Como se não bastassem o distritão-tampão, o fundo de financiamento de eleições, a proibição de divulgar pesquisas eleitorais, o desfigurar da federação de partidos e a extrema flexibilização da cláusula de desempenho partidário, eis senão quando suas excelências incluem ainda a chamada “PEC Mulher” no bojo da reforma política em vias de ser votada na Câmara dos Deputados.
Trata-se da PEC 98/2015 aprovada no Senado Federal (PEC 134/2015 na Câmara), que acrescenta um novo artigo, o de número 101, ao Ato das Disposições Transitórias da Carta Magna.
O novo dispositivo reserva a cada gênero (no caso, pela evidência empírica, às mulheres), nas três legislaturas subsequentes à promulgação da emenda, representação nos Parlamentos dos três níveis federativos na proporção não inferior a 10%, 12%e 16% das cadeiras, respectivamente.
O objetivo por trás da proposta é aumentar a participação feminina na política, considerada muito baixa para os padrões internacionais e, em especial, ampliar a presença do gênero nos Parlamentos brasileiros.
Já há uma cota de gênero na legislação eleitoral infraconstitucional brasileira que obriga partidos e coligações a preencherem um mínimo de 30% de candidaturas de cada sexo (Lei Eleitoral, art. 10, §3º), verbatim:
“…cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” (redação dada pelo art. 3° da Lei 12.034/09).
Almeja-se, assim, que a disputa eleitoral tenha um mínimo de equilíbrio relativo entre sexos, não dando margem à predominância excessiva de um sobre outro.
Os resultados práticos desta legislação, todavia, são muito duvidosos (retratados no artigo “Millane, Constância e Juvina”, de nossa autoria). Com efeito, no afã de preencher a cota mínima com o gênero feminino, os partidos saem desesperados à cata de mulheres que se disponham a filiar-se e a candidatar-se por suas hostes.
Essa varredura é feita, naturalmente, sem critério de qualquer ordem: vocação, afinidade programática, representatividade comunitária, dimensão eleitoral, etc. O que importa mesmo é preencher a cota e evitar penalidades.
Para uma prova eloquente de que a cota é meramente proforma basta dizer que os dados do TSE relativos à eleição de 2016 registram mais de 14 mil mulheres candidatas a vereadoras que receberam zero votos, ou seja, nem as próprias candidatas votaram em si mesmas. Participaram como candidatas apenas porque foram cooptadas, não por vontade própria ou por interesse político.
Ao invés de diagnosticar essa cultura de alheamento político-partidário-eleitoral das mulheres, buscando instituir políticas e legislações inclusivas, suas excelências pulam etapas desse processo e já partem para reservar vagas parlamentares para as mulheres.
A cota de gênero desequilibra a competição eleitoral, violenta os fundamentos do modelo proporcional de lista aberta e aumenta suas distorções. O art. 101 da PEC, ademais, é inconsistente e operacionalmente inaplicável. Estas duas assertivas serão analisadas nos textos (II) e (III), em sequência.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
Mauricio Costa Romão tem toda razão em levantar a voz contra mais essas cotas, as quais – o que é ainda mais absurdo – querem tratar como matéria constitucional. Uma demagogia de políticos que querem aparecer com um verniz feminista. Ora, agora somos todos feministas. Precisa é ver se as cotas que já existem funcionam. Este é um país do “faz de conta” em matéria de feminismo. Nem a Lei Maria da Penha teve avaliação de resultados: se fizessem essa avaliação saberiam que tem um lado perverso, de fazer com que algumas mulheres evitem denunciar o companheiro porque sendo ele preso a situação delas piora ainda mais, ficam sem aquele salário do pai para o sustento dos filhos. Na atuação política a discriminação que importa e afeta as mulheres é aquela que é invisível, como Ellen Pao relata magistralmente. Cotas só servem para ocultar e ignorar os verdadeiros problemas da participação das mulheres na política.