De vez em quando, o universo jurídico traz à lume questões fascinantes. Não tanto pela complexa e instigante necessidade de interpretação das regras legais, mas pela dimensão humana envolvida. Pesquisando uma matéria, deparei-me com o andamento do Recurso Extraordinário 845.779, de Santa Catarina, ora sob apreciação do Supremo Tribunal Federal. O processo revela ação de indenização, por danos morais, ajuizada por transexual contra um shopping center, ao fundamento de que teria sido impedido de entrar em banheiro de uso comum destinado ao público feminino e, devido ao nervosismo acarretado pela situação, não conseguiu controlar as necessidades fisiológicas, fazendo-as nas roupas. A ação de indenização ajuizada foi julgada improcedente, mas a parte recorreu ao Supremo, tendo o Ministro Barroso admitido o processamento do recurso por sua repercussão geral. Na proposta de admissão, o Ministro sustenta que o caso envolve a projeção social da identidade sexual do indivíduo, aspecto diretamente ligado à dignidade da pessoa humana e a diversos direitos da personalidade, tratando-se de questão constitucional saber se uma pessoa pode ou não ser tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, envolvendo a definição do alcance dos direitos fundamentais, especialmente daqueles referentes às minorias. Assim, agora, o Supremo Tribunal Federal poderá definir o padrão de conduta adequado em casos da espécie, orientando não só as partes diretamente envolvidas, como as demais instâncias do Judiciário. A definição é urgente. De fato, a sociedade brasileira ainda não sabe como portar-se diante do direito das minorias, bastando anotar que a ABRASCE, associação que envolve todos os shopping centers, publicou recentemente uma nota repudiando toda e qualquer ação discriminatória contra a população LGBT, garantindo-se seu acesso aos ambientes abertos ao público dentro das dependências do shopping, sem qualquer tipo de discriminação, inclusive no que diz respeito ao uso dos espaços segregados por gênero, como no caso dos banheiros, mas, ao mesmo tempo, salienta que, à falta de lei específica e de definição do assunto pelo Judiciário, cada estabelecimento deve atuar de acordo com o caso concreto. Ora, o caso concreto jamais será diferente: indivíduo biologicamente tipo homem, sentindo-se psicossocialmente mulher (ou vice-versa), com vontade de fazer xixi e, portanto, com pretensão ao uso do banheiro feminino. Isso pode ser chocante para quem nunca pensou no assunto, ou para quem pensou com a habitual carga de homofobia, mas é uma fascinante questão do universo jurídico. Vamos a ver como o Supremo vai resolvê-la.
Sobre o autor
João Humberto de Farias Martorelli
Nascido em 26/09/55. Formado pela Faculdade de Direito do Recife. Colou grau em 18/08/77 (Turma Torquato Castro – foi laureado e orador da turma). Foi membro efetivo do Conselho de Recursos Fiscais do Município do Recife (1981) e Procurador Judicial da Prefeitura do Recife (1981/2001) com atuação na Procuradoria Fiscal (ambos os cargos, ingressando por concurso público). Foi também Secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura do Recife, no período 01/01/86 a 02/05/88 e Conselheiro Federal da OAB, Seccional Pernambuco, no triênio 98/2000. Ex-Conselheiro e Ex-Presidente da Causa Comum. Membro da Associação Internacional de Juristas Democratas. Membro do Conselho Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (até 2005), sediado em São Paulo, Vice-Presidente da Regional do CESA/PE. Chairperson do Comitê de Legislação da AMCHAM (2003). Fundador de MARTORELLI ADVOGADOS, Escritório de Advocacia Empresarial com atuação em todo o Nordeste, com 30 Anos de atuação. Vários artigos publicados em coluna quinzenal no Jornal do Commercio e um livro em edição privada, “O Cofre é o Coração”, reunindo alguns dos artigos. Presidente do SPORT CLUB DO RECIFE (2014).
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