João Humberto Martorelli

Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Transcrevi o texto constitucional de forma exata, para afirmar que o Supremo Tribunal Federal, ao admitir a prisão do réu em favor de quem ainda pendem recursos, violou a Carta do país. Não existe interpretação plausível para sustentar o contrário. Aqueles que buscam euforicamente secundar o SUPREMO exercitam viagens hermenêuticas insólitas. Dizer, por exemplo, que os princípios constitucionais se interpretam de forma sistêmica, havendo outras garantias a serem asseguradas em favor da sociedade, e que existem prisões que se podem alongar no tempo, o que provaria a coerência do julgamento da Corte Excelsa, não passa de ciência de ocasião. Os princípios e garantias constitucionais sistêmicas se invocam naquilo e quando a Constituição é omissa, ou quando, não sendo proibida pelo texto constitucional, a interpretação se adéqua no amplo espectro de algum desses princípios ou garantias. Já as prisões admitidas na lei brasileira, basicamente, a prisão em flagrante, a prisão temporária e a prisão preventiva, têm natureza cautelar, servindo antes a instrumento do processo que a à execução da pena propriamente dita. Entendo e concordo com o conteúdo final das festivas manifestações sobre a decisão, a boa causa de se erradicar a impunidade. Mas, de roldão, esse tipo de raciocínio irá prejudicar 240.000 presos existentes no Brasil que sequer foram ainda julgados, a imensa maioria de negros e pobres, os quais, se julgados forem, não disporão de dinheiro para contratar advogados. Por outro lado, 25% dos recursos em matéria penal que chegam ao SUPREMO são providos. Se juntarmos as coisas, veremos que a decisão não é tão justa assim, prejudicando milhares de negros, pobres e inocentes de todas as etnias e classes. Um país justo não se faz com decisões judiciais inconstitucionais, mas com uma Constituição que se respeita e que, se inconveniente ou errada por circunstâncias históricas, sociológicas ou de ordem pública, tem-se a coragem e a eficiência de alterar, no rito. Pode-se dizer que a decisão ora comentada, com a devida vênia dos insignes membros do SUPREMO, se constitui na pá de cal que faltava para o enterro da nação. Que garantias tenho eu, agora, de todas as minhas liberdades, de que, p.e.x, meu dinheiro não será confiscado, confisco que é proibido no texto constitucional, se o SUPREMO entender que ele é importante para repor a economia do país em ordem? No passado, aliás, isso aconteceu, mas o SUPREMO reprimiu. Nos dias de hoje, porém, à vista da novel decisão em matéria penal, e constatando a alegria daqueles que não sabem o que fazem, e nem o que dizem, não teria tanta certeza. O tribunal do recurso derradeiro, a Corte que diz e não se contraria, ao agredir a Constituição, legislar e fazer afagos na opinião pública, não está mais julgando, está ditando.