Em 1980, o poeta Jo?o Cabral de Melo Neto publicou livro no qual consta o poema A Escola das Facas. O poema come?a assim:
?O al?seo ao chegar ao Nordeste
Baixa em coqueirais, canaviais;
Cursando as folhas laminadas,
Se afia em peixeiras, punhais?.
Mal sabia o poeta que faca se tornaria met?fora da democracia. Trinta e oito anos depois.
Segundo Karl Polanyi, economias capitalistas produzem mudan?as perturbadoras. E as sociedades lutam para se adaptar a elas. Tal tarefa n?o cabe aos mercados. Compete aos governos. Entidades retificadoras, que s?o. Encarregadas de corrigir desigualdades.
O futuro da democracia est? na capacidade de governos produzirem espa?os de equil?brio social. Os extremos da riqueza e mis?ria produzem extremos de ira pol?tica.
O futuro da democracia est? na capacidade de lidar com uma classe m?dia com risco de desaparecer. Classe m?dia ? consumo. ? destino da produ??o. ? viga econ?mica. E ? tamb?m opini?o p?blica. Ju?zo social. Viga pol?tica.
Este conceito de classe m?dia exige a supera??o da mis?ria. Imp?e sensibilidade para vencer os bols?es de pobreza. Requer a ado??o de pol?ticas sociais firmes e continuadas. Incorporando os sem teto. Fazendo justi?a. Aqui, a pol?tica depende da economia. Mas, logo adiante, a economia depende da pol?tica. Sem faca.
Quando se diz que o teto de gasto ? antissocial busca-se enganar o povo. Porque todo mundo sabe que teto de gasto ? sele??o de prioridades. Ou voc? d? aux?lio moradia a quem ganha mais de R$ 30 mil ou voc? garante o esparadrapo no hospital. Ou voc? paga a lavagem dos autom?veis de parlamentares ou voc? garante a verba para blindar o museu de inc?ndio. ? uma quest?o de escolha. Sem faca.
Institui??es existem para dar funcionalidade ao Estado. E precisam de ajustar-se continuamente ?s mudan?as trazidas pela tecnologia, por novos costumes. Para isso, ? essencial eliminar privil?gios de outras eras. Porque abre-se um novo tempo. Que vem com as transforma??es sociais. O que n?o d? ? manter privil?gios de um Estado que se alimenta a si pr?prio. E querer ampliar pol?ticas sociais. Os or?amentos p?blicos n?o suportam.
A ira pol?tica nasce na pobreza. Mas ? amplificada no messianismo. O l?der messi?nico ? a anti pol?tica. Porque promete o que n?o pode entregar. ? mistificador. Mitificador. Come?a no autoengano. Prossegue na afronta ? lei. Termina em dor. Ora, a lei ? a base da democracia. Esta ? uma responsabilidade que envolve a todos. Sem escapat?ria.
O Brasil nem quer faca nem quer messianismo. Parece que os brasileiros esqueceram o que ? utopia. Paremos um pouco. Fa?amos uma reflex?o. Busquemos a utopia da paz coletiva. Com afeto pessoal. Sem faca.
…
Inspirada em versos cabralinos (do João), uma voz humanista com os pés no chão.
Mas, sensato L. O. C., onde ouvir o eco da sensatez em um país conflagrado nos “extremos das desigualdades e da ira política”, os quais fertilizam crenças em salvacionistas portadores de missões autoproclamadas?
Abraço, Sérgio A.
Prezado Luiz Otávio!
Gostei muito do seu texto.
Muito.
Sou muito sensível à “ira” que você evoca.
Ando lendo muito sobre a Revolução Francesa, evento que começou em 1789 e, segundo alguns autores (François Furet, por exemplo), só terminou depois da Comuna de Paris, quando os derradeiros irados foram fuzilados no cemitério de Père Lachaise…
Tenho muito medo da ira, e ao mesmo tempo tenho horror à insensibilidade, à arrogância, aos hábitos escravocratas das nossas (vou simplificar) classes dominantes…
Vamos ver o que vai sair das urnas em 7 de outubro próximo!
Cordialmente,
Luciano Oliveira