Clemente Rosas

O Astrônomo (Vermeer).

O Astrônomo (Vermeer).

Temos visto que a sociedade de hoje não se enquadra nos modelos simplórios formulados em nossos tempos de sonho e de esperança.  As classes médias heterogêneas, nos seus diversos graus, em contingente maior que o do proletariado, não mais se ajustam a padrões esquemáticos de comportamento.  Os operários industriais subiram na escala social.  Os barões feudais recolhem-se ao arquivo da História.  O lumpesinato tem outras características, não é mais “reserva” de nada.  E se assim é, para os obstinados em manter uma perspectiva política em suas ações e opções de vida, impõe-se uma corajosa revisão de propostas.

A História nos demonstrou que o controle dos meios de produção pelo Estado, no propósito de eliminar a “exploração do homem pelo homem”, leva a distorções terríveis, como a ineficiência produtiva, a desmotivação para o trabalho, o emperramento e a corrupção da burocracia.  As normas do “partido único”, da “ditadura do proletariado” e do “centralismo democrático” deram causa a crimes hediondos, que por algum tempo permaneceram encobertos.  As ditaduras brutais de Stálin, Ceausescu, Enver Hodja, Pol Pot, a “revolução cultural” chinesa, a “dinastia” Kim na Coreia do Norte, as “democracias populares” da África e do Oriente Médio (que não são democráticas nem populares), todas são produtos sombrios de tal sistema. A dissolução da União Soviética, a reunificação da Alemanha e a desagregação sangrenta da Iugoslávia nos fizeram ver que a harmonia, a paz social e, em boa parte, a prosperidade do mundo socialista eram pura aparência.  Nenhuma esquerda moderna pode mais sustentar aquelas bandeiras.

Por outro lado, é certo que a eliminação dos sinais de mercado, resultante de uma produção totalmente centralizada, não permite que a economia se oriente, no sentido de atender às necessidades humanas, e a falta de concorrência inibe a inovação e a criatividade dos agentes produtivos.  Isso já foi admitido até por Leon Trotsky, em seu exílio mexicano.  Mas reconheçamos: o mercado é aético.  Não se pauta por princípios morais, nem leva a sociedade a uma estrutura mais harmoniosa.   É um mecanismo insubstituível, mas imperfeito.  Por isso, rejeito o tratamento hagiológico que lhe costumam dar defensores dogmáticos da livre iniciativa, e defendo o papel regulador do Estado.

Diante de todo esse quadro, e considerando ainda que nossa experiência recente nos trouxe o fim da ilusão das virtudes de um presidente operário, bem como o reconhecimento do poder da classe média, ao impor o afastamento de uma “presidenta” bisonha, a velha questão se repõe: que fazer?  Que novas bandeiras podemos erguer, já que as antigas estão rotas?

Modestamente, só vislumbro uma: promover a educação em massa.  Esta me parece a única linha de ação com resultados incontestáveis e abrangentes.  Tem toda a razão o senador Cristovam Buarque, ao afirmar que, na economia contemporânea, o cérebro é mais importante que o petróleo.  Não fosse assim, como se explicaria o desenvolvimento de países pobres em recursos naturais, como o Japão e os Tigres Asiáticos?  E como entender as fortunas vertiginosamente formadas por empreendedores individuais, no campo da tecnologia da informação?   Os papéis tradicionais de patrões e empregados se diluem, todos podem e devem ser preparados, por uma educação de qualidade, para escolher seus caminhos.  E a meta da igualdade se preserva,  não como fita de chegada, mas como tiro de partida, na expressão hoje corriqueira.

Já que a caridade inerente aos programas de simples distribuição de renda, como as “bolsas”, não qualifica, não transforma, não liberta os indivíduos, e não promove, na plenitude, a cidadania, a educação é o que nos resta.  Mas não é pouco.