Sérgio C. Buarque

Foto by Guenter Eh - Frankfurt.

Foto by Guenter Eh – Frankfurt.

 

A luz do dia ia declinando no final da tarde, os últimos raios furando os espaços entre galhos e folhas das árvores, e Lilly continuava parada no banco da praça, ainda com óculos escuros, acompanhando o movimento dos pássaros cantando ao crepúsculo. Aos poucos, as sombras iam se impondo e flutuavam no chão pelo impulso da brisa morna do anoitecer. Bem ao centro da praça, uma fonte jorrava um fio de água contínuo, provocando um pequeno murmúrio ao cair no solo e borrifando gotículas sobre os passantes.

 

Na medida em que escurecia, as lâmpadas espalhavam raios de luz desde cima, criando novas sombras e pontilhando o espaço de focos de amarela luminosidade; algumas folhas desprendiam-se das árvores e flutuavam refletindo as luzes tênues, formando um rumor colorido no ar. Lilly continuava quieta enquanto as pessoas passavam e, pouco a pouco, o movimento escasseava, restando apenas as sombras e os reflexos opacos da luz em torno da praça.

 

Já era noite quando Lilly pegou sua bengala, levantou se apoiando no braço esquerdo do banco e começou a caminhar, firme mas insegura, com a bengala à frente para identificar os obstáculos. Lilly atravessou a praça, passou próximo da fonte para receber o frescor dos respingos d’a água, desviou para direita ao sentir um batente no final do caminho, e desceu para a calçada. Sentiu um movimento do seu lado esquerdo, percebendo que alguém a acompanhava pela calçada. Parou e virou a cabeça, quase aspirando o hálito do seu acompanhante. “Quem é?”, perguntou. Antes que o acompanhante respondesse, completou: “O que deseja de mim?”

 

Uma voz serena e envolvente respondeu: “Eu sou a tua sombra, Lilly. Tua própria luz se projeta e me dá vida, mesmo com a tênue claridade do lampião. Tua vida é apenas escuridão, mas é plena de intensa luminosidade”.