Fernando da Mota Lima

Mulher pintada.

Mulher pintada ( foto em busca do autor)

“E se tudo isso acontecer

Não tenho mais nada para te desejar”.

(Do poema Desejos, atribuído a Victor Hugo)

 

Desejo que você ame

E seja feliz no amor.

Mas ame consciente de que o fim do amor

É a perda, o desenlace

No desamparo de uma noite escura.

Amamos sempre para perder

Para a solidão iluminada

Que vive além do amor já esvaído.

 

Desejo que você tenha amigos

Mas saiba desde já que a amizade

É um grão diluído na areia do deserto

Que é o vil comércio das relações.

A amizade é o mais alto privilégio da intimidade

E poucos os afortunados que a conquistam.

 

Desejo que você tenha amigos

Que a isentem da necessidade

Dos inimigos honestos

(Aqueles que dizem tudo

Que não gostamos de ouvir

Ou estilhaçam o cristal do espelho

Onde nossa autocomplacência se reflete).

Assim eles a pouparão da lisonja e da hipocrisia

Que lastreiam as falsas amizades.

 

Desejo que você seja inútil, livremente inútil

Dentro desse ubíquo bazar

Onde tudo se troca.

Seja livre como uma canção cantada na solidão da noite

Como uma criança antes do primeiro clipe publicitário

Como uma carícia no corpo da primeira virgem.

 

Desejo que você seja jovem, ainda quando já velha.

Mas não confunda a juventude do espírito

Liberto das opressões do corpo

Com a adolescência senil

Ou um produto chamado terceira idade.

Terceira idade é de fato a velhice

A caminho irreversível da morte

Nosso destino definitivo.

 

Desejo que você tenha a coragem da tristeza

Ainda mais a da solidão voluntária

Sobretudo a coragem da dor.

Desejo que você conquiste a coragem desilusória

De ser como a vida é

E assim realize a felicidade sem comércio

E a lúcida e serena alegria

Dos seres genuinamente livres.

 

Desejo que você tenha a coragem de me perder

Como preciso da coragem de perdê-la.

Assim nos reconciliaremos numa ordem de permanência

Onde na memória do amor falível

Os amantes afinal se eternizam.

 

Fernando da Mota Lima