Maya Plisetskaya, uma das maiores bailarinas do século XX, morreu na semana passada em Munique com quase 90 anos. Maya Plisetskaya foi a primeira bailarina do Ballet Bolshoi com formação no ballet clássico russo, mas ousou interpretar peças contemporâneas, entre elas a inesquecível interpretação do “Bolero” de Ravel com coreografia de Maurice Bejart. Com 48 anos, praticamente sozinha no palco, ela apresentou um espetáculo emocionante com a conhecida música de um único movimento e melodia uniforme e reptitiva. Suas mãos dançam e seu corpo flutua acompanhando o andamento crescente da orquestra.
Com nove anos, Plisetskaya foi admitida na escola do Ballet Bolshoi e com onze anos já participava de importantes papeis no repertório da escola. Em 1937, com 12 anos e já surgindo como uma promissora bailarina, seu pai, Mijaíl Pliesteski, engenheiro judeu e comunista, foi preso e executado pelo regime de Josef Stalin. E sua mãe, uma atriz de cinema que fez parte do famoso grupo de teatro russo-judaico, foi presa no ano seguinte e enviada para um campo de prisioneiros e trabalho forçado no Casaquistão, morrendo pouco antes da segunda guerra mundial. A jovem bailarina, orfã de pai e mãe, foi viver com seus tios, Salomé Messerer, também bailarina do Bolshoi e Asaf Messerer, bailarino e professor de ballet.
Plisetskaya viveu um período negro da história da União Soviética e um dos mais violentos da historia contemporânea da humanidade, comparável aos crimes do nazismo alemão. As grandes lideranças políticas do governo e do Partido foram executadas com base na farsa dos chamados Processos de Moscou, de 1936 a 1938, torturando, humilhando e executando todo o Comité Central do Partido Bolchevique, velhos e históricos comunistas (Trotsky só não foi preso por ter sido antes expulso do país, mas terminou assassinado em 1940 no México por agente de Stalin). A partir de 1936, Stalin fundou o Estado policial e implantou o terror na União Soviética com perseguição de milhares de opositores e lideres no partido e fora dele que pudessem constituir obstáculo à ditadura stalinista.
Mesmo neste ambiente de repressão, o ballet continuava sendo uma das grandes expressões artisticas e com enorme prestígio na população. Mas Plisetskaya foi morar com seus tios Sverdlovsk a 1.400 quilômemtros a leste de Moscou, isolada do mundo artístico e político. Durante a guerra, com 18 anos, Plisetskaya voltou Moscou e foi reintegrada ao corpo de ballet do Bolshoi. Naquele ano, a União Soviética conseguiu romper o cerco de Stalingrado (hoje Volgogrado) pelos alemães numa das batalhas mais sangrentas da segunda guerra mundial a cerca de 900 quilômetros ao sul de Moscou.
Não há informação sobre a postura de Plisetskaya em relação ao regime stalinista, mas, ao que parece, os dirigentes comunistas a viam com desconfiança, provavelmente pela história política dos seus pais. Apenas em 1959, já na era Kruchev, com 34 anos e já mundialmente conhecida, ela conseguiu autorização do governo soviético para viajar ao exterior em apresentações com o Ballet Bolshoi nos Estados Unidos, na França, Reino Unido e Itália. Vale lembrar que, seis anos antes, Nikita Krushev tinha assumido o poder na União Soviética, surpreendendo o mundo, em 1956, com as denúncias dos crimes de Stalin no XX Congresso do Partido Comunista.
Desde então, Maya Plisetskaya tornou-se uma grande estrela internacional. Morou no exterior, na Espanha, onde foi diretora da Companhia Nacional de Dança, na Itálida, tendo sido diretora de Ballet de Ópera de Roma, e ultimamente em Munique, Alemanha, onde faleceu. Mas continou sendo a grande bailarina russa.
Sergio C. Buarque, traz até nós, como uma bela aula, fatos que a grande maioria desconhece. Além dessa fase da história onde mostra como foi o regime naquela época, até se chegar as denúncias de Nikita Krushev, nos apresenta a bailarina Maya Plisetsakaya, que só em 1959, foi liberada para apresentações internacionais. Maravilha!
A crueldade do regime stalinista não foi diferente do nazista, mas aqui no Brasil sempre foi escondido pelos comunistas de todos matizes. Ainda hoje, muitos comunistas defendem o regime stalinista, o ¨pai dos povos¨, e outros não percebem o caráter totalitário nas teses básicas do marxismo. Os ventos democráticos que varreram a Europa com a queda do Muro de Berlim (e antes, um pouco) não chegaram por aqui.
O sofrimento desta bailarina que o Sergio Buarque relata é comovente, um retrato da vida de uma grande artista que só queria brilhar.