A guerra às drogas falhou. As políticas de militarização contra o uso de entorpecentes não reduziu a demanda por drogas, muito menos impediu o consequente aumento da produção. Houve, pelo contrário, uma profissionalização do tráfico, diluído em grandes corporações mafiosas internacionais e a territorialização nos grandes centros urbanos, onde a demanda é maior, relegando a distribuição geralmente aos bairros mais pobres e excluídos.
E, no entanto, desde a década de 1980, as soluções adotadas pelas autoridades em quase todos os continentes são as que privilegiam o incremento da segurança. Um exemplo: a maior cooperação internacional militar da história, o Plano Colômbia, uma ação para dizimar plantações de coca via fumigação – que teve impacto negativo sobre a produção dos demais alimentos – apenas conseguiu reduzir as áreas do plantio da coca na Colômbia, antes de se tornar um programa militar de luta contra os diferentes grupos armados que atuam no país. Os efeitos mais visíveis foram, por um lado, a imigração da produção para outros locais, visto que a demanda só fez aumentar nos últimos anos, e, por outro, a Colômbia tornando-se o estado com maior deslocamento interno de refugiados em decorrência da violência.
Algumas autoridades que tiveram participação na guerra às drogas hoje fazem uma autocrítica às políticas que enfatizam aspectos securitários, entre eles Bill Clinton, presidente dos Estados Unidos de 1993 a 2001, César Gaviria, presidente da Colômbia entre 1990 e 1994, e Fernando Henrique Cardoso, presidente do Brasil entre 1995 e 2002. Os ex-chefes de Estado ressaltam um ponto importante em que suas políticas falharam: a necessidade de um tratamento localizado das drogas. De fato, as políticas tradicionais visavam principalmente impactar a oferta da droga, sem haver uma reflexão sobre o que poderia ser feito para reduzir a demanda. Quando se restringe o espaço de atuação das políticas públicas, verifica-se um ambiente mais complexo: usuários se confundem com traficantes, militarização crescente dos distribuidores e facções que se estabelecem nos espaços como em um Estado paralelo, instituindo-se com o monopólio do uso da força.
Há também outro assunto que parece unanimidade entre eles: a necessidade de se flexibilizar certos conceitos relativos ao consumo e aos usos alternativos das drogas. Muitos chegam a defender a descriminalização, utilizando exemplos de outros países, como Holanda, Espanha, Portugal, Uruguai e alguns estados dos Estados Unidos. Sem dúvida, a descriminalização é um debate delicado, que é obstado, inclusive, pelo preconceito. No Brasil, a defesa da descriminalização ainda tem um alto custo político para indivíduos que visam candidatar-se a cargos executivos e legislativos – infelizmente. Destro desse contexto, faz-se necessário buscar novas maneiras de enfrentamento do problema das drogas no país.
As políticas de redução de danos surgem como alternativa ao alto custo financeiro das políticas de segurança. São iniciativas que visam dar apoio aos consumidores, principalmente nos grandes centros urbanos, reduzindo os efeitos nocivos associados ao consumo de entorpecentes. Trata-se de medidas de saúde pública, como o empréstimo de seringas para usuários com o fim de diminuir a transmissão de doenças infecciosas, ou de programas de reintegração social de indivíduos, principalmente para consumidores em situação de rua, como a criação de centros de reabilitação e de assistência social ao usuário. Se, por um lado, a redução dos danos atua sobre o indivíduo – visto como cidadão –, por outro, ela tem amplo impacto sobre a sociedade como um todo.
Com a redução de danos, a grande diferença no debate sobre o consumo de drogas recai sobre a ênfase: abandona-se em parte o viés exclusivo da segurança e aborda-se muito mais o lado da saúde pública e da assistência social, que em geral são menos custosas para o Estado. Além disso, geralmente são políticas descentralizadas, que possuem maior alcance nos centros urbanos, onde o consumo é maior e o mercado de drogas mais acessível, portanto, são os locais mais afetados pela violência associada ao tráfico, bem como por suas consequências. É de se esperar que as administrações locais – no Brasil, municípios – assumam as responsabilidades por tais políticas, visto que são diretamente por elas beneficiados.
Finalmente, as políticas de redução de danos têm-se mostrado uma forma eficaz para humanizar a abordagem com relação aos usuários de drogas. Dessa forma, elas contribuem para desmistificar uma série de preconceitos com relação a diversas políticas para combater os efeitos negativos do consumo de drogas e constituem, geralmente, o primeiro passo para um debate que envolve, com mais tranquilidade, a descriminalização do consumo de drogas.
Não se defende um abandono completo das políticas de segurança, mas uma ênfase maior sobre políticas de saúde pública e de assistência social, em prol de um programa integrado de áreas. Nesse sentido, vemos o exemplo do Programa Braços Abertos, da Prefeitura de São Paulo, uma iniciativa conjunta das Secretarias de Direitos Humanos, Segurança Urbana, Assistência e Desenvolvimento Social, entre outras secretarias municipais, para atuar com usuários de drogas em situação de rua. Também é interessante o Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras Drogas, da Prefeitura do Recife, de 2013.
Essas experiências já tiveram impactos importantes e visíveis, como a redução do consumo de rua e dos efeitos negativos do uso, embora ainda seja complicado fazer uma avaliação sobre o impacto de longo prazo, visto que são políticas públicas implementadas há pouco mais de um ano. Em geral, as iniciativas de redução de danos tiveram pouca aceitação na opinião pública. Para obter resultados ainda melhores, falta que a sociedade dê o apoio necessário e observe as políticas de drogas de forma mais humana.
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