Paixão e cegueira ideológicas dificultam qualquer discussão séria e construtiva sobre as políticas sociais do Brasil, principalmente quando se trata de iniciativas emergenciais e de assistência aos pobres. Qualquer critica ou dúvidas em relação ao programa Bolsa Família, cartão de visita do governo, tende a provocar uma comoção, e o seu autor costuma ser visto como socialmente insensível, elitista e reacionário. E, no entanto, nada mais tradicional e antigo, para não dizer paternalista, que a distribuição de dinheiro com os pobres para completar um pouco a sua escassa renda. Nada contra a transferência de renda para redução imediata do sofrimento dos pobres e seu miserável orçamento familiar. Entretanto, a divulgação do programa Bolsa Família como um instrumento de enfrentamento da pobreza é uma propaganda enganosa, uma falsificação que dificulta, esconde os fundamentos da pobreza e adia a busca por verdadeiras iniciativas para enfrentamento das causas estruturais da pobreza.
Decididamente o programa Bolsa Família não é um instrumento de combate da pobreza. A transferência de renda conserva a pobreza na medida em que apenas dá um pequeno alívio imediato ao padecimento das famílias. Como não muda a essência da condição social dos pobres – sua carência de capacidade para gerar a própria renda – a pobreza continua dependente do programa para que os pobres continuem apenas um pouco menos miseráveis. Por isso, mesmo quem o defenda deve admitir que o programa é um mecanismo assistencialista sem impacto nas estruturas da economia e da sociedade brasileiras que geram desigualdades e pobreza.
A reflexão deve começar fugindo da armadilha conceitual que restringe a pobreza ao baixo nível de renda. Embora seja uma das formas de medição, a pobreza é um fenômeno muito mais amplo e complexo. A pobreza se manifesta, principalmente, na dramática carência dos serviços sociais básicos – especialmente educação e saneamento – que o governo continua ignorando nas suas políticas públicas, porque é caro, matura lentamente e não é visível pelo povo, portanto, não gera efeitos eleitorais. Se cerca de 25% das famílias têm renda baixa, 32,9% dos domicílios brasileiros não têm saneamento (esgoto ou fossa) e 17,2% não tem abastecimento de água, de modo que as 13 milhões de famílias que recebem o benefício (Bolsa Família) continuam vivendo sobre a podridão do esgoto a céu aberto nas favelas urbanas e nos povoados miseráveis do meio rural, e devem levar os filhos para escola de péssima qualidade. A pobreza se apresenta também na degradante ambiência social das favelas onde vivem mais de 11,4 milhões de brasileiros sem serviços sociais, alta ociosidade dos jovens e ausência do Estado. Estudo IPEA mostra que a população de jovens (de 15 a 29 anos) que nem trabalha nem estuda, cresceu de 8,12 milhões, no ano 2000, para 8,83 milhões, em 2010, o que representa 17,2% de jovens ociosos e, portanto, vulneráveis e sem futuro.
A obrigatoriedade de frequência à escola dos filhos dos beneficiários do programa criaria a base para as transformações sociais, como defende o governo. Será? Qual escola? De que estamos falando? As escolas públicas brasileiras são muito ruins e na sua esmagadora maioria não preparam as crianças e os jovens com educação mínima, proficiência elementar em português e matemática. A nota média do IDEB do ensino público fundamental (anos iniciais) no Brasil é 4,7 (numa escala de zero a dez), sendo de apenas 3,9 para os anos finais (5ª à 8ª séries). Se esta é a média nacional, imaginem a qualidade e o desempenho das escolas em que vivem os beneficiários do programa? Apenas para dar uma ideia, a nota do ensino público na Bahia, Estado com maior número de bolsista, foi 3,9 nos anos iniciais e 3,1 nos anos finais (2011). Podemos arriscar que nas áreas remotas do próprio Estado da Bahia, em que estão os beneficiários do Programa, esta nota caia para níveis desesperadores. Sem escola de qualidade para os filhos dos beneficiários, a condicionalidade do programa – frequência à escola – vira uma farsa e o “Bolsa Família” continuará sendo um programa assistencialista que não transforma e não enfrenta a pobreza.
