Paulo Gustavo

A nossa recente Era Digital, assim como a própria web, sua filha, têm passado rasteiras fabulosas nos seus usuários. As redes sociais que o digam. Elevam a altíssima potência a “aldeia global” entrevista e prevista por McLuhan. O longe está a um clique. O mundo está à mão, literalmente. E parece que ninguém, ninguém mesmo, preparou-se para isso. A velocidade das mudanças nos premiou com grandes hiatos. Nem mesmo os jovens escapam. Não evidentemente porque não tenham familiaridade com computadores, smartphones e afins, mas justamente por serem jovens. Quanto aos mais velhos, como eu próprio, melhor guardar uma educada reticência… O fato é que estamos todos na perigosa etapa do deslumbramento, o que faz com que nos peguem de calças na mão, picados por uma curiosidade tão grande quanto a nossa própria inépcia. Para usar uma imagem, é como se tocássemos rudimentarmente um refinado instrumento. Não é à toa que sofremos rasteiras em série.

É de se notar que a parceria ou a interação de cada um de nós com a máquina (computadores, smartphones, etc.) passa-se no que chamo de “cena íntima”, que, em alguns casos, além de lúdica, é até idílica, e na qual não nos damos conta ou nos esquecemos da presença invisível do mundo. Há, portanto, uma confiança quase infantil nessas relações. É como se ilusoriamente houvesse quatro protetoras paredes ante o olhar digital, que tudo escancara. Com efeito, o olhar onipresente das câmeras tem revelado ao mundo a intimidade que se quer inviolável. A contradição emerge como uma nefasta espuma. O que antes se diluía no efêmero ou em mera lembrança individual, subjetiva, íntima, se transforma num peso que já não pode ser carregado sem vexame, ou seja, num fato absolutamente indesejado. Jovens derrapam por serem jovens, e os mais velhos, nesse caso, muitas vezes mal se dão conta de que são puros joguetes de seus próprios artefatos digitais. O verbo mais conhecido e associado, para muitos desses casos, é “vazar”. Enfim, é como se houvesse “furos” sempre incontornáveis, sempre surpreendentes. Na verdade, são pontos cegos para quem por si mesmo já não enxerga muito bem. O noticiário não nos deixa ilusões. E os desgostos se multiplicam.

Um modo desajeitado de usar as redes sociais é justamente não definir ou não compreender os limites entre o que é social ou puramente pessoal. A falta da presença física e facial induz a deslizes que vão da simples inconveniência à falta de educação e ao esnobismo ou à vaidade sem fronteiras. Sem uma face viva e complexa como a face humana para interagir, é muito mais fácil perder o bom-senso e sentir-se empoderado para desconsiderar o outro, apassivando-o, fazendo-o uma “vítima” de nossas autoimposições, muitas até inconscientes. Pelas redes sociais é muito mais fácil rasgar a etiqueta. É mais fácil ignorar a reciprocidade. Repete-se, outra vez, o equívoco da “cena íntima” a que já me referi. De agora por diante, nossas referências privadas têm, para o bem e para o mal, um canal direto com a praça pública.

Outro ponto passível de reflexão é o uso coloquial da linguagem escrita, quer de um modo formular (repetição de lugares-comuns e de textos padronizados) ou de um modo espontâneo. No primeiro caso, as pessoas se apropriam de alguns textos, sem muitas vezes perceber o ridículo ou o equívoco a que se expõem. Já no caso da espontaneidade, o perigo ainda é maior: as palavras mais pessoais ficam gravadas na memória digital, sempre sensível a nos biografar sem qualquer escrúpulo e sempre disponível a manipulações e descontextualizações. O arrependimento, mesmo explicitado, é uma falha para os outros e para si mesmo. O hibridismo da oralidade e da escrita nos diálogos é um terreno fértil para apanhar os boquirrotos, os precipitados, os desesperados, os ansiosos. A polissemia e a ambiguidade como aves de rapina sobrevoam nossos textos digitais trocados pelas redes. Qualquer descuido, elas rirão de nós como vigorosas hienas.

As redes sociais também parecem passar uma imagem de algo totalmente livre, sem os habituais recalques de uma comunicação presencial, como se textos e imagens circulassem num mundo paralelo, num clima de liberação. Trata-se de uma visão romântica e perigosa, mesmo quando tratamos com amigos ou conhecidos. A utopia de uma terra sem dono e sem lei ou de uma ilha igualitária e feliz é outro grande equívoco e vem gerando dissabores tão ou mais intensos que os da vida real. Lembremos aqui a emergência dos “haters” e dos moralistas de plantão, sempre focados no que é negativo, repressor e cruel. Lembremos ainda dos “voyeurs” que nos espreitam e dos ladrões e golpistas de todos os gêneros…

Finalmente, penso que as redes sociais fazem aflorar, justamente pela rápida justaposição de vizinhanças tão díspares e tão semelhantes, aquilo que Freud chamou, com grande propriedade, de “o narcisismo das pequenas diferenças”. Nessa esteira, lembro novamente McLuhan, para quem o meio não era só a mensagem, mas era também a massagem (sic), a fricção; nas suas palavras, o meio “se apodera da população e a massageia ferozmente”. Muito antes das redes, McLuhan antecipou que “uma das peculiaridades de um ambiente eletrônico é que as pessoas ficam tão profundamente envolvidas umas com as outras que acabam perdendo o senso de identidade privada”. É nesse sentido que acho que as redes são um lugar privilegiado para a fricção dos narcisismos apequenados. É nessa fricção que alguns se agigantam ou julgam se agigantar para logo, em seguida, também se dissolver como ondas desmaiadas e ofendidas. (Coincidentemente, no exato momento em que escrevo encontro no Uol Estilo de Vida um texto de Luciana Bugni cujo título fala por si mesmo: “WhatsApp: é tanta briga que a onda agora é sair dos grupos, já percebeu?”).

Enfim, talvez seja preciso observar que as redes sociais — embora a utilidade que possam ter se pensarmos em termos de informação e comunicação — são bolhas (tribos) e espelhos que nos confortam e nos aproximam. O problema é justamente o excesso de aproximação. Problema paradoxalmente crucial para o ser social que somos. As bolhas estouram, e os espelhos, a rigor, nem sempre mostram quem somos. E isso talvez seja a maior das ciladas.