Humberto C. Vieira de Melo
Advogado

 

Encerrado mais um pleito eleitoral, em repetição ao que aconteceu nos últimos vinte anos, atribui-se como a causa principal dos males do Estado brasileiro o sistema político-eleitoral. E, como panaceia, volta a ser alardeada a chamada Reforma Política – a reforma das reformas.

No mais das vezes, tal clamor decorre das parcelas do eleitorado ou de candidatos insatisfeitos com o resultado final, ou pelo insucesso individual.

A culpa é sempre dos outros.

É importante entender que no conceito Reforma Política se encontram, inadvertidamente, em verdade, abarcados três conceitos distintos: 1) Reforma Política propriamente dita, que afeta as estruturas de poder – reeleição ou não, prazo de mandatos; voto obrigatório ou não; coincidências ou não na data de realização dos pleitos locais, estaduais e nacionais; existência ou não de vices para cargos executivos ou de suplentes de Senador; número de Senadores por Estado; a própria existência do Senado Federal e a equalização do número de representantes por Estado em razão de sua população na Câmara Federal e Assembleias; 2) Reforma Partidária, que tem a ver com as estruturas dos partidos políticos – condições de criação e de funcionamento; convenções; exigência aos filiados de cumprimento das determinações superiores da legenda, a chamada fidelidade partidária; propaganda partidária; filiação e exclusão de membros; financiamento dos partidos; e por fim em relação ao tema deste artigo, 3) Reforma Eleitoral, que se refere ao processo eleitoral de escolha pelo eleitor de seus representantes, à relação dos eleitos com o eleitorado, à propaganda eleitoral e ao financiamento de campanhas eleitorais.

A crítica é mais acentuada para as eleições das casas legislativas pelo sistema proporcional e ao modelo de financiamento das eleições diretamente vinculado ao custo da propaganda, o que neste momento não vem ser analisado.

Não existe sistema político-eleitoral perfeito; todos têm suas virtudes e todos têm os seus defeitos.

O sistema eleitoral adotado no Brasil para os pleitos legislativos encontra-se em vigor desde 1946, com importantes e outras meramente cosméticas alterações, ao longo dos anos. Consolidado na cultura nacional, caracteriza-se como modelo proporcional por lista aberta de candidatos, indicados pelos partidos e coligações e com votação nominal.

A grande crítica é, justamente, que tal modelo provoca distorção com os chamados “puxadores de votos” – aqueles candidatos com grande votação individual e de quem as sobras de votos “puxam” candidatos com baixa votação. Esses beneficiados, que concorreram pelo mesmo Partido ou Coligação dos puxadores, se elegem em detrimento de outros com número de votos obtido mais significativo.

Para sanar esse problema, no entanto, vem sendo sugerida a alteração radical do sistema e, para substituir o atual, as propostas apontam como modelos o Distrital Puro, com votação majoritária, dentro do distrito, ou o Distrital Misto, sendo uma parte das vagas majoritárias e a outra parte proporcionais, podendo ser lista fechada (a ordem indicada pelo partido e com votação na sigla) ou lista aberta (com votação individual); o Proporcional com Lista Fechada, que é o atual sistema, no entanto com a ordem preferencial de candidato indicada por cada partido, e votação na sigla e, ainda, o chamado Distritão, que prevê a eleição majoritária em lista aberta indicada pelos partidos e coligações, sendo os mais votados eleitos às vagas disponíveis.

Além da quebra de algo consolidado na cultura política brasileira, os modelos sugeridos, embora minimizem algumas das falhas apontadas no atual sistema, provocam outras, talvez de muito maior gravidade.

No Distritão, por exemplo, os mais votados estariam eleitos, é verdade, mas, no entanto, haveria o enfraquecimento dos partidos, uma vez que neste modelo o que vale é o prestígio individual do candidato. Estando a sigla como mera hospedeira, o candidato seria eleito por força eleitoral própria.

