Sérgio C. Buarque

O lulismo é uma poderosa força política, quase uma religião, formada em torno do mito do ex-presidente Lula. Apesar da prisão do seu ídolo e da desmoralização dos governos do PT, o lulismo garantiu quase 30% do eleitorado para levar Fernando Haddad ao segundo turno das eleições presidenciais. Maior que o lulismo, contudo, é rejeição ao PT, o antipetismo formado pela indignação de parcela significativa da população brasileira (incluindo milhões de ex-eleitores do PT) com a arrogância, a manipulação de narrativas, a corrupção, o desastre econômico e a sistemática tentativa de desqualificar todos os eventuais críticos dos seus governos. O lulismo, mesmo sem a atuação direta de Lula na campanha, conseguiu levar o PT ao segundo turno. Mas o antipetismo, inicialmente disperso em várias candidaturas, foi sendo monopolizado por Jair Bolsonaro, um político medíocre do baixo clero da Câmara de Deputados que conseguiu expressar a rejeição ao PT a ponto de assumir a liderança eleitoral no primeiro turno e se destacar agora com folga no segundo. Menos por mérito seu e mais por incompetência dos outros candidatos, Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva, que não conseguiram atrair os votos de rejeição ao PT, em parte também por estarem identificados com a velha política. O resultado foi esta avalanche de votos para Bolsonaro, apesar do seu visível despreparo para liderar o país com tantos desafios e das suas declarações e posições políticas reacionárias e violentas.

O segundo turno, confrontando os dois fanatismos, mostra uma lamentável intensificação da polarização e da radicalização política, com a explosão de intolerância ao longo da campanha. Bolsonaro avança agora como favorito nas pesquisas porque o lulismo chegou ao seu limite e porque o PT não teve capacidade e disposição para negociar um projeto de coalisão com algumas respeitáveis lideranças e forças políticas de centro. Uma desconfiança mútua, acumulada em décadas, impediu um entendimento que apresentasse ao eleitorado uma alternativa confiável e serena para derrotar o candidato do PSL. A realidade se impõe e não se pode alterar o passado. Mas, vale a reflexão: se o adversário de Bolsonaro neste segundo turno fosse algum dos outros candidatos desidratados no primeiro, o clima de intolerância seria bastante atenuado, pela retirada de cena de um dos polos do fanatismo. E a julgar pelas pesquisas, qualquer um dos outros candidatos, exceção talvez de Marina, teria chances reais de ganhar as eleições, poupando o Brasil dos riscos de um governo de Jair Bolsonaro.

Este acirramento dos fanatismos neste segundo turno deve deixar marcas profundas na sociedade brasileira para além da disputa eleitoral.E deve, principalmente, contaminar a vida política e as instituições brasileiras, dificultando a governabilidade (que exige negociação e entendimento), independente de quem venha a assumir a Presidência da República. A vitória eleitoral sobre as ruinas da racionalidade e da tolerância não facilita a distensão política e o desarmamento dos espíritos, fundamental para o futuro do Brasil.