Elimar Pinheiro do Nascimento[1]

Contam os corredores do Congresso Nacional que,  em uma noite de inverno de 1988, num restaurante na China, Fernando Collor de Mello sentou-se à mesa com amigos para jantar, entre os quais o seu cunhado, Marcos Coimbra, pai de um dos donos do Vox Populi. Nesse cenário, Marcos teria dito a Collor que sua imagem correspondia em grande parte à imagem do presidente desejado pela população brasileira: alguém novo na política, combatente contra a corrupção e anti-Sarney. Por isso mesmo, caso se candidatasse a presidente no ano seguinte, teria chances de se sair bem. Seria difícil ganhar, mas certamente teria um bom desempenho, pois novo em idade ele era, com 39 anos, embora, na política, nem tanto, pois fora prefeito nomeado de Maceió em 1979 e deputado federal em 1982; tinha fama de inimigo implacável dos “marajás”, embora fosse mais marketing que real, e, finalmente, era o único governador de Estado que o Presidente Sarney não convidava para as reuniões de governadores. Nessa ocasião, pegava o avião, ia até o Hotel Nacional em Brasília, e dava uma entrevista contra o Presidente. O povo, que já odiava Sarney, adorava seu discurso.

A notícia do cunhado o pegava em momento sorumbático, pois entrara em depressão depois que lhe transmitiram que seu sonho de ser candidato a vice-presidente com Mario Covas estava enterrado. O tucano paulista teria sido peremptório: “Não quero esse rapaz perto de mim”.

As eleições de 1989 – ano em que caiu o Muro de Berlim – tiveram 21 candidatos, além de Collor de Melo, que em janeiro daquele ano tinha exatos 2% de intenção de voto. Eram candidatos figuras importantes da República, como Aureliano Chaves e Ulysses Guimarães; aguerridos como Afif Domingos e Mario Covas; populistas como Brizola e Paulo Maluf; representantes da nova esquerda como Lula, Gabeira e Roberto Freire, e mesmo um jovem médico representante do agronegócio, Ronaldo Caiado, além da primeira mulher, Lívia Abreu, do Partido Nacionalista, e o famoso Enéas Carneiro, do Prona, entre outros de menor expressão.

A dispersão dos votos levou a que os extremos fossem favorecidos. De um lado, um líder sindical, ainda socialista (Lula da Silva) e, de outro, um jovem líder liberal (Collor de Mello), sintonizado com o mundo que já estava sob o domínio das ideias liberais desde os inícios de 1980. Os personagens do centro, da socialdemocracia, ou mesmo do tradicional populismo ficaram para trás. Leonel Brizola ficou em terceiro lugar e Mario Covas, do recente PSDB, em quarto.

Aparentemente, o quadro hoje é semelhante. Anunciados ou comentados, tem-se mais de uma dúzia de candidatos, nem todos ainda formalizados. Hoje há figuras que já se candidataram, como Geraldo Alkmin, Marina Silva, Cristovam Buarque, Lula da Silva ou Ciro Gomes. Figuras mais ou menos recentes na política como João Dória, ou sem experiência eleitoral anterior, como Joaquim Barbosa e Valéria Monteiro. E outras figuras políticas antigas, mas que jamais se candidataram à presidência, como Jair Bolsonaro, Fernando Haddad ou Álvaro Dias. Além de técnicos renomados, como Henrique Meirelles e Paulo Rabelo. Já somam mais de uma dúzia, embora não seja ainda certo que todos eles se apresentarão. Em contrapartida, devem surgir candidatos sobre os quais ainda não se fala, além dos tradicionais do PCO e PSOL.

Nas eleições posteriores a 1989, o número de candidatos variou de seis (2002) a 12 (1998), mas em todos estes casos nunca houve mais do que três candidatos expressivos, salvo 2002, em que Garotinho e Ciro Gomes ficaram próximos. Enéas Carneiro (1994), Ciro Gomes (1998), Antony Garotinho (2002), Heloisa Helena (2006) e Marina Silva (2010 e 2014) ocuparam nessas eleições o terceiro lugar. Com destaque para Marina Silva, que obteve mais de 19% dos votos em 2010, e mais de 21% em 2014.   Os outros candidatos, com exceção de Ciro Gomes (2002), Cristovam Buarque (2006) e Luciana Genro (2014), com índices acima de 1%, estiverem sempre abaixo deste percentual.

Os dados das pesquisas de intenção de votos sobre as eleições presidenciais – ainda muito imprecisas, pois nem as regras estão completamente definidas (o STF ainda deverá decidir sobre candidatura avulsa), nem os pretendentes – indicam uma profusão de candidatos que mais se aproxima de 1989. Não deveremos chegar a 22, mas tendemos a superar 12.

Em parte, isso se deve ao fato de que a maioria dos eleitores não tem manifestado preferência por qualquer desses candidatos, com exceção de Valéria Monteiro, Paulo Rabelo e Cristovam Buarque, que ainda não ingressaram na lista dos institutos de pesquisa. A política, os partidos e os políticos estão profundamente desgastados, e há um sentimento de que a maioria dos eleitores busca algo novo, distinto dos políticos que aí estão. Todos, com exceção de Lula, Ciro e Alkmin, julgam-se o novo que o povo procura. Mesmo políticos mais antigos,  como Álvaro Dias, Jair Bolsonaro, Marina Silva e Cristovam Buarque,  alimentam a ideia de serem esse “novo”.

A diferença é que em 1989 tínhamos grandes líderes, políticos de renome, para o bem ou para o mal. Hoje, poucos têm história, respeitabilidade e aceitação. E quando têm uma destas características, não têm as outras, com exceção de Marina Silva. Sobre Cristovam, ausente das listas dos presidenciáveis, não se sabe o grau de aceitação por parte do eleitor.

Parece que estamos ameaçados de repetir, no segundo turno,  o ano de 1989. Naquela ocasião,  tínhamos que escolher entre um líder operário despreparado, com um partido repleto de ideias irrealizáveis, e um líder liberal, igualmente despreparado, sem qualquer vínculo orgânico com o empresariado.  Deu no que deu.

Lembremo-nos que Lula, em 1989, foi para o segundo turno com menos de 17% dos votos válidos. Isso significa que, em uma situação de muitos candidatos, aquele que tiver 20%, ou menos, pode ser conduzido ao segundo turno. Jair Bolsonaro tem hoje cerca de 19%, Lula 30% e Marina 15%.

Assim, em 2018 o País arrisca ter que escolher, no segundo turno, entre um populismo ultrapassado e irresponsável (Lula ou Ciro) e um autoritarismo desraigado e aventureiro (Bolsonaro).  As lideranças responsáveis do centro democrático, mesmo as mais conservadoras, por sua vez, tendem a não se destacar, como resultado da dispersão.

Os oito candidatos do centro, uns mais conservadores e outros mais progressistas, deveriam sentar e definir uma chapa única, aquela que reuniria as condições de ganhar e governar, fazendo as reformas (previdenciária, tributária, educacional, politica e de gestão pública) de que o País precisa. Com um, dentre os nomes já postos, ou outro. Só assim teríamos chances de sair da crise, desamarrar o País e ingressarmos, finalmente, no século XXI. Mas talvez seja pedir patriotismo demais aos nossos políticos.

 

[1] Sociólogo, professor da Universidade de Brasília.