Luiz Otavio Cavalcanti

O termo declínio da verdade passou a ser usado no âmbito do relativismo político. Que vem dos anos 60 e 70. Quando Tom Wolf acentuou “a década do eu”. Ressaltando o narcisismo. Irmão gêmeo do niilismo contemporâneo. Mas, já em 1838, Abraão Lincoln destacava: “Para preservar o Estado de Direito e evitar a ascensão de um pretenso tirano que poderia surgir entre nós, é necessário existir uma razão sóbria. É preciso abraçar a razão”. Na prática, os pais fundadores da República norte americana se basearam nos princípios iluministas: liberdade, razão, progresso, tolerância. O sistema republicano, inspirado em Montesquieu, mostrou resiliência. E capacidade de manter equilíbrio entre os Poderes. Calibrando as mudanças próprias do crescimento da nação. Ou seja, senso comum. E sentido de decência.

Raízes de Trump vêm de ontem, do Iraque.

É diferente do que disse Stephen Bannon, ex estrategista chefe da Casa Branca: “O presidente Trump só lê o que reafirma suas crenças”. A mentira oficial não é tão recente. Vem da guerra do Iraque, de Bush II. Vendendo cinicamente ao povo americano a existência falsa de estoques de armamento atômico. Afiançado pelo general Colin Powel. Descuidado da própria credibilidade.

De lá para cá, a manipulação das multidões foi tomando o lugar do conhecimento científico, legítimo saber. Essa distorção misturou as fronteiras entre fato e opinião. Entre argumento e bravata. Tão utilizada na arena política. Quer dizer, no caso de líderes populistas, como Trump, Erdogan, Morales, trata-se de substituir expertise por preferência ideológica. Ou por outra, verdade tornou-se questão de perspectiva, de agenda política.

A verdade tornou-se relativa. Colada ao narcisismo. Irmão do niilismo. Dispensada a objetividade. Ocultando o factual. As mídias sociais invadiram o espaço público. Ocuparam o noticiário. Atuando como poderosa ferramenta eleitoral. Blogs passaram a concorrer com a mídia impressa e televisiva. Alinhando milhões de seguidores. Essa filiação milionária, no universo digital, atenua a razão, esmaece a razão sóbria, estreita a isenção. Estimulando a emoção, incentivando o elo de exaltação política. O desempenho desequilibrado de líderes populistas distorce a compreensão da realidade. Porque, no fundo, as pessoas percebem a desconexão entre o factual e o que os populistas dizem.

Direito e democracia, filhos da educação.

Democracia está no Direito, expresso (impresso) nas palavras. Palavras que são ensinadas na educação, alimentando a liberdade. Liberdade que é viva na democracia.

Ainda nos anos 50, George Orwell, autor de 1984, disse que o caos político está ligado ao declínio da linguagem. Separando as palavras de seu significado, abre-se um abismo fatal entre o real e o declarado pelo político. Nessa linha, Orwell escreveu e Trump repetiu: “Guerra é paz; liberdade é escravidão; ignorância é força”.

A propósito, Umberto Eco assinalou: “Mussolini não tinha ideologia; só tinha retórica”. É isso que nos leva a bolhas políticas. Onde nos isolamos apenas com quem nos identificamos. Separados dos que pensam diferente de nós. Passamos a existir em planetas estanques. Bolhas incomunicáveis. Sem possibilidade de diálogo. Sem chance de construir consensos. Conversa transforma-se em ira, ódio. E a política fica mais distante. E mais pobre.

Porque, como disse Hannah Arendt, política só existe a dois.

Nessa dimensão, política torna-se evento tribal. Deixa de ser espaço republicano. Vincula-se, cada vez mais, ao micro, ao narcisismo pessoal. E, cada vez menos, ao macro, ao interpessoal, ao coletivo, ao plural. Por isso, parte das políticas do atual governo se destinam preferencialmente ao seu eleitor. Querendo fortalecer seu planeta.

Esse isolamento destrói a empatia. A política valoriza só o combate. Como não há diálogo, eliminar o outro é fato trivial. Política passa a ser questão de sequestro. Sequestra-se o outro. E tenta-se matar a verdade. Verdade passou a ser uma metáfora. É cada planeta por si. E a retórica vazia, insignificante, anulando o universo político.

Nessa circunstância, o Estado de Direito é visto como obstáculo. Ao se perder o senso de civilidade, perde-se também o respeito pela norma, pelas instituições, pelo Direito.

A saída é fortalecer o Estado democrático de Direito com duas políticas: imprensa livre, independente, e investimento em educação. Porque imprensa e educação convergem para mais informação. Mais informação significa mais liberdade. Mais liberdade agrega responsabilidade democrática.