A mesma análise pode ser feita quanto ao Distrital Puro. Nesse caso, apenas o pleito majoritário será realizado em área territorial mais restritas em que seriam divididos os estados e, assim, acrescente-se à força individual do candidato em detrimento dos partidos a difícil tarefa de definição da abrangência de cada distrito e a vinculação exclusiva dos candidatos à sua área territorial de atuação, tornando os eleitos quase “vereadores” federais e estaduais.

Grosso modo, o pleito para Câmara Federal já se caracteriza como distrital, porém proporcional em lista aberta, pois cada Estado representa um Distrito, com o número de vagas pré-definido em razão de sua população.

A lista fechada, que pode representar um fortalecimento das estruturas partidárias, ao mesmo tempo provoca um engessamento com a redução da capacidade do eleitor de renovar a representação parlamentar. Há grande possibilidade de as listas dos partidos serem encabeçadas pelos políticos que os controlam, daí eles sempre se repetiriam, eternizando-se como parlamentares.

Para quê mudar tão radicalmente nosso sistema? Ele tem falhas, é fato, mas impõe, por regra, o compromisso do eleito com o partido, uma vez que os votos obtidos pela agremiação partidária e seus candidatos são o que definem o número de vagas de eleitos por sigla ou coligação, considerados os votos individuais obtidos para identificação dos eleitos.

Ao mesmo tempo, o Sistema Proporcional assegura a representação da minoria no Parlamento, o que não se encontra presente no Distrital Puro, nem tampouco no Distritão.

Ressalte-se que foi esse sistema, o proporcional em lista aberta, que deu condições ao crescimento de um partido que nasceu pequeno do ponto vista eleitoral e forte nas suas bases sociais, de participar de pleitos com obtenção, inicialmente, de pequeno número de vagas. Hoje, essa legenda de origem ‘nanica’ tem a maior bancada da Câmara Federal e vai governar o país por dezesseis anos. Isso devido à capacidade desse modelo eleitoral de possibilitar a renovação.

Nada é estático na vida e não se pode combater o aperfeiçoamento, mas não é preciso destruir. Vamos avançar com o modelo proporcional em lista aberta, que dá ao eleitor um poder maior de decidir; este deve o mote principal da reforma, ou seja, não retirar do eleitor qualquer parcela do poder de decidir, mas sim dar transparência ao processo para sua decisão e minimizar as distorções desta mesma decisão.

A importação de modelos estrangeiros não compatíveis com o que é nacional, mesmo que com adaptações, pode apresentar um novo Frankenstein, além de outras conseqüências.

Exemplo disso são os Estados Unidos, onde a escolha para a Câmara dos Representantes se faz pelo Sistema Distrital Puro. Lá, embora haja mais de 50 partidos políticos, apenas dois têm assento na Casa. Vê-se, portanto, que foi gerada uma espécie de oligopólio partidário, não condizente com as diversidades regionais, culturais e de pensamento que caracterizam o povo brasileiro.

Assim, na busca da chamada governabilidade e verdade eleitoral, as reformas do sistema eleitoral devem buscar: a criação da chamada cláusula de barreira para atuação parlamentar dos partidos; proibição de coligação nos pleitos proporcionais; o fortalecimento da fidelidade partidária com devolução de mandato de qualquer eleito que mude de sigla, exceto apenas para os casos de fusão de partidos; renúncia do mandato pelo eleito como condição para ocupar qualquer cargo na esfera executiva; a eliminação do efeito do puxador de voto, com a criação de dois quocientes eleitorais, sendo o primeiro o utilizado no atual sistema. Definidos os eleitos, aqueles que alcançarem votação igual ou superior ao quociente inicial, seria apurado um segundo quociente, para o qual somente seriam computados os votos dados àqueles que alcançaram o primeiro quociente no quantitativo igual a este e consideradas como denominador as vagas remanescentes. Portanto a grande votação individual só elegeria no máximo o próprio e mais um.

Avanço sim, mas se mantenha o que é tão brasileiro, o Sistema Proporcional com Lista Aberta.