De forma simples e direta, no mundo contemporâneo o Estado serve para regular o mercado e estimular o ambiente de negócios. E serve, principalmente, para prover a sociedade de serviços públicos de qualidade. Para exercer esta função, o Estado precisa coletar impostos das atividades econômicas e dos cidadãos. A sociedade contribui cedendo parte da sua renda para receber como contrapartida os serviços gratuitos e de qualidade (educação, saúde, segurança e conforto). Em princípio, quanto mais amplos e melhores estes serviços, maior o volume de recursos que o Estado precisa receber de cada uma das pessoas que compõe a sociedade. Como é sabido, o Estado também exerce um papel distributivo na sociedade, na medida em que cobre e arrecade mais impostos dos ricos e entregue serviços públicos iguais para todos os cidadãos.
Se o Estado deve ser o provedor dos serviços à sociedade, pra que serve o Estado brasileiro? Esta pergunta deve passar pela cabeça de cada brasileiro quando vai a um hospital público e se depara com o desmantelo do atendimento, a carência de condições mínimas de tratamento, a falta de medicamentos, equipamentos e médicos, doentes em filas intermináveis e acumulados nos corredores. Para onde estão indo os bilhões de reais que a sociedade entregou aos governos, se não recebem os serviços de responsabilidade do Estado? As famílias com melhor renda que têm um seguro de saúde (cada vez mais caros) para receber um atendimento particular de melhor qualidade podem fazer a mesma pergunta: estou pagando duas vezes pelos mesmos serviços? Pagam impostos para criar os fundos que o Estado requer para a prestação dos serviços. Porém, para fugir o desastre dos hospitais públicos, terminam por pagar pelos serviços privados. O mesmo vale para a educação, para a segurança, para o conforto nas cidades.
Como já tem sido dito, o Estado brasileiro cobra uma carga tributária de primeiro mundo mas oferece serviços de terceiro ou quarto mundo. Para que tanto dinheiro? Não é necessário um estudo para perceber o fracasso do nosso Estado: perdulário, ineficiente, caro, corrupto e inadimplente na prestação dos serviços. Os dados servem para confirmar e ilustrar o que os brasileiros sentem no seu cotidiano. O desempenho de um Estado nacional pode ser medido pela relação entre a carga tributária (o que retira da sociedade) e a qualidade dos serviços que entrega aos cidadãos. Nesta relação, o Brasil está muito mal e várias vezes pior que muitos outros países, quando medido pelo Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade do Estado que compara a carga tributária com o IDH-Índice de Desenvolvimento Humano (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação).
De acordo com o índice, o Brasil tem o pior desempenho entre os 30 países de maior carga tributária no mundo: recolhe 35,04% do PIB em impostos e gera serviços que levaram a um IDH de apenas 0,744 (menos do que o Uruguai, por exemplo, que tem uma carga de tributária bem inferior, 26,3% do PIB). O Brasil tem o pior IDH dos 30 países analisados, embora se situe em 11º lugar no tamanho da carga tributaria. Com uma apropriação bem menor da renda dos seus cidadãos, o Estado uruguaio presta um serviço superior ao do Estado brasileiro. Da mesma forma a Argentina, com uma carga de 31,2% do PIB, oferece serviços que levaram a um IDH de 0,808. O Estado com maior retorno para a sociedade é a Austrália, que alcançou um IDH de 0,933 com uma carga tributária de apenas 27,3% do PIB. Ou seja, com muito menos impostos que o Brasil, aquele país gera resultados bem superiores. A Noruega, com uma das maiores cargas do mundo (40,8% do PIB), tem, em contrapartida, o maior IDH dos 30 países, com 0,944, muito acima do brasileiro.
O governo brasileiro quer aumentar mais ainda os impostos. Não para melhorar os serviços, mas para tapar buracos. Com razão, a sociedade espera, ao contrário, que o Estado utilize os enormes recursos que já são recolhidos pelo fisco para oferecer serviços semelhantes aos da Alemanha. Por que Alemanha? Porque é o país com uma carga tributária quase igual à brasileira (36,7% contra 35,04% do PIB). Ou, melhor ainda, que reduza o peso na sociedade para razoáveis 24,3% do PIB, como a Coréia do Sul, que consegue, com estes recursos, gerar um IDH de 0,891, superando em muito o do Brasil.
Sérgio: Concordo integralmente com tudo que você escreve sobre as funções do Estado na democracia moderna. O problema, que você também deixa claro enfatizando seu argumento com dados empíricos, é que nunca tivemos esse Estado no Brasil. O mais grave é que quase ninguém o quer, nem mesmo as vítimas do Estado patrimonial que continua nos (des)governando. É significativo, por exemplo, que em meio à crise que atravessamos, afundados no mar de corrupção que por pouco não leva ao naufrágio nossa mais poderosa estatal, quase ninguém sequer proponha a alternativa da privatização, a alternativa liberal que poderia gradualmente tornar realidade o Estado moderno que nunca tivemos. Para melhor compreender os entraves a essa solução, parece-me que a leitura dos clássicos do nosso pensamento social continua atualíssima (Raimundo Faoro, Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Darcy Ribeiro…). À parte o mérito intrínseco das obras, o Brasil demora demasiado para sair do atraso e libertar-se do peso das tradições nefastas.
Em teoria, o Estado deve redistribuir renda, protegendo os mais fracos e vulneráveis. Acontece que no Brasil o Estado é concentrador de renda, isto é, há vários programas e políticas salariais e de previdência que influem no sentido de piorar o índice de Gini de concentração de renda. Sem falar em isenções e crédito subsidiado. Ainda que o Bolsa Família e a política de salário mínimo, de um ponto de vista estático, contribuam para distribuir renda, isto é, contribuem para diminuir a concentração de renda. Mas a Previdência Social no Brasil, por exemplo, é concentradora de renda. Enquanto que em países desenvolvidos a Previdência Social serve para melhorar a distribuição de renda. Sei que haverá gente chocada ao ler que “a Previdência Social no Brasil concentra renda”. Mas examinem os estudos de distribuição de renda do mais competente e persistente dos estudiosos desse tema no Brasil, professor senior da USP, Rodolfo Hoffmann. Há outros pesquisadores que apontam a mesma coisa.
Sergio, para tornar o seu excelente artigo mais elucidativo seria necessário desagregar mais a carga tributária em impostos diretos e indiretos, e, impostos referentes ao consumo e ao capital etc..Isso permite uma comparação mais precisa com outros países .
Excelente artigo. Em compensação, o Estado brasileiro vem cumprindo muito bem suas funções definidoras essenciais: manter os ricos enriquecendo e a enorme legião de explorados conformados. Ora sentindo-se atendidos por esmolas sociais ou reagindo despolitizadamente, fazendo guerras pelo controle do tráfico, , assaltos ou arrastões que na grande maioria dos casos agridem outros excluídos. Então, está tudo certo, por enquanto.