No pronunciamento logo após as eleições, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que a política externa do Brasil não seria mais contaminada pelo viés ideológico, numa crítica direta aos governos do PT que orientavam as relações internacionais com base na afinidade (ou antipatia) política e ideológica. De fato, nos 16 anos de governos petistas, houve uma tendência clara de privilegiar relações e acordos com os governos de perfil ideológico semelhante – Cuba, Venezuela, Bolívia e algumas ditaduras africanas – num tardio e anacrônico terceiromundismo, independente dos interesses estratégicos da Nação. Política externa é uma questão de Estado e não de governo e suas simpatias, não podendo ser contaminada pelo viés ideológico dos governantes de plantão.
No entanto, antes mesmo da escolha do novo ministro das relações exteriores, o presidente eleito sinalizou para duas decisões com forte viés ideológico e uma visão mesquinha e voluntarista das relações internacionais: (1) a transferência da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém; (2) o rompimento de relações diplomáticas com Cuba. Com esta proposta, que parece imitar os arroubos de Donald Trump, o presidente eleito confunde os interesses nacionais com a sua ideologia e, como o PT, rompe com uma tradição de independência diplomática, o que pode custar caro ao Brasil.
Cuba é uma nação soberana que não representa nenhuma agressão política ao Brasil, e que está passando por uma transição difícil de abertura da economia e de distensão das relações políticas internas. Em vez de imitar as agressões do atual governo norte-americano, o Brasil deveria colaborar com Cuba no processo de reestruturação econômica e política. Ou, ao menos, manter uma postura de independência e respeito diplomático, sem o viés ideológico que marcou a guerra fria. O Brasil deve assumir uma posição de liderança cooperativa no continente, evitando a ingerência nos assuntos internos dos outros países, e tomando iniciativas de negociação para a construção da paz e a promoção do desenvolvimento dos nossos vizinhos, incluindo Cuba e Venezuela.
A decisão sobre Jerusalem é mais grave e inaceitável. Símbolo do conflito entre árabes e isralenses, Jerusalém é disputada como cidade santa pelas três religiões que surgiram na região: judaísmo, islamismo e cristianismo. A simples transferência da embaixada brasileira para Jerusalém é uma manifestação clara de alinhamento injustificado com Israel, e constitui uma afronta direta ao mundo árabe. Além disso, o Brasil estaria violando a Resolução 478 do Conselho de Segurança e a recomendação da Assembléia Geral das Nações Unidas que apontam na direção de dois Estados independentes na região. Este claro viés ideológico de Bolsonaro deve criar dificuldades nas relações diplomáticas e comerciais do Brasil com os países árabes e, com certeza, gerar um mal-estar na população brasileira de origem árabe, tão importante quanto a comunidade judaica. Em 2017, o Brasil exportou cerca de US$ 10,10 bilhões para treze países do Oriente Médio, com destaque para a Arábia Saudita, que importou mais de dois bilhões de nossos produtos: carne bovina, frango e produtos industrializados. Com a importação de apenas US$ 352 milhões, Israel está abaixo de seis parceiros comerciais do Brasil na região. O primeiro sinal foi dado pelo Egito, importante importador de produtos brasileiros (importou US$ 1,74 bilhões, em 2017), quando suspendeu, esta semana, a visita programada do Ministro das Relações Exteriores, como um protesto implícito ao anúncio de Bolsonaro.
Pelo visto, o presidente eleito não está contra a existência de um viés ideológico da política externa brasileira. Ele rejeita a ideologia que os governos do PT utilizaram na condução das relações internacionais. Sendo assim, pretende, na verdade, inverter a ideologia, e não recuperar uma tradição da diplomacia brasileira, fundada na independência, na não interferência nos assuntos internos dos outros países, e na cooperação internacional com base nos interesses nacionais. Política externa, vale repetir, deve ser uma política de Estado, que não pode ser contaminada pela ideologia dominante nos governos.
Análise racional. Verdade, o Brasil sairá perdendo se uma política externa, marcada pelas ideias protecionistas do nacional-desenvolvimentismo e voltada para o Terceiro Mundo (solidariedade terceiro-mundista que ademais foi regada a desvio de dinheiro público), for substituída por outra política externa, que siga sem pensar a do republicano extremista e protecionista Donald Trump (e esqueça que o Brasil está muitíssimo longe de ser potência mundial, mas compete com os Estados Unidos na exportação de vários produtos da agropecuária). Precisamos de análise dos interesses nacionais, como faz Sérgio Buarque. Além das questões discutidas por Sérgio Buarque, ainda houve uma declaração preocupante do Presidente eleito sobre China, para onde vai a metade das nossas exportações agrícolas. Se o Presidente de fato quer escolher auxiliares segundo critério de meritocracia, devia escolher alguém que estudou o livro maravilhoso de Rubens Ricupero, A Diplomacia na Construção do Brasil (Versal 2017), 784 páginas de amor ao Brasil.
Excelente. Parabéns. Com arroubos e arrufos, o Brasil só faz perder.
Não vejo como a transferência da embaixada brasileira seja uma afronta ao mundo árabe. Qual a afronta? Jerusalém Ocidental sempre foi judaica, não está em disputa e é lá que estão todos os órgãos do Governo Israelense, o executivo, o legislativo e o judiciário. Por que o embaixador brasileiro deve ficar fora da capital de um país com quem o Brasil tem excelentes relações? Aliás, por que o Brasil deveria manter uma embaixada fora de uma capital?
A disputa é por Jerusalém Oriental. Sobre isso, recomendo o texto da Folha de São Paulo : https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2018/11/o-brasil-deve-transferir-sua-embaixada-em-israel-para-jerusalem-como-propos-jair-bolsonaro-sim.shtml?loggedpaywall. Repito aqui um trecho dele:
A Jordânia por quase 20 anos controlou a porção leste da cidade e, nesse período, nunca transferiu sua capital para lá ou a deu aos palestinos. Também proibiu os judeus de visitarem seus locais sagrados e destruiu 70 sinagogas jerosolimitas. Só com a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel conseguiu unificar a cidade e, depois disso, instituiu a liberdade de culto ali, inclusive para a fé islâmica.
Curiosamente, foi só quando a cidade deixou de pertencer à Jordânia que passou a ser vista pelo mundo como alvo da disputa entre israelenses e palestinos. Uma incoerência. Isso nos leva de volta à questão da transferência da Embaixada do Brasil.
Motivos históricos e recentes sustentam o fato de Jerusalém Ocidental ser, indiscutivelmente, território soberano de Israel. A decisão do Brasil de levar sua embaixada para a cidade não traz nenhum empecilho para um futuro acordo entre israelenses e palestinos. Ao tomar uma atitude mais equilibrada em relação a Israel, o Brasil poderá colaborar de forma mais efetiva na busca pela paz que todos desejamos.
Sábio e lapidar o que disse o ex-Chanceler Celso Lafer sobre essa medida intempestiva, em má hora anunciada por Bolsonaro e depois, atabalhoadamente desdita.
Disse o ex-Chanceler que um país deve diminuir sua exposição a áreas de conflito, e não aumentá-la. Em segundo, aduziu à conveniência de se aprofundarem as relações com Israel, o que pode se dar em inúmeros domínios, para além dos clássicos.
Enquanto isso, Austrália, Argentina e Tailândia estão de olho num mercado imenso que pode se abrir para a proteína animal na área do Golfo e no próprio Egito, se o Brasil agir irracionalmente e jogar para as calendas 30 anos de fértil semeadura nos países árabes.
O que Bolsonaro não deve fazer, é reeditar os erros de Lula que quis atrelar a política externa a simpatias epidérmicas, ideológicas e superficiais. O resultado é bem conhecido.
Que Trump faça lá seus caprichos. Ele pode porque o país dele tem outro poder de fogo. O nosso é cheio de vulnerabilidades.
Fernando
Independentemente de o Brasil tomar uma posição em favor de qualquer dos lados na histórica disputa entre palestinos e israelenses, vale a sensata ponderação do ex-Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer. Ele vê com bons olhos a aproximação com Israel desejada pelo Presidente-eleito Bolsonaro. A relação entre os dois países tem grande potencial na área de ciência e tecnologia. Mas Celso Lafer, o renomado discípulo de Hannah Arendt, considera que transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusalém não é uma boa ideia neste momento e explica: “Um país deve selecionar suas áreas de atrito, e não ampliar suas áreas de atrito.” A entrevista de Lafer está em http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/11/08/brasil-embaixada-israel-jerusalem-celso-lafer-jair-bolsonaro.htm?cmpid=copiaecola
Faço coro a Fernando e Helga e cumprimento meu amigo Celso Lafer, com quem tive a honra de trabalhar. Ninguém melhor do que ele, pela experiência, pela formação, e até pela origem, para colocar essa questão nos devidos termos.