Elimar Pinheiro do Nascimento (1)

Em 29 de outubro deste ano o PMDB lançou um programa para sair da crise de título – Uma ponte para o futuro, elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, e discutido em sua reunião anual realizada nesta terça feira, 17 de novembro. A repercussão na mídia foi a melhor possível, suscitando elogios e críticas.

O documento faz uma análise dura da atual crise econômica, provocada por medidas errôneas assumidas pelo governo Dilma, da qual o PMDB é parte, com Michel Temer na vice-presidência. Sinaliza, entre outros, “nos últimos anos é possível dizer que o governo federal cometeu excessos, seja criando novos programas, seja ampliando os antigos, ou mesmo admitindo novos servidores ou assumindo investimentos acima da capacidade fiscal do Estado. A situação hoje poderia certamente estar menos crítica”.

Trata-se de uma proposta tecnicamente bem elaborada, corajosa politicamente e muito bem-vinda em um momento em que o País encontra-se à deriva. Uma boa surpresa no momento em que temos apenas notícias negativas.

A proposta do PMDB está centrada em medidas que permitem o País sair da crise fiscal, e propõe um quadro de proteção contra a armadilha legislativa que proporciona uma dinâmica de gastos públicos que a sociedade não pode sustentar. Para isso sugere, entre outros, “acabar com as vinculações constitucionais”; findar todas as indexações no orçamento e “definir um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB”. O que conduz à ideia de “orçamento com base zero”: assim, “a cada ano todos os programas estatais serão avaliados por um comitê independente, que poderá sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e benefícios”.

Resumindo, a proposta de Uma Ponte para o Futuro seria a redução estrutural das despesas públicas, a diminuição do custo da dívida pública e o crescimento do PIB.

As medidas que conduzam o País ao desenvolvimento, embora propostas, não têm a mesma ênfase que a superação do desequilíbrio fiscal. Isso deve-se, em parte, pelo componente emergencial de sair da crise fiscal que impede o País, atualmente, de crescer e nos conduz a uma recessão econômica. Por isso, a preocupação central do documento é de propor medidas que permitam o equilíbrio das contas públicas, com a redução dos gastos públicos, mas também a redução da dívida pública e das taxas inflacionárias, por meio de reformas legislativas e orçamentárias significativas.

Nas medidas que poderão impulsionar o desenvolvimento encontram-se a intenção de centrar a dinâmica econômica nos investimentos privados e no aumento da competitividade. Sobre o primeiro aspecto são referidas medidas importantes como a transferência de ativos, concessões amplas em infraestrutura e parcerias nos serviços públicos, incluindo o retorno às concessões na área de petróleo. De fato, temos mais de 140 empresas estatais que pouco interesse estratégico têm para o país, e parte dos serviços estatais, necessários para responder a demanda popular em quantidade e qualidade, só poderá ser realizado em parceria.

Mudanças tributárias, melhoria do ambiente de negócio, incluindo segurança jurídica, e prioridade à ciência e tecnologia completam o quadro.

A primeira pergunta que se pode fazer é: estamos em acordo com as medidas propostas, no sentido de que elas serão suficientes para nos retirar da crise?  A resposta, do ponto de vista geral, é basicamente – SIM! As divergências são pontuais. 

A segundo pergunta que se pode fazer é: serão estas medidas suficientes para produzir uma dinâmica de desenvolvimento que superem os desajustes estruturais da sociedade brasileira e nos coloquem em sintonia com as mudanças que ocorrem no mundo? Sem deixar de reconhecer que as medidas propostas são de monta e tendem a nos conduzir a um novo ciclo de crescimento econômico a resposta é –  NÃO!

As medidas propostas tendem a preservar desajustes estruturais que não nos levarão muito longe, se quisermos algo mais do que o crescimento econômico. Há um silêncio perverso sobre alguns entraves essenciais da sociedade brasileira.

O primeiro deles é a educação. Temos uma das piores educações do mundo entre os países em desenvolvimento, e sem a transformação radical de sua qualidade não teremos como aumentar a produtividade do trabalho. Não teremos capacidade de inovação, e nem mesmo de incorporação de novas tecnologias importadas. Temos uma força de trabalho de baixa produtividade, e sem uma educação de base de qualidade e um amplo e bom sistema de formação profissional não iremos muito longe em uma sociedade em que os fluxos do conhecimento são os principais vetores do desenvolvimento. A proposta de alta prioridade em ciência e tecnologia será de pouco fôlego sem um aparato educacional de qualidade.

As medidas de desenvolvimento propostas podem nos permitir uma retomada do crescimento econômico e uma melhoria na gestão pública, poderão até reduzir a pobreza e a miséria, mas não serão capazes nem de erradicá-las e, menos ainda, de reduzir significativamente a desigualdade social hoje existente. Este é um aspecto limitador de um desenvolvimento econômico e social, mas também político, que não pode ser olvidado. O mercado não dissolve desigualdades, cria. A intervenção do Estado é essencial para reduzir a desigualdade, esta mesma que impede a construção de uma sociedade realmente democrática e justa.

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No Brasil assistimos a uma mortandade socialmente perversa e economicamente contraproducente. Perdemos mais de 100 mil mortos por causas externas a cada ano, mais de um milhão em cada década. Apenas em homicídios perdemos o equivalente ao que os norte-americanos perderam na guerra do Vietnã, entre 1961 e 1973. Vidas e talentos são ceifados em número extraordinário. E o documento silencia sobre isso. É fundamental medidas que reduzam a criminalidade e os acidentes de trânsito.

Há um silêncio também perigoso sobre a sustentabilidade ambiental. Estamos destruindo a cobertura vegetal do País, sem atentar para as perdas que isso proporciona em biodiversidade, e sem visualizar os riscos que acarreta na aceleração de impactos climáticos, com mudanças no regime pluvial, que irão provocar o aumento de desastres naturais e a escassez de recursos hídricos.

Há um estranho silêncio sobre o problema urbano, onde se encontra mais de 80% dos brasileiros. Temos cidades do passado e não estamos construindo as do futuro. Nada consta, na proposta do PMDB, para resolvermos o problema da gestão de resíduos sólidos, da mobilidade urbana, da humanização das cidades. Enfim, questões que tenderão a crescer em importância.

Finalmente, para nos atermos apenas aos aspectos mais estruturais, cuja não superação poderá comprometer o nosso futuro, não se pode deixar de citar o fortalecimento da democracia, em termos de melhorar os canais de participação, as formas de representação parlamentar, de viabilizar melhor a governabilidade e reduzir o controle dos interesses privados sobre o Estado. E uma democracia efetiva entre nós não poderá ser obtida sem a redução dos custos eleitorais, a extinção do financiamento de empresas, a redução do número de partidos e um sistema que aproxime mais o eleitor do eleito.

Com isso, queremos dizer que o documento peca, sobretudo, pelas ausências. E estas referem-se à superação dos entraves que nos prendem ao passado e não nos permitem adequar o Brasil às mudanças globais em curso. De que adianta superarmos a crise e continuarmos como uma sociedade desigual, injusta, que não inova e perde talento e vida irracionalmente?

  1. Professor associado da Universidade de Brasília, Centro de Desenvolvimento Sustentável.