João Rego

Das Rote Viena – Exposição.

Imaginem um país destruído após uma terrível guerra, como foi a Primeira Guerra Mundial. A Áustria, derrotada, viu o Império Austro-Húngaro ruir. Em 1918, encerrava-se um regime de poder constituído desde 1867.

Viena, entretanto, experimentou, com a conquista eleitoral da prefeitura pelo Partido Social Democrata, formado pela classe operária e liderado pelos teóricos do austro-marxismo, um momento raro de administração voltada para a emancipação social das classes secularmente excluídas.

Esse período, que vai de 1919 a 1934, é classificado pelos historiadores como “Die Rote Wien”, em português “A Viena Vermelha “.

Foi uma exposição sobre ele que fomos ver, logo no começo do dia, e é positivamente impactante saber que, num ambiente de terra devastada, algo tão valioso, do ponto de vista da inclusão social, aconteceu.

Liderados pelo prefeito Karl Zeitz, dezenas de políticas sociais foram implementadas, desde a questão habitacional, onde voluntários construíam suas casas na periferia de Viena, até a revolução na educação e na saúde pública. O que impressiona mais foram conquistas como a participação da mulher na política – isso em 1919! – compondo cerca de 25% do Conselho Político da cidade. Outra foi uma Política Cultural voltada para levar a fruição das artes às classes excluídas e, finalmente, mas não menos importante, a regulamentação das horas de trabalho, deixando tempo livre para as famílias, que antes viviam em regime de semiescravidão.

Isto tudo documentado com filmes, dados estatísticos, livros e fotos, de uma maneira tão bem organizada que é possível, em uma hora, fazer-se uma imersão em quinze anos da história de Viena. Saímos um pouco mais ilustrados sobre o que é possível fazer com uma sociedade, quando uma boa política é implementada.

Tudo acabou com a ascensão da extrema direita, que tomou o poder após uma guerra civil em 1934. O nazismo, como todos sabem, destruiu tudo que dizia respeito aos judeus, comunistas e socialistas. Muitos foram mortos, outros conseguiram asilo na Inglaterra, e outros, como o brilhante prefeito, foram encaminhados, como gado, para campos de concentração. Karl Zeitz sobreviveu, tirei a foto de um enorme quadro dele, com o espírito quebrado pelos anos vividos no campo de concentração nazista. Ah! Um dado interessante: 40% dos funcionários dos campos de concentração eram austríacos.

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De lá fomos direto para nosso metrô, que se usa de forma tão natural como se bebe água. Em minutos estávamos na Karlplatz, espalhada, lá embaixo, por vários quarteirões, e pegamos a saída da Secessão, que vai dar a poucos metros do “templo” dos revolucionários artistas do Movimento da Secessão, sobre o qual falei em nossa visita ao Leopold Museum. O nosso objetivo era ver a famosa obra “O Friso de Beethoven”, de Klimt.

Aqui, um pequeno desvio. Em 1993, logo após ter terminado minha tese de mestrado em ciência política, movido pelas forças misteriosas das identificações, me refundei como designer gráfico, criando minha pequena empresa, a Finis Art. Neste processo, o trabalho de Klimt teve uma enorme influência em minha autoformação. Assim, o Friso de Beethoven eu contemplara, em detalhes, em meus livros. Estar agora diante de uma obra que influenciou minha formação estética era algo valioso.

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Assim que saímos do Edifício da Secessão, paramos em uma farmácia para comprar remédio de nariz. A farmácia é um mergulho no passado:  móveis antigos, e nas prateleiras potes antigos de manipulação. Perguntei à moça que nos atendeu há quanto tempo existia a farmácia naquele local. Ela, sem dar muito valor, respondeu displicentemente que funcionava ali há 150 anos.

Saímos da farmácia e do outro lado da rua nos esperava o famoso Museu Café, fundado em 1898, creio que pegando carona na inauguração do Edifício da Secessão. Foi, no começo do século XX, ponto de encontro de artistas e intelectuais de Viena. Elba havia desejado, desde a véspera, comer uma das famosas tortas de Viena, e em desejos dessa natureza eu imediatamente pego carona. Que fazer? É da minha natureza. Assim que entramos, um garçom jovem e simpático nos ouviu e me abordou.

– Você é brasileiro?

E aí, em segundos, já nos sentimos em casa: o cara era da Turquia e sabia tudo sobre o futebol brasileiro. Emocionou-se quando falou de Roberto Carlos, que jogou em um time da Turquia, descreveu sua admiração por Ronaldinho e, estimulado por mim, que pouco sei de futebol, exceto jogo de Copa do Mundo, referiu -se a Ronaldo- o Fenômeno, como um ser sobre- humano, por ter superado a fratura na perna e anda assim ter jogado uma Copa do Mundo.

Eu gosto muito desse tipo de abordagem. Qual o brasileiro que não gosta?

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Para nossa busca pelo ônibus 1 – aquele que faz parte do percurso da Ringstrasse – foi preciso a tenente artilheira Elba usar de seus recursos de orientação. Deu certo. Partimos da Klausstrasse no ônibus elétrico que nos deixou no limite norte do centro de Viena. Voltamos na mesma pisada no 2. A Ringstrasse foi a avenida construída no mesmo perímetro onde, por séculos, existiram as muralhas que protegiam Viena dos ataques inimigos. É hoje o local de famosos hotéis e prédios absolutamente deslumbrantes, como a Rathaus, o Parlamento e o Hofburg.

Passeio desses, sem gastar sola de sapato, eu encaro numa boa.

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Na volta, descemos na Praterstern, uma das maiores estações de Viena, ponto de partida de várias linhas internacionais e interestaduais. Tem história, pois foi durante muito tempo a principal porta de entrada para os imigrantes. É semelhante a Ellis Island em Nova York. Mas não paramos lá para fazer pesquisa histórica, o motivo era o supermercado Billa e nosso desejo de fazer um jantar de despedida. Compramos um pedaço generoso de contrafilé, aspargos e, com um lance mais de metrô, estávamos em casa.

O merlot, na temperatura ambiente de 16º, foi uma perfeita harmonização com a carne mal passada, como gostamos, acompanhada de aspargos frescos no alho e óleo. A música, no Spotfy, minha lista de Tom Jobim, João Gilberto, Rosa Passos e outros.

Amanhã? Partiremos de ônibus para Brastilava, capital de Eslováquia.

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Site do MUSA
https://www.wienmuseum.at/de/ausstellungen/aktuell/ansicht/das-rote-wien-1919-1934.html