A condicionalidade nos remete a outra questão: por que os pobres não mandam os filhos voluntariamente para a escola, o fazem isso apenas quando são “pagos” pelo programa? Escola não é obrigação, é direito. Escola pública de qualidade para os filhos é um direito de todos, particularmente dos pobres. A frequência passa a ser uma obrigação, vendida pelos pobres para ganhar uma bolsa, muito provavelmente porque as escolas públicas disponíveis são um lixo e não oferecem mínimas condições de aprendizado e de melhoria social. E o que estão fazendo os governos, particularmente a União para reverter esta situação? Quase nada.
Nos últimos dez anos, os gastos com assistência social no Brasil aumentaram continuamente a sua participação no total do gasto social em detrimento dos investimentos em outras áreas de grande impacto transformador, como educação e saneamento. Em 2002, a União destinava 34,6% das despesas sociais para educação e apenas 7,1% para assistência social; em 2010, a participação da educação caiu para 23,9% enquanto os gastos com a assistência social subiram para 18,8% do total dos gastos sociais (sem contar Previdência Social). Em 2010, a União gastou R$ 49,5 bilhões em educação e cultura e R$ 39,1 bilhões em assistência social. É verdade que os principais gastos com educação fundamental são estaduais e municipais, mas os dados permitem mostrar como a União vem invertendo as prioridades, trocando as ações estruturadoras de mudança pelas urgências.
O governo e os defensores do “Bolsa Família” comentam, por outro lado, que os benefícios do programa estão criando um dinamismo da economia local pelo aumento do poder de compra dos pobres. Certo. Mas esta “dinâmica” não tem nenhuma sustentabilidade e se acabaria no segundo seguinte em que, por alguma razão, fosse suspensa a transferência de renda, na medida em que o mecanismo não altera as estruturas da economia local. Ao contrário da simples injeção de dinheiro da assistência, os investimentos em saneamento e, principalmente, em educação, geram muito emprego na implantação e no funcionamento das mesmas (com renda adicional vinculado ao trabalho), melhoram a qualidade de vida efetiva e, mais importante ainda, são ativos sociais que permanecem e que promovem mudanças na realidade social e econômica, preparando um futuro diferente para as novas gerações.
Para que a transferência de renda do “Bolsa Família” não seja um programa assistencialista é necessário que seja complementada com investimento de grande escala nas escolas frequentadas pelos beneficiários do programa com novo modelo gerencial. Para cada real entregue às famílias, o governo teria que aplicar dois para reestruturar as escolas frequentadas pelos seus filhos que, numa conta aproximada, correspondem a cerca de 26 milhões de crianças e jovens (supondo dois por família). Seria um gasto adicional de R$ 48 bilhões focando nas escolas dos beneficiários.
O que vemos, infelizmente, são os governos (principalmente o governo federal) andando na direção contrária e buscando resultados fáceis e rápidos, mesmo que frágeis e insustentáveis e que não balançam as estruturas econômicas e sociais. O Brasil segue, assim, de costas para o futuro com o olhar perdido no passado e nas emergências.
De fato o programa Bolsa Família não enfrenta os problemas estruturais da pobreza, como os citados pelo articulista. Contudo, os números mostram que milhões de pessoas se desvinculam voluntariamente do programa após adquirirem condições de sustento próprio. O grande mérito do programa, ao meu ver, é garantir condições mínimas de cidadania. Ainda que a pobreza não se resuma à renda das pessoas ou famílias, ela é um fator fundamental para que se supere as demais condições de miséria. Por que as pessoas não mandavam seus filhos a escola antes e mandam agora que são “pagas”? Bem, essas crianças estavam fora da escola porque trabalhavam para auxiliar o parco orçamento familiar. Agora podem estudar porque o dinheiro que ganhavam já não é mais tão necessário. Em relação à qualidade das escolas, sem dúvida nada parece estar sendo feito. Contudo a análise dos dados da qualidade feita no artigo é muito superficial. Existem inúmeras variáveis que podem explicar essa redução no indicador das escolas baianas, inclusive o aumento do número de alunos nessas escolas devido o incentivo do programa. O fato de o indicador ser baixo, de qualquer maneira, é um problema que deve ser enfrentado. Mas pergunto: é melhor uma criança numa escola de baixa qualidade ou uma criança fora da escola? Outro ponto importante a ser destacado é essa insistência em se atribuir todos os pecados da nação à União. O Brasil é uma República Federativa onde todos os seus entes têm responsabilidades, principalmente nas áreas citadas pelo autor. Os Estados e, principalmente, os municípios são os agentes mais próximos dessas pessoas e aqueles em melhor posição de enfrentar esses problemas estruturais. Quantos milhões ou bilhões de reais são disponibilizados pelo Governo Federal para implementação de programas de Educação, Saúde e Saneamento e não são aproveitados pelos gestores municipais? Sem dúvida o Bolsa Família não é a solução perfeita, ainda mais se considerarmos as grandes proporções do mesmo. É fundamental enfrentar os problemas estruturais? Com toda a certeza! Mas não se pode diminuir os impactos positivos inegáveis do Bolsa Família apenas porque ele não resolve tudo. Ele resolve uma parte fundamental do problema e cabe aos gestores federais, estaduais e municipais encontrar a solução para os outros problemas.
O autor do artigo começa pela advertência, muito bem situada, de que falar sobre o bolsa família passa a ser, sempre, um terreno onde se encontram mocinhos e bandidos. Ou o programa é considerado o salvador da pátria, ou, qualquer análise mais crítica já repercute nos ouvidos dos defensores da “causa dos pobres” como um sacrilégio. Em planejamento, sempre discutimos o urgente e o estruturador: grande divisor de águas para o desenvolvimento. É lógico que o urgente clema por tratamento, e ele deve ser dado, dentro de certas medidas que não comprometam o longo prazo, o projeto de desenvolvimento. O bolsa família serviu ao urgente? sim, sem dúvidas. mas fez perpetuar a urgência, não tirou ninguém da pobreza, tanto que , em vez de diminuir, ele crece. Alguns abandonaram o programa? quantos, por livre e expontãnea vontade fizeram esta renúncia? quantos foram cortados do programa por serem constatadas rendas não declaradas? nós sabemos que parcela considerável da renda dos pobres (e dos ricos, também) têm fontes não declaradas, principalmente pelo fato do cálculo para conceção do auxílio ser dado com base no rendimento familiar, sendo muito mais fácil esconder ganhos não registrados. concordo que a renda do bolsa família, dessa forma é pouco expressiva na economia nacional, pode contribuir, com o consumo, para uma ligeira e mínima dinamização da economia.Outros tipos de assistência social, como a aposentadoria de trabalhadores rurais, domésticas,portadores de necessidades especiais, etc. têm uma contribuição maior e, estas, de carater permanente, na economia. Por fim, gostaria de ressaltar a importância do conceito de pobreza utilizado no artigo. Hoje, mais sério do que a pobreza de renda, a ambiência de pobreza´fere muito mais a população carente do que o prazer de pacotes de biscoito e eguaraná.
Caro Laurindo. Esta é uma discussão muito interessante e você levantou aspectos valiosos para enriquece o debate. Em vez de responder aos seus comentários, gostaria de levantar algumas dúvidas partindo da pergunta que orienta a revista: Será?
1. “Os números mostram que milhões de pessoas se desvinculam voluntariamente do programa após adquirirem condições de sustento próprio”.
Será? Dá para acreditar, caro Laurindo, que um milhão de famílias pediram, voluntariamente, para se desligar do programa renunciando à bolsa? Isso foi no Brasil? Sei não! Se fosse na Suiça, talvez. O governo poderia ter demonstrado competência gerencial se informasse que identificou família com melhoria de salário e, por isso, afastou do programa. Mérito do programa. Mas, temos elementos para acreditar na versão de renúncia voluntária?
2. “O grande mérito do programa, ao meu ver, é garantir condições mínimas de cidadania”.
Será que a doação de dinheiro – uma migalha, na verdade – a uma família ajuda a formar o cidadão? Não seria o contrário, cidadania se constrói com direito e conquistas sociais e não com favores? Bom, alguns dizem que a bolsa é um direito. Será? Será que as famílias não são gratas ao presidente que criou a Bolsa recebendo como um grande favor?
3. “Ainda que a pobreza não se resuma à renda das pessoas ou famílias, ela é um fator fundamental para que se supere as demais condições de miséria”.
Será que R$ 120 a mais no miserável orçamento familiar (valor médio da bolsa) permite à família ter saneamento, espaço urbano de convivência, escola de qualidade? Será que esta renda é tão fundamental assim? Fundamental não é o que atua nos fundamentos da pobreza?
4. “Por que as pessoas não mandavam seus filhos a escola antes e mandam agora que são “pagas”? Bem, essas crianças estavam fora da escola porque trabalhavam para auxiliar o parco orçamento familiar. Agora podem estudar porque o dinheiro que ganhavam já não é mais tão necessário”.
Será? Parece que, no ensino fundamental, o número de crianças fora da escola já era muito baixo. Supondo que não, de que trabalho estaria falando? Excetuando o trabalho agrícola rural, ajudando a família, no espaço urbano as crianças não trabalhavam a não ser que considere trabalho pedir esmolas nas esquinas das ruas. Nesse caso, Laurindo, uma criança na frente dos carros não arrecadaria bem mais que os R$ 120/mês (média familiar) do Bolsa Familia? Supondo uma família de quatro pessoas, R$ 120/mês representa apenas R$ 30 per capita ou R$ 6 por dia. Será que muda tanto e representa mesmo um grande estímulo à criança frequentar a escola?
5. Análise dos dados da qualidade feita no artigo é muito superficial. Existem inúmeras variáveis que podem explicar essa redução no indicador das escolas baianas, inclusive o aumento do número de alunos nessas escolas devido o incentivo do programa.
Na verdade, não houve redução do índice da Bahia, apenas foi indicado que é muito baixo. Mas será que temos indicador melhor que o IDEB para avaliar a qualidade do ensino, considerando que é a nota do desempenho?
6. “Mas pergunto: é melhor uma criança numa escola de baixa qualidade ou uma criança fora da escola?”
Será que temos que escolher entre um dos dois? Não é preferível e possível todas as crianças em escola de qualidade? É bem mais caro e muito demorado, é verdade. Mas se não começarmos agora, quando vamos começar? E não é esta escola de qualidade a base fundamental para o combate efetivo e sustentável da pobreza, este combate indo direto nas causas? Por que não o fazem? Falta dinheiro? Ou é mais fácil, rápido e muito mais popular adiar as ações estruturais com a manutenção da pobreza?
7. “Outro ponto importante a ser destacado é essa insistência em se atribuir todos os pecados da nação à União. O Brasil é uma República Federativa onde todos os seus entes têm responsabilidades, principalmente nas áreas citadas pelo autor. Os Estados e, principalmente, os municípios são os agentes mais próximos dessas pessoas e aqueles em melhor posição de enfrentar esses problemas estruturais. Quantos milhões ou bilhões de reais são disponibilizados pelo Governo Federal para implementação de programas de Educação, Saúde e Saneamento e não são aproveitados pelos gestores municipais?”
Neste ponto concordo com você embora lembrando que a atual estrutura federativa brasileira concentra quase 60% de toda a receita na União e os municípios recebem migalhas, achatados recentemente com os incentivos fiscais que capam dinheiro do Fundo de Participação. Será que não devemos pensar também numa revisão profunda do Pacto Federativo, neste caso uma reforma que vai nos fundamentos da ineficiência e do enorme desperdício do gasto público no Brasil?
8. “Mas não se pode diminuir os impactos positivos inegáveis do Bolsa Família apenas porque ele não resolve tudo. Ele resolve uma parte fundamental do problema e cabe aos gestores federais, estaduais e municipais encontrar a solução para os outros problemas”.
Será, Laurindo, será que o Bolsa Família “resolve uma parte fundamental do problema”, como diz acima? Será que resolve alguma coisa ou apenas ameniza – e muito pouco – os efeitos de um grave problema? Ora, amigo. O Brasil continua com cerca de 25% da população abaixo da linha de pobreza, estes 25% que recebem as migalhas do Bolsa Família. Onde está a resolução do problema?
Grande abraço, Sergio
Camarada Sérgio
Como sempre, seus artigos são muito bem fundamentados. Discordo de muita coisa, você sabe, mas não vou me alongar. Uma coisa: não fiz censo algum, mais facilmente se percebe, nas redes sociais e na mídia, que a crítica selvagem ao programa de transferência de renda (incompleto, claro) é muito mais frequente do que a defesa. Diria mesmo que os defensores se resumem, quase, aos petistas, e os acusadores são a imensa maioria da classe média e da alta, alimentada pela mídia e por sua própria ideologia.
Algo em seu texto me chamou a atenção: a desconfiança de que o desligamento voluntário seja “de verdade”. Por que esta desconfiança a priori? Há algum dado denunciando a suposta manipulação? Com muita frequência são flagrados episódios em que pobres devolvem dinheiro encontrado na rua, taxistas procuram pessoas que deixaram seu notebook nos assentos e tantos mais. Claro que tem bandido, em toda classe (mais nas classes altas!). Mas creio, até prova em contrário, na honestidade dos humildes. “Se fosse na Suíça!” Humm… Olha o eurocentrismo! Abraço cordial e sempre valorizando os termos altos em que vc coloca o debate.
Prezados:
Há alguns anos atrás, uma ONG internacional fez um “teste de honestidade”, deixando carteiras com U$40,00 em moeda local equivalente, com endereço para devolução em caso de perda, em várias cidades de vários países.
O país que ficou em pior colocação foi a Suiça, sem nenhuma devolução.
O Brasil se situou bem ficando na média ou acima de países como França, USA et al.
Estranhamente, na Irlanda 100% das carteiras continuavam nos mesmos lugares, intocadas, durante muito tempo.
Atte
Ednardo Melo
Homero
Sabe que eu gosto muito, como você também, de uma boa discussão, desde que respeitosa e fundamentada como estamos tendo agora. Por isso, gostei dos comentários de Laurindo e dos seus, e espero mais gente participando e opinando, de preferencia questionando meus argumentos, porque é assim que aprendo. Esse é um tema bem palpitante. Em resposta direta ao seu comentário, gostaria de dizer que não duvido da honestidade das pessoas, nem ricos nem pobres, mas eu desconfio de um fenômeno coletivo (um milhão de famílias??) de renuncia de um beneficio que vem do Estado. desconfio por razoes culturais: não é considerado roubo receber um beneficio e apenas ficar calado. Quando falo da Suíça estou lembrando um componente da cultura de alguns países europeus; lembra o velho caso dos jornais que são deixados numa banca e quem tira deixa a moeda correspondente? Pois é isso, lá tem assaltante e bandido, tem banqueiro malandro, mas há um componente na cultura que domina na sociedade com respeito a regras. Acho que o governo reviu o cadastro e retirou quem tinha melhorado de renda e não se enquadrava mais nas regras da Bolsa. Isto seria um mérito do Programa mostrando que tem monitoramento. Não posso provar nada, mas me permita continuar duvidando desta renuncia voluntaria e coletiva. Se me demonstrarem, terei prazer em rever meus conceitos sobre a cultura brasileira. Abração, Sergio
Sérgio, dando prosseguimento ao nosso debate abordarei alguns de seus questionamentos. Primeiro, quanto vale R$120? Bem, para mim e acredito que para você esse valor realmente não seja suficiente sequer para pagar nossas contas mais básicas, como água, luz e telefone. Mas Será que esse mesmo valor para uma família em condições de extrema pobreza, que, segundo os critérios do MDS, ganham até R$ 70 mensais, esse valor não daria condições mínimas para que ela pudesse buscar sua cidadania? Será que esses R$ 120 são mesmo uma migalha?
Segundo uma pesquisa realizada pelo PNUD essa migalha influiu positivamente na saúde em geral e na saúde da mulher, na educação, e na cidadania dos beneficiados o que, ao meu ver, já contribui muito para formar o cidadão. Então, Será que esses R$ 120 não foram de fundamental importância para que essas pessoas pudessem adquirir, ainda que não da forma como gostaríamos, um tipo de cidadania?
Obviamente que o PBF não ataca os problemas estruturais, ou fundamentos, da pobreza. Nesse ponto eu concordo plenamente com você, o programa não chega nem perto disso. Mas se fosse para atacar os fundamentos da pobreza em si teríamos que atacar o próprio sistema socioeconômico em que estamos inseridos, que depende e estimula a desigualdade. Assim, infelizmente, continuaremos nos deparando com políticas públicas que objetivarão amenizar as mazelas desse sistema.
Ao que se refere aos desligamentos voluntários, reconheço que exagerei um “pouquinho” na colocação de que milhões se desligaram voluntariamente. Segundo dados do MDS de 2004 pra cá cerca de 60.000 famílias o fizeram.
No que se refere à questão da escola e ao trabalho infantil (sim, pedir esmolas é trabalho infantil para mim), não acredito que pais minimamente razoáveis prefeririam manter seus filhos pedindo esmolas nas ruas em detrimento de eles frequentarem a escola, mesmo que isso representasse uma “perda” monetária. Será que as pessoas são assim tão gananciosas e pequenas ao ponto de preferir a renda das esmolas em detrimento da educação de seus filhos? Será?
Em relação ao IDEB, sem dúvida ele é um indicador fundamental e eu me equivoquei na interpretação dos números que você apresentou. Seu acompanhamento é fundamental para o controle social do governo, além de constituir em si uma forma de accountability das políticas de educação. Os níveis baixos indicam que existe uma aresta a ser reparada nesse complexo esquema, diga-se de passagem, uma aresta fundamentalíssima.
Infelizmente, no atual contexto da educação brasileira o preferível ainda não é viável. Em termos gerais, as escolas públicas tem uma qualidade inferior, ainda que sobrem exemplos destas que atingem níveis tão bons quanto os das escolas privadas. Infelizmente, as crianças beneficiárias do PBF estão sujeitas a essa realidade. Ter todas as crianças em escola de qualidade é o mínimo que podemos querer. Como você bem disse, é bem mais caro e demorado atingir esse mínimo, além de o ganho político não ser imediato e sim de longo prazo o que dificulta e muito a viabilidade dessa perspectiva. Mas acredito que o não enfrentamento dessa questão não esteja diretamente associado ao PBF, pelo contrário, o programa foi inserido nesse contexto de um sistema educacional público deficitário herdado da ditadura. Também não podemos acreditar que estamos vivenciando o voto de cabresto do século XIX, do contrário o PT dominaria a grande maioria das prefeituras onde existam beneficiários do programa.
E a reformulação do Pacto Federativo, desde que feita de maneira a capitalizar melhor os municípios e estados mais pobres, seria peça essencial para se pensar em melhorias substanciais dos níveis de educação formal do país. Concordo com sua abordagem desse aspecto.
Então, Sérgio, eu continuo acreditando que o PBF ataca parte fundamental do problema. Não o soluciona plenamente, é verdade. Mas as contribuições do programa aos seus beneficiários são extremamente positivas numa perspectiva sub-ótima da extrema pobreza no Brasil.
Caro Laurindo
Acho que no essencial estamos de acordo: o Bolsa Família não acaba com a pobreza. Queria convida-lo para defendermos juntos uma proposta: em cada município (ou bairro das cidades grandes) em que haja uma concentração de famílias beneficiadas que a União implante uma escola de alto nível e tempo integral para as crianças. Penso que, com um 60 bilhões mais (pouco menos de 3 vezes o custeio atual da bolsa)ofereceria escola de qualidade para tirar as crianças da pobreza. Que acha (que acham os outros leitores)? Abraços, Sergio
Acredito que o Senador Cristovam Buarque concordaria plenamente com sua proposta. Ele é um ferrenho defensor da federalização da educação. Eu acredito que essa tarefa é incumbência dos Munícipios e qua a União poderia colaborar através de um programa que os incentivasse a proceder tal implementação. Eu defendo a descentralização das políticas públicas assim como está expresso em nossa Constituição Federal. Se essa tarefa ficar a cargo da União provavelmente ela não atenda adequadamente às especificidades de cada localidade além de tornar as mudanças e adaptações bem mais lentas e excessivamente burocráticas. Mas independente da forma como se daria a execução dessa proposta, sem dúvida é uma boa sugestão.