sujeito existe na medida que posso criar a possibilidade mesma de sua inexistência como poderiamos conviver com este outro?Para que eu me afirme como existente o que me que escorna, me exclui, me elimina está em causa diretamente da causação existencial do Eu-outro, já que não poderia afirmar-me sendo se não posso ter o registro do outro? Alías, basta refletirmos sobre os chamados pronomes naturais para que percebamos os efeitos da ternaridade que é exigida com a inclusão de um Ele, que nada mais é que um outro terceiro ausente. Agora, se os grupos, as classes, o estado e mesmo a psicanálise se utilizam desta problemática para apostar nela sua existencia, estamos invertendo, ou seja colocando a carro na frente dos bois.
É um assunto delicado e que implica a cultura no sentido de sua binaridade e sua ternaridade, o que sabemos o quanto estamos longe de poder concluir. Alias, Dany-Robert Dufour escreveu um belíssimo trabalho que se chama “Mistérios da Trindade” que complexifica o tema. Um abraço do Alduisi0