João Rego

Nazizumbi.

“O que a época exige não é mais fé, nem uma liderança mais forte, nem mais organização científica. É mais o oposto – menos ardor messiânico, mais ceticismo esclarecido e mais tolerância com as idiossincrasias”(Isaiah Berlin)

E inacreditável que, após duas guerras mundiais no século XX e mais uma infinidade de atrocidades pelos quatro cantos do mundo, a humanidade ainda dê espaços as ideologias antidemocráticas, como o nazismo e derivações do comunismo, como o genocídio cambojano de Pol Pot, ou o socialismo bolivariano que destroçou a Venezuela, dentre outros.

O pior é que cidadãos e cidadãs, ordeiros e ansiosos pela “harmonia social e o progresso da nação”, sejam capturados e, muitas vezes, se transformem em árduos defensores de ideologias extremadas – quer sejam de esquerda ou direita -, aquelas que, com narrativas autoritárias, negam a diversidade humana, agridem o outro que pensa e vive diferente do seu modelo mental, defendem um Estado cerceador das liberdades individuais e têm horror à crítica.

Guiados pelas cegas certezas das suas ideologias, fecham as portas para o mundo civilizado – aquele que nos distingue dos animais.

A onda autoritária que vem varrendo as democracias ocidentais, entre elas o Brasil com Bolsonaro, deve ser contida sob pena de perdermos valores que, ao longo da nossa história, nos elevaram à categoria de humanos. O Nazismo, quando surge na Alemanha, no começo dos anos 30, tinha uma portentosa capa de cultura – Goebbels tinha o doutorado em filosofia pela Universidade de Heidelberg –, as artes foram uma das primeiras frentes por onde a ideologia nazista penetrou na sociedade alemã, destruindo tudo que esteticamente ia de encontro aos ideais de uma raça, buscando uma “harmonia social”, numa sociedade eugenicamente pura. Desta “perfeição ideológica”, foi um passo para a perseguição, depois a eliminação de milhares de judeus, homossexuais, ciganos, enfim todos aqueles que destoavam do seu modelo excludente de nação; tornando-se, finalmente, uma política de Estado, com a “Solução Final” que exterminou, com requintes de eficácia industrial, milhões de judeus em seus fornos crematórios.

Como é possível, após o holocausto, ter alguém que reviva esta ideologia? Para mim, embora suas aparências sejam de humanos, as vezes cultos e com cabelo empoado como os do Secretário da Cultura Roberto Alvim, ou com vasta biblioteca como a de Olavo de Carvalho, tratam-se de bestas humanas.

A democracia é o principal marco civilizatório da humanidade. Fundada na tolerância à diversidade de opiniões, raça, crença e gênero – embora subjacente a esta haja a Lei para conter a pulsão primitiva que reside em cada um de nós – tem apenas um flanco, que é seu  mecanismo de representação política – o voto universal – por onde, às vezes,  tomam o poder partidos antidemocráticos e intolerantes.

A razão iluminista, mãe das sociedades abertas, encontra-se hoje encurralada pelo irracionalismo ideológico autoritário, intolerante e excludente – habitat natural das bestas humanas. O desafio é que não temos outro caminho para reerguer a democracia que não seja  com mais democracia – que é por onde poderemos reabrir, de par em par, as janelas civilizatórias da humanidade.