Luiz Otavio Cavalcanti

Olhando de perto, parece pinguela. Olhando de longe, pode ser travessia. Ambas envolvem um rito de passagem. Com suas formalidades. E conveniências.

O cheque forte oficial acabou. O gasto primário da União (excluídos os juros) era de 11% do PIB em 1991. Em 2016, representa 20% do PIB. Dobrou em menos de vinte anos. Virou choque de realidade.

A PEC do teto de gasto não é só do gasto. É da qualidade do gasto. Porque ela vai ajudar a dar transparência ao conflito distributivo. Por exemplo: o grosso do gasto em educação está fora da PEC. Porque o gasto em educação está determinado constitucionalmente. Não há como diminuí-lo.

Mas os professores estão lutando contra a PEC. Corporativamente. Por que? Porque certamente vão ter que gastar melhor os recursos não obrigatórios. Selecionar prioridades.

Ainda sobre educação: no Brasil, a transferência de recursos públicos para a classe média alta que estuda em universidades gratuitas é relevante. Até quando?

Olhando de perto é pinguela. Um ministro do Supremo, monocraticamente, tenta derrubar o presidente do Senado. O Pleno do Tribunal retifica a decisão singular. E mantém o Cesar no cargo.

Mas não se pense que foi a força pessoal de Renan que o manteve lá. Não. Foi a circunstância. A circunstância institucional. O fato circunstancial da institucionalidade. Foi melhor adequar a decisão ao fato. Que configura uma arquitetura política. Cujos calculistas viraram artesãos de obra impensável. Vá lá. Mesmo com alguma poeira sobre a mesa translúcida da lei.

Prevaleceu a conciliação. O recurso conciliatório é uma das alças culturais com que o engenho brasileiro carrega a República. É desse modo, por aproximações, que a nação evita rupturas. Ladeia confrontos sociais. E pavimenta a evolução política. Ainda que pelo alto, como disse Michel Debrun.

Olhando de longe é travessia. Senão vejamos: a Justiça nunca esteve tão próxima dos poderosos quanto agora. Barrou-lhes o caminho temerário da corrupção. Escancarada nuns casos. Sub-reptícia noutros casos. Investigada e julgada em todos os casos. Fossem baronetes da política. Fossem capitães de empresas.

Olhando de longe é possível enxergar faixa de asseio onde antes havia lixo da História. É possível perceber clareza onde antes havia manipulação fiscal. É preciso ver limites onde antes havia maquiagem.

Afinal, não estão presos apenas ladrões de galinhas. A fila cresce: ex ministro, ex governador, ex senador. E, agora, chega a vez dos Tribunais de Contas. Não é pouco.

Por seu turno, a taxa de inflação tende ao centro da meta em 2017. Abrindo caminho para a queda de juros. Despertando a confiança dos investimentos produtivos. O setor externo tem superávits. O PIB deve crescer 1% no próximo ano. É pouco? É, mas a reconstrução macroeconômica constitui tarefa penosa. E de paciente tessitura institucional. Destruir é fácil.

Olhando para dentro de nós mesmos, reconheçamos: a conciliação torna-se disfuncional por causa da desigualdade existente na sociedade. O feitio conciliatório perde aparentemente virtude porque aparece o perfil desigual dos brasileiros. E a desigualdade começa dentro do próprio Estado. No privilégio de adendos remuneratórios. E de intoleráveis super salários.

Não há milagre. É fazer o que tem que ser feito. Porque não o foi há dez anos. 2017 não deveria existir. Deveríamos entrar logo em 2018. Mas não tem jeito. Temos que superar a pinguela. E completar a travessia. Há um destino do outro lado. E sabemos para onde vamos.    

(*) Luiz Otávio Cavalcanti é membro do Movimento Ética e Democracia