A marca do carnaval é a irreverência e o humor, a sátira das fantasias ironizando e desmascarando o mundo real, ganhando neste ano um papel especial de catarse com a desgraça nacional. Se esta brincadeira está em todos os blocos e nas iniciativas expontâneas de cada folião, não poderia faltar naquela que é a mais organizada e estruturada das manifestações do carnaval: a escola de samba. A Escola de Samba é uma ópera popular em movimento, com um enredo, ou libreto, música e letra que dão unidade às alegorias e às fantasias. Combinando arte e carnaval, a Escola de Samba costuma expressar a vida e os problemas sociais do Brasil, ganhando, quase sempre, alguma conotação política ou social. No desfile deste carnaval da Marquês de Sapucaí, várias escolas de samba trouxeram para a passarela os dramas e conflitos do Brasil contemporâneo. Num momento tão difícil da história política, econômica e social do país, que atinge o paroxismo exatamente no Rio de Janeiro, não poderia ser diferente. A campeã de 2018, a “Beija-flor”, criticou as várias mazelas e angústias dos brasileiros, “Os Filhos Abandonados da Pátria Que Os Pariu”, apresentando cenas teatrais do cotidiano dos brasileiros em seus carros alegóricos. E a “Paraíso do Tuiutí”, vice-campeã, apresentou um belo samba enredo de critica ao escravagismo, anunciando-se como a “sentilena da libertação”: “Liberte o cativeiro social/Não sou escravo de nenhum senhor/Meu Paraíso é meu bastião/Meu Tuiutí o quilombo da favela/É sentinela da libertação”. Entretanto, se o belo samba-enredo fez uma delicada crítica poética, os carros alegóricos foram diretos e explícitos, responsabilizando simploriamente o atual governo federal por um “novo escravagismo”, de forma grosseira e panfletária. Evidente que a crítica social e as manifestações políticas são parte de uma ópera carnavalesca como as escolas de samba, principalmente num país tão desagregado. Como catarse, a escola satisfez a plateia. Mas, sendo arte, não deveria prescindir de sutileza e elegância.
Sobre o autor
Postagens Relacionadas
Postagens recentes
-
A turbulência de céu clarodez 20, 2024
-
Balanço positivo de fim de anodez 20, 2024
-
Venezuela: suspense numa autocracia caóticadez 20, 2024
-
Chuquicamata, Patagônia, Índios Alacalufesdez 20, 2024
-
Com a Palavra, os Leitoresdez 20, 2024
-
Ceia Natalina, Proust e Polarizaçãodez 20, 2024
-
Última Páginadez 20, 2024
-
O acordo que pode transformar o Brasildez 13, 2024
-
Um islamismo com temperança e liberdade?dez 13, 2024
Assinar Newsletter
Assine nossa Newsletter e receba nossos artigos em seu e-mail.
Alcides Pires A Opinião da Semana Aécio Gomes de Matos camilo soares Caruaru Causos Paraibanos civilização Clemente Rosas David Hulak democracia Editorial Elimar Nascimento Elimar Pinheiro do Nascimento Eli S. Martins Encômio a SPP Estado Ester Aguiar Fernando da Mota Lima Fernando Dourado Fortunato Russo Neto Frederico Toscano freud Helga Hoffmann Ivanildo Sampaio Jorge Jatobá José Arlindo Soares José Paulo Cavalcanti Filho João Humberto Martorelli João Rego Lacan Livre pensar Luciano Oliveira Luiz Alfredo Raposo Luiz Otavio Cavalcanti Luiz Sérgio Henriques manifestação Marco Aurélio Nogueira Maurício Costa Romão Paulo Gustavo Política psicanálise recife Religião Sérgio C. Buarque Teresa Sales
comentários recentes