A convulsão social nesta semana no Chile mostra que o país andino está longe de ser o oásis de tranquilidade e paz social como se propagava mundo afora. O aumento da tarifa do metrô foi apenas um detonador de uma clara insatisfação latente e imprecisa na sociedade chilena, que se transformou em indignação e violência, depois da desproporcional repressão do governo sobre os jovens que pulavam as catracas nas estações. Apesar dos saques e destruição do patrimônio público praticados por parcela dos manifestantes, o exército na rua e o toque de recolher são gritos apavorantes nos ouvidos sensíveis dos chilenos, e o saldo de 18 mortos demonstra o descontrole do presidente Sebastián Piñera, que agora, tardiamente, pede desculpas à população. A crise política é séria e reflete uma enfermidade social que vem se acumulando ao longo dos anos, e explodiu agora com a degradação do sistema de capitalização da previdência social, a pressão do crédito educativo e a deterioração da saúde pública.
Entretanto, é totalmente infundada a ideia difundida nas redes sociais, segundo a qual a abrangência e a violência das manifestações demonstram o desastre da economia e o fracasso do modelo econômico e social do Chile. O Chile tem a melhor qualidade de vida da América Latina, expressa em quase todos os indicadores sociais, posicionando-se muito à frente da maioria dos países do continente, principalmente do Brasil. A começar pela indiscutível e longeva estabilidade econômica, inflação de 2% ao ano e crescimento médio de 3,8% ao ano, de 2000 a 2016 (previsão de crescimento de 2,5% este ano). O país tem o mais alto PIB per capita da América Latina, com U$ 14.692, e é, de longe, o mais competitivo do continente, segundo o ranking do Fórum Econômico Mundial, situando-se em 33º lugar na lista de 141 países pesquisados, bem à frente do segundo colocado, o México, em 48º lugar, e mais distante ainda do Brasil, que está na 71ª posição.
No IDH-Índice de Desenvolvimento Humano, que sintetiza o nível de vida da população, o Chile lidera na América Latina, com o mais alto índice (0,843), sendo o 44º melhor do mundo, muito à frente do Brasil, com seus 0,759 (79ª posição). A desigualdade social do pequeno país andino, medida pelo Índice de Gini, que teve grande influência na atual convulsão social, não é a menor do continente, mas está entre as mais baixas – 0,453 na escala de zero a um – perdendo apenas para o Peru e, principalmente, para o Uruguai. E, claro, está bem abaixo da desigualdade do Brasil, com índice de Gini de 0,511. O país andino não está livre da pobreza, mas apenas 1,4% da sua população vivem em extrema pobreza, um terço do percentual do Brasil, e a mortalidade infantil, com 6,2 óbitos em cem mil nascidos vivos, é quase a metade dos 12,8 do índice brasileiro.
Na qualidade da educação, medida pelo PISA-Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o Chile também lidera o continente, com a mais alta nota da América Latina nas três modalidades: é o 48º do mundo em ciências, o 51º em matemática e o 41º em redação. Para se ter uma ideia, o Brasil é o 67º, o 68º e o 63º nas três modalidades, respectivamente. O percentual de analfabetos no Chile representa 3,7%, em segundo lugar, atrás do Uruguai, mas menos da metade dos 8,3% do Brasil. Por outro lado, o Chile tem o segundo maior índice de escolaridade do continente, atrás apenas do Peru, com 32,5% dos chilenos tendo 13 anos ou mais de estudo, mais uma vez dobrando o nivel brasileiro (18,6% da população). Há corrupção no Chile? Sim, mas, segundo a Transparência Internacional, o país é o segundo menos corrupto do continente, na 27ª posição no mundo, atrás apenas do Uruguai (23º) e, claro, muito melhor que o Brasil, que está quase na laterna (105º)
Ao contrário do que acusam alguns, a atual crise do Chile não é responsabilidade do chamado neoliberalismo, da mesma forma que o sucesso econômico e social ao longo das décadas, expresso nos indicadores acima, não é mérito dessa corrente política. O desempenho diferenciado do Chile, que permitia falar de um oásis na América Latina, tem sido o resultado da administração fiscal competente e responsável com eficiente gasto social.
Diante da crise, o Chile tem ainda uma grande vantagem, principalmente se comparado com as dificuldades do Brasil. Embora tenha um déficit fiscal moderado, o Chile tem uma carga tributária muito baixa, apenas 20% do PIB, principalmente quando comparada com a alta carga brasileira, estimada em 35% do PIB. Por isso, o Estado chileno tem potencial de elevação da receita pública, com aumento de impostos sobre as rendas mais altas, de modo a financiar os investimentos públicos que reduzam as desigualdades sociais, e, desta forma, atender às exigências da população, e consolidar a posição do país, de lider de qualidade de vida na América Latina. Apesar dos melhores indicadores do continente, o Chile mostrou agora um mal-estar da sociedade, que denuncia falhas e dificuldades sociais, e que exige respostas ousadas dos governantes.
Sergio Buarque, como sempre, o analista cuidadoso que examina os fatos antes de aceitar teorias. Os protestos deste mês (que têm alguma semelhança com os protestos de 2013 de S.Paulo que começaram com aumento de tarifa de transporte) não podem ser tomados por si só para avaliar décadas de política econômica. E mais, se podemos considerar Sebastian Piñera como de tendência liberal, isso não se aplica aos governos da Concertación e de Ricardo Lagos ou Michelle Bachelet. Os bons resultados se devem a certas políticas que foram aplicadas por governos de um amplo espectro político para os quais não vale um rótulo simplista de “neoliberal”.
Em tempos de divisões barulhentas, um artigo sereno e abalizado mostrando uma situação complexa e exigindo soluções. O Chile tem problemas mas as estatísticas mostram que os chilenos podem estar chorando de barriga cheia.
Lamento começar discordando, é claro que o modelo neo-liberal Pinochetista foi mantido pelo menos até o segundo governo Bachelet, que ensaiou algumas mudanças importantes na área tributária, para fin as mudanças na educação, etc. A Construção ainda não foi realmente mudada ou melhor, substituída. Para falar a verdade, a atual eclosão é a primeira ruptura significativa do consenso chilenos.
Os dados apresentados pelo consistente artigo de Sergio revelam que os instrumentos clássicos de análise da economia e da sociologia são incapazes de indicarem o que ocorre realmente na âmago das sociedade. Nenhuma análise feita,há trinta dias atrás, seria capaz de indicar o grau de descontentamento que percorria e diferentes segmentos da sociedade do País andino. As profundas reformas de desconstrução da proteção social levadas a efeito pelