Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Transcrevi o texto constitucional de forma exata, para afirmar que o Supremo Tribunal Federal, ao admitir a prisão do réu em favor de quem ainda pendem recursos, violou a Carta do país. Não existe interpretação plausível para sustentar o contrário. Aqueles que buscam euforicamente secundar o SUPREMO exercitam viagens hermenêuticas insólitas. Dizer, por exemplo, que os princípios constitucionais se interpretam de forma sistêmica, havendo outras garantias a serem asseguradas em favor da sociedade, e que existem prisões que se podem alongar no tempo, o que provaria a coerência do julgamento da Corte Excelsa, não passa de ciência de ocasião. Os princípios e garantias constitucionais sistêmicas se invocam naquilo e quando a Constituição é omissa, ou quando, não sendo proibida pelo texto constitucional, a interpretação se adéqua no amplo espectro de algum desses princípios ou garantias. Já as prisões admitidas na lei brasileira, basicamente, a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva, têm natureza cautelar, servindo antes a instrumento do processo que a à execução da pena propriamente dita. Entendo e concordo com o conteúdo final das festivas manifestações sobre a decisão, a boa causa de se erradicar a impunidade. Mas, de roldão, esse tipo de raciocínio irá prejudicar 240.000 presos existentes no Brasil que sequer foram ainda julgados, a imensa maioria de negros e pobres, os quais, se julgados forem, não disporão de dinheiro para contratar advogados. Por outro lado, 25% dos recursos em matéria penal que chegam ao SUPREMO são providos. Se juntarmos as coisas, veremos que a decisão não é tão justa assim, prejudicando milhares de negros, pobres e inocentes de todas as etnias e classes. Um país justo não se faz com decisões judiciais inconstitucionais, mas com uma Constituição que se respeita e que, se inconveniente ou errada por circunstâncias históricas, sociológicas ou de ordem pública, tem-se a coragem e a eficiência de alterar, no rito. Pode-se dizer que a decisão ora comentada, com a devida vênia dos insignes membros do SUPREMO, se constitui na pá de cal que faltava para o enterro da nação. Que garantias tenho eu, agora, de todas as minhas liberdades, de que, p.e.x, meu dinheiro não será confiscado, confisco que é proibido no texto constitucional, se o SUPREMO entender que ele é importante para repor a economia do país em ordem? No passado, aliás, isso aconteceu, mas o SUPREMO reprimiu. Nos dias de hoje, porém, à vista da novel decisão em matéria penal, e constatando a alegria daqueles que não sabem o que fazem, e nem o que dizem, não teria tanta certeza. O tribunal do recurso derradeiro, a Corte que diz e não se contraria, ao agredir a Constituição, legislar e fazer afagos na opinião pública, não está mais julgando, está ditando.
Sobre o autor
João Humberto de Farias Martorelli
Nascido em 26/09/55. Formado pela Faculdade de Direito do Recife. Colou grau em 18/08/77 (Turma Torquato Castro – foi laureado e orador da turma). Foi membro efetivo do Conselho de Recursos Fiscais do Município do Recife (1981) e Procurador Judicial da Prefeitura do Recife (1981/2001) com atuação na Procuradoria Fiscal (ambos os cargos, ingressando por concurso público). Foi também Secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura do Recife, no período 01/01/86 a 02/05/88 e Conselheiro Federal da OAB, Seccional Pernambuco, no triênio 98/2000. Ex-Conselheiro e Ex-Presidente da Causa Comum. Membro da Associação Internacional de Juristas Democratas. Membro do Conselho Diretor do CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (até 2005), sediado em São Paulo, Vice-Presidente da Regional do CESA/PE. Chairperson do Comitê de Legislação da AMCHAM (2003). Fundador de MARTORELLI ADVOGADOS, Escritório de Advocacia Empresarial com atuação em todo o Nordeste, com 30 Anos de atuação. Vários artigos publicados em coluna quinzenal no Jornal do Commercio e um livro em edição privada, “O Cofre é o Coração”, reunindo alguns dos artigos. Presidente do SPORT CLUB DO RECIFE (2014).
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Ilustre escriba João Humberto Martorelli. Longe de mim fazer um comentário sobre o seu escrito. Entretanto, sobre ele, dou a minha opinião. O que se pode esperar de um Supremo que desde a Operação ” mensalão “, vem mudando a regra do jogo, chegando a interferir em outro poder? E segue, não sabemos por que, fazendo as alterações a sua conveniência? Quanto a Constituição, ela mesmo deixa a desejar.
Recursos ad infinitum, somados à lentidão da justiça, são injustiça maior. Quem tem bom advogados vai inventando recursos. Não tem país com tanto recurso, e ninguém vai me dizer que aqui tem mais justiça que em outros países democráticos.
E vai se entrando com recursos até a prescrição da pena. Enquanto isso, tem preso mofando na prisão por mais de ano esperando o primeiro julgamento, isto é, sem culpa formada, e o que é necessário é julgar em primeira instância, está longe da etapa dos recursos. Essa é uma discussão para juristas – mas é bom olhar uma estatística dos casos. Para mim o texto constitucional citado não implica necessariamente que tudo tem que chegar ao STF, e não possa haver condenação em primeira ou segunda instância. Aliás, qual é mesmo a decisão do STF comentada no artigo e que teria agredido a Constituição? O artigo é para insiders ou é para o grande público?
Um simples caso é o bastante para nos convencer de que a decisão do STF foi acertada. Gil Rugai, o assassino confesso do próprio pai e, se não me engano, da sua nova companheira, condenado há 16 anos, e com sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, estava solto e só agora foi preso, após a súmula do STF. Sem ela, continuaria solto, enquanto seus “recursos” no STJ (ou STF)não fossem julgados. Quando? Ninguém sabe.
Você, Helga, que declara não ter formação na área, enquadrou perfeitamente a questão. Eu, que sou do ramo, completo com uma citação de Rui Barbosa: A JUSTIÇA ATRASADA NÃO É JUSTIÇA, SENÃO INJUSTIÇA QUALIFICADA E MANIFESTA.
E aos meus colegas advogados, com todo o respeito ao Dr. Martorelli, sugiro que não caiam, talvez inconscientemente, no pecado da hipocrisia, “aquela homenagem que o vício presta à virtude”, na feliz expressão de Machado de Assis. Ao condenarem a nova orientação do STF, não falem em defesa dos direitos de pobres, negros ou brancos. Esses não têm dinheiro para pagar advogados e levar as suas condenações até os tribunais superiores. Vocês estão defendendo, na verdade, os seus clientes abastados, atuais ou em perspectiva, a quem era dado o luxo de empurrar a punição dos seus crimes até a prescrição.
Tenho entrado em muitas discussões com Clemente Rosas, mas vejo-me agora em absoluta concordância com o comentário dele.
A velha/nova discussão sobre a liberdade/segurança/sociedade/individualidade. Em relação ao STF, estou com o filósofo da Unicamp, o Marcos Nobre, qdo diz q o STF está rompendo os limites pra justamente tentar “limpar” o governo da corrupção. Outra mera ilusão do STF e seu sistema jurídico. Na minha singela opinião, não se corta o mal pela raiz apenas punindo os errantes. Até pq, q moral o STF tem pra querer acabar com a corrupção se o mesmo ultrapassa os limites da justiça ?
Transcrição do voto oral do Juiz Luís Roberto Barroso na reunião do STF. Argumentação impecável.
http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/2/art20160218-01.pdf