Sérgio C. Buarque

O voto nulo no segundo turno das eleições presidenciais não significa neutralidade. O voto nulo é a rejeição das duas candidaturas que sobraram depois da avalanche do primeiro turno, com alta carga emocional em favor de dois polos amplamente rejeitados. Não voto em Jair Bolsonaro pelo que ele tem sido e pelo que ele é, independentemente do seu programa de governo e do que vem declarando agora, na tentativa de reduzir a desconfiança dos democratas. E não voto em Fernando Haddad, independentemente do que ele é, pelo seu programa de governo, pela sua base partidária e pelo que ele continua defendendo de uma política macroeconômica anacrônica e desastrada,  que levou à maior recessão da história do Brasil,  e ao completo estrangulamento das finanças públicas. A equipe do candidato Haddad, publicada ontem no jornal Estadode São Paulo, mostra uma reedição grotesca dos personagens que dominaram a cena política brasileira durante os governos do PT.

Como a rejeição a Bolsonaro é incontornável (pelo que ele é), esperava que, para o segundo turno, o candidato Fernando Haddad entabulasse negociações sérias com lideranças políticas moderadas e responsáveis, capazes de compor um programa de governo de coalizão, diferente do que foi entregue ao TSE-Tribunal Superior Eleitoral, e divulgado com fervor na campanha para o primeiro turno das eleições. Esperava, principalmente, uma revisão significativa da proposta de política macroeconômicaque apontasse para reformas e ajustes nas finanças públicas. Passada a primeira semana, não houve nenhuma negociação política que indicasse o redesenho de um eventual governo de Haddad. Exceto as falas mansas, renunciando à Constituinte expressa no seu programa de governo, e a substituição do “L” do” Lula livre” pelo “V” (de vergonha?), o candidato do PT continua afirmando que vai anular a emenda constitucional que estabeleceu o teto de gastos e derrubar a reforma trabalhista, além de negar a importância de uma ampla reforma da Previdência.

No seu pronunciamento após a derrota no primeiro turno, Marina Silva afirmou que, a partir de janeiro, estaria na oposição, independentemente  de qual dos dois candidatos ganhasse as eleições. Podemos concluir que ela rejeitaas duas alternativas. Ela talvez se  tenha  precipitado,  porque poderia ter esperado, ou até tentado alguma negociação com Fernando Haddad. Mas agora, quando o cenário está posto, não basta dizer que será oposição a qualquer um dos vencedores. Esta rejeição leva agora ao voto nulo, oposição desde agora aos dois candidatos, e sem nenhuma responsabilidade com o futuro governo. Se, como expressaram alguns intelectuais e políticos, não podemos “ajudar a abrir a porta para o autoritarismo e a intolerância” (Cristovam Buarque), também não devemos abrir o caminho para a volta do populismo econômico que arruinou a economia brasileira, e que ameaça jogar o Brasil no abismo, com todas as consequências sociais e políticas.