Elimar Pinheiro do Nascimento

Há quase um ano estou participando de um estudo sobre os impactos dos empreendimentos hidrelétricos na região hidrográfica do Paraguai, onde se situa o Pantanal. Tenho entrevistado dezenas de pescadores, e me chama atenção como o passado é retratado comparativamente ao presente. Este sempre em cores sombrias, aquele em cores efusivas. Surpreende-me menos o fato do que a escala das diferenças. O mesmo estaria ocorrendo em relação ao retrato que hoje fazemos da situação política?

Hoje, em tudo que é esquina, escuta-se:  “ninguém está entendendo nada”. Com variações diversas: “ninguém sabe onde vai dar isso”, “a situação está absolutamente confusa”, “mente quem diz que está entendendo alguma coisa”. Referindo-se à situação política atual, em que proliferam candidatos de todos os matizes, as frases denotam, sobretudo, as incertezas e angústias que as pessoas sentem em relação ao nosso futuro próximo. E com a afirmação de que “nunca vimos uma situação similar, de total incerteza”, tenta-se distinguir a atual situação de outras anteriores, como absolutamente diferentes. Desconfio que as diferenças existem, mas são menores.

Em 1982 o País inteiro tinha apenas uma certeza em relação às eleições daquele ano: a vitória de Marcos Freire em Pernambuco. Uma unanimidade, que foi derrotada pelo sisudo e mau humorado Roberto Magalhães. Nas eleições presidenciais de 1989 tinha-se uma certeza, Brizola estaria no segundo turno, e a incerteza era: com quem? A Globo apostou em Mário Covas, que divulgou um belíssimo discurso: O Brasil precisa de um choque de capitalismo. Que, aliás, ganhou meu voto. Como Covas não saía do lugar,  a Globo mudou para Afif Domingos, que utilizava um recurso novo, a linguagem para surdo-mudo. Também não saiu do lugar. Enquanto isso, Collor de Mello, em paralelo, subia. A Globo, desesperada para encontrar um candidato que vencesse Brizola, começou a apoiá-lo. Já era junho. Brizola não foi ao segundo turno, em seu lugar foi Lula, com pouco menos de 17% de intenções de voto, em meio a 22 candidatos. Cristovam Buarque venceu o candidato do invencível Roriz, em 1994, quando tinha em janeiro apenas 2% das intenções de voto. O mesmo percentual que tinha Marconi Perillo, de Goiás, em 1998, quando venceu o invencível Íris Rezende, que tinha no início daquele ano 67% de intenções de voto.

A história eleitoral recente do Brasil está repleta de casos similares, em que os resultados eleitorais foram o inverso do que a mídia propalava, e os cientistas e analistas políticos previam. E mesmo do que pesquisas eleitorais diziam. Não faltam casos, pois eleições são assim, um mar de incertezas. E as atuais não são diferentes.

A diferença é que, em situações pretéritas, apesar das incertezas, éramos imbuídos de expectativas que, em alguns casos, ganhavam foros de certezas, como no caso de Marcos Freire e Brizola. Depois, éramos pegos de surpresa. Hoje, dominam as perguntas, as dúvidas, e não conseguimos formular expectativas claras. Sem estas, mesmo que falsas, nos sentimos inseguros. Somos possuídos por um sentimento de mal-estar. Hoje, ao invés de expectativas temos muitas dúvidas. Marina chegará ao segundo turno sem tempo de TV? Bolsonaro conseguirá feito similar? E, em lá chegando, terá alguma chance de ser eleito? E Lula, insistirá até quando na sua candidatura? Seu plano B, que afirma não existir, incorpora o apoio a Ciro? Alckmin conseguirá ser poupado de escândalos maiores de corrupção? Sairá da mediocridade dos 6%? Ainda teremos alguma surpresa, já que as “surpresas esperadas”, Luciano Huck e Joaquim Barbosa, se foram?

Dúvidas muitas em relação ao Executivo, que são menos numerosas em relação ao Legislativo. Aqui reina uma expectativa, que ganha facilmente ares de certeza: as regras favorecem os que já são parlamentares (campanha curta e dinheiro muito para os grandes partidos), e a renovação será bem menor do que o esperado por aqueles que desejam uma renovação da política. Aliás, a maioria dos movimentos que se formou recentemente nesta direção é repleta de boas intenções, e nem tanto de eficiência. Estes movimentos serão decepcionados. E, com eles, boa parte da opinião pública.

A diferença, portanto, entre a situação atual e as pretéritas, não se encontra tanto na incerteza do que se passará nas eleições, quanto no fato de que hoje temos um punhado de dúvidas, que impede de construímos expectativas que nos deem conforto, mesmo falsas. Afinal, adoramos o autoengano. Tema sobre o qual o Giannetti tem um livro, de 1997, que recomendo. E temos dificuldade, quase que genética, de conviver com a incerteza, sobre a qual o nosso esquecido Marquês de Maricá dizia que “à incerteza que nos incomoda, preferimos o engano”. Por isso, o desafio de Przeworski, constante de título de artigo publicado nos idos dos anos 1980, não é fácil de ser enfrentado: ”Ama a incerteza e serás democrático”.

Afinal, as dúvidas mais importantes residem mais adiante: o Presidente eleito terá condições de conduzir as reformas que o País necessita, ou caminharemos para uma crescente desagregação social? O corporativismo imperante, tanto no setor público quanto no privado,  será vencido, permitindo que se façam as reformas indispensáveis: política, previdenciária, trabalhista, tributária e da gestão pública? A educação, ciência e tecnologia serão transformadas em prioridades nacionais, permitindo ao país dialogar com as imensas inovações tecnológicas que se processam no mundo? Conseguiremos combater de forma efetiva a pobreza e a desigualdade social?