Frederico Toscano

O domínio total do violino, o carisma exótico e a mística pessoal do compositor genovês Niccolò Paganini (1782-1840) criaram o modelo para o virtuose romântico. A maior parte de sua música imaginativa e elaborada é raramente executada nos dias de hoje pela dificuldade de interpretação – poucos se arvoram a enfrentar os desafios de suas partituras sobre-humanas. Contudo, ele estimulou uma geração de compositores – entre eles Fryderyk Chopin (1810-1849), seu fã de carteirinha – a usar a técnica instrumental como elemento expressivo essencial e característico de sua obra.

O talento de Paganini foi modelado com rigor pelo pai, que o obrigava a estudar violino obsessivamente, ameaçando-o de ficar sem água e comida, além de outros castigos severos, como o espancamento. Quando tinha apenas nove anos de idade saiu de Gênova para Parma a fim de estudar com o famoso violinista Alessandro Rolla (1757-1841). Assim que lá chegou, após ter executado o mais recente concerto de Rolla à primeira vista, o velho mestre aconselhou-o a continuar os seus estudos em composição: “Nada tenho a lhe ensinar, meu menino. Vá procurar Fernando Paër”, um compositor renomado na região por suas óperas e oratórios.

Embora tenha adquirido grande habilidade, foi só em 1809 – depois de um longo período como músico da irmã do general Napoleão Bonaparte (1769-1821) – que Paganini se tornou um virtuose itinerante. Por sinal, a história de amor entre Paganini e a princesa Elisa Bonaparte (1777-1820) virou tema da opereta “Paganini” em 1925 do compositor austríaco Franz Lehár (1870-1948).

Mesmo depois de uma estreia triunfante em Milão, o gênio do violino – também um apreciado violonista – continuou a fazer turnês pela Itália esporadicamente. Lançou sua carreira internacional apenas aos 46 anos – hipnotizando plateias pela Europa e acumulando uma imensa fortuna. Todos queriam ver o “feiticeiro” ao violino.

Apesar de as entradas para seus concertos custarem mais do que a média, o público brigava para comprá-las e chegava a rasgar a roupa de Paganini para guardar um pedaço como lembrança – nascia o primeiro “superstar” da história da música. As lojas faturaram habilmente com a febre Paganini. De repente, absolutamente tudo é “à Paganini” – come-se filé “à Paganini”, existe “goulash Paganini”, “assado Paganini” e “torradas Paganini”. Em todas as vitrines encontravam-se retratos e cartões-postais de Paganini, sobre bombonières, latas de tabaco, latas de talco, gravatas, guardanapos, estojos, cachimbos e tacos de bilhar. Londres, Polônia, Boêmia, Paris, Viena: em todos os lugares ele foi aclamado freneticamente.

Paganini ficou famoso também pelo seu estilo da vida rebelde e aventuras amorosas, frequentemente gastando todo o seu dinheiro em jogos e diversões noturnas. Chegou até a ser preso por ter sequestrado uma jovem genovesa. Ficando sempre endividado, certa vez foi forçado a penhorar o seu violino – tendo que pedir emprestado o instrumento de um amigo para tocar em público. Quando o amigo o ouviu tocar, ficou tão entusiasmado que lhe deu o violino de presente – um valiosíssimo Guarnieri del Gesù (nome de um renomado fabricante da época) que acabou se tornando o violino preferido de Paganini. Ele o chamava de “Cannone” (canhão, em italiano) devido à sua potência sonora. Depois desse episódio, Paganini parou de jogar e, em vez disso, ajudou artistas pobres. Numa ocasião, quando conheceu o compositor francês Hector Berlioz (1803-1869) em Paris, deu vinte mil francos ao músico, que estava passando por dificuldades.

Sua música espetacular exibia um virtuosismo assombroso, dando margem a rumores de que tocava sob intervenção diabólica. Embora tenha composto seus Caprichos para violino solo por volta de 1805, Paganini os guardou muito bem em segredo, publicando-os apenas em 1820, como seu primeiro opus, quando provocativamente dedicou-os “aos artistas” – sabendo que poucos, se algum, de seus contemporâneos seriam capazes de executá-los. Cada um deles é uma mini obra-prima, explorando um aspecto diferente da técnica do violino, e juntos fornecem um compêndio quase completo das possibilidades do instrumento. A seguir foram selecionados quatro dos 24 Caprichos para ilustrar a dificuldade e beleza dessas pequenas pérolas.

Capricho nº 1 em Mi maior (Andante), apelidado de “O arpejo” – Nesta composição, os golpes do arco utilizam sua elasticidade natural para deixá-lo ricochetear sobre as quatro cordas do violino, a partir dos impulsos aplicados pelo violinista. A peça abre em Mi maior e, em seguida, transita rapidamente para uma seção de desenvolvimento em Mi menor, quando as escalas descendentes em terças são introduzidas:

Capricho nº 13 em Si bemol maior (Allegro), apelidado de “A gargalhada do diabo” – A peça começa com uma escala de corda dupla em velocidade moderada. A segunda parte surge com uma maratona de alta velocidade que exercita a flexibilidade da mão esquerda e mudanças de posição, assim como a troca veloz de corda na mão direita e a habilidade com o staccato:

Capricho nº 17 em Mi bemol maior (Sostenuto / Andante) – A primeira seção toca numerosas notas sobre as cordas Lá e Mi que dialogam de um lado para outro com execução da técnica de corda dupla sobre as duas cordas inferiores. A seção central é famosa pela passagem inacreditavelmente difícil das oitavas:

Capricho nº 24 em Lá menor (Tema: quasi presto / Variazioni I–XI / Finale) – O tema desta peça é bem conhecido e foi usado como base para obras de uma ampla variedade de compositores. Este capricho usa uma vasta gama de técnicas avançadas, como escalas e arpejos tremendamente rápidos, cordas duplas e triplas, pizzicato na mão esquerda, oitavas e décimas paralelas, deslocamentos rápidos e cruzamentos de cordas:

Requerendo mão grande e flexível para vencer suas dificuldades técnicas, poucos músicos tocaram os Caprichos integralmente, mas sua influência vai bem além do violino; Franz Liszt (1811-1886) e Robert Schumann (1810-1856) escreveram transcrições de piano para deles, e o tema do Capricho final foi usado em obras famosas de compositores como Johannes Brahms (1833-1897), Sergei Rachmaninoff (1873-1943), Witold Lutos?awski (1913-1994) e Andrew Lloyd Webber (1948-).

Considerado por muitos o melhor violinista de todos os tempos, o estilo de vida de Paganini associado à sua técnica brilhante e à sua aparência mefistofélica – aspecto delgado, cabelos longos, negros como piche, seu rosto anguloso com o grande nariz, os olhos escuros penetrantes – deram origem a boatos de que o seu virtuosismo era devido ao tal pacto com o diabo. É mais provável que ele fosse portador de uma doença, a Síndrome de Marfan, cujos sintomas típicos são os dedos particularmente compridos e magros – fenômeno conhecido como “aracnodactilia”.

Os últimos anos de Paganini foram passados em Nice, na França. Apesar de muito rico, ficou doente de tuberculose e quase não podia falar. Lá faleceu aos 57 anos. As autoridades eclesiásticas não permitiram que Paganini fosse sepultado em solo sagrado, já que ele tinha fama de ser um aliado do demônio durante toda a vida. Apenas muitos anos depois seu único filho, Achille, conseguiu sepultar o pai em Parma. Em contrapartida, a Igreja exigiu a fortuna restante da arte “encantada” de Paganini que estava com o filho, uma quantia equivalente hoje a cerca de um milhão de dólares.

As obras de Paganini, notadamente os Caprichos, por muito tempo foram consideradas impossíveis de serem executadas. Somente 50 anos após a sua morte um violinista conseguiu tocá-los de acordo com a composição original. Atualmente, são os sonhos de consumo de qualquer violinista. Sendo um dos primeiros instrumentistas do romantismo musical, Paganini mostrou a pianistas do quilate de Franz Liszt – o maior pianista da história – uma nova forma tocar, explorando a técnica e a virtuosidade de um instrumento. Seu amado violino “Cannone” pertence hoje à prefeitura de Gênova, cidade natal de Paganini, permanecendo protegido dentro de um cofre e raramente sendo exposto. É tocado apenas por grandes e seletos violinistas sob licença rigorosa do governo genovês, como os virtuosi Salvatore Accardo e Shlomo Mintz.

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