O Chile acaba de fazer mais uma alternância no comando político do país, ao eleger Presidente da República, em segundo turno, o candidato de Direita Sebastián Piñera, como sucessor da socialista Michelle Bachelet. É a segunda vez que isso acontece na sucessão presidencial após o fim da ditadura militar. O mesmo Piñera já havia sucedido à atual presidente, e fez um governo com um programa liberal, mas sem abalar os fundamentos do sistema democrático chileno.
Com a redemocratização, o Chile retomou a sua tradição partidária e foi possível estabelecer uma solida aliança, a “Concertación”, reunindo os democratas cristãos, o partido socialista e outros grupos da esquerda. O primeiro presidente eleito nessa bem-sucedida coalisão foi o democrata cristão Patrício Aylwin (1990), que teve de governar ainda com a constrangedora presença do General Pinochet como Ministro da Guerra. Na sucessão de Aylwin, a frente democrática (Concertación) voltou a eleger o democrata cristão Eduardo Frei, que avançou bastante na consolidação da democracia no país. Somente na terceira quadra eleitoral, a esquerda socialista conseguiu o rodízio, com a hegemonia da chapa e a vitória da Ricardo Lagos. Em seguida foi eleita Michelle Bachelet, também socialista, mas de uma ala mais à esquerda.
Uma curiosidade é que, como agora, o sucessor foi Sebastián Piñera, representante de uma aliança de direita. O grande desafio dos governos da transição política foi superar os enclaves autoritários, como destaca o pesquisador da Flasco Manuel Garretón. Segundo Garretón, esses enclaves eram de naturezas diversas, como a Constituição elaborada pelo regime anterior, atores renitentes como as Forças Armadas, com poder de veto, a força da Direita não democrática, valores socioculturais autoritários ou éticos, relacionados com os problemas dos direitos humanos. Todas essas questões se submeteram a um processo de pressão /negociação que permitiu ir vencendo ou superando os elementos continuístas do regime militar.
Considerando o atual ciclo democrático, a recente eleição de Piñera é a sétima disputa presidencial, com cinco vitórias da aliança de centro-esquerda e duas da direita. Nessa última eleição, a Frente de Centro Esquerda não conseguiu marchar unida e se dividiu em três candidaturas. O Governo, o partido socialista e o partido comunista (Nueva Mayoria) apresentaram como opção o Senador independente Alejandro Guillier. O Centro, representado pela Democracia Cristã, concorreu com candidatura própria e teve um desempenho inexpressivo. A esquerda mais radical criou um novo movimento (Frente Ampla) e foi a grande surpresa do primeiro turno, chegando bem perto de desbancar o candidato do governo. No segundo turno, o candidato oficial dos socialistas não conseguiu atrair os eleitores da Frente Ampla e teve um desempenho aquém do esperado. Na verdade, não houve esforço por parte de Frente Ampla para somar votos para A. Guillier. Na campanha do segundo turno, a Jornalista Sanchez, candidata da esquerda radical, com mais de 20% dos votos, declarou que pessoalmente votaria em Guillier, mas logo acrescentou “Nós, da Frente Ampla, nos apresentamos como projeto de país, vamos fazer oposição a qualquer um dos candidatos. Não vamos participar do governo, não vamos participar do governo”( El Pais- 18- nov) Trata-se do antivoto, ou seja, do estimulo ao voto nulo.
Nesse clima, Piñera cresceu, aumentou sua vantagem, e prevendo a governabilidade passou a acenar para os eleitores e deputados moderados da Centro Esquerda, isso porque o novo presidente não tem maioria no parlamento. Já na campanha do segundo turno, abriu a perspectiva de discutir a polêmica gratuidade do ensino universitário promovida por Bachelet (El Pais- 19- nov). Os analistas chilenos e internacionais não acreditam em uma virada radical nas leis sociais e nos direitos civis.
A especialidade do novo presidente é a economia, cujos fundamentos ainda não foram mudados, substancialmente, em relação aos deixados por Pinochet. A expectativa é que haja uma redução de impostos para cumprir seu programa de modernização das empresas. O Chile tem uma situação fiscal favorável em relação ao seu entorno na América Latina, embora hoje esteja um pouco alterada, considerando o seu próprio padrão. O importante mesmo é que quase todas as análises apontam para mudanças com base no receituário liberal, com negociação no Parlamento, porém, longe de rupturas radicais.
Sociólogo e pesquisador do Centro Josué de Castro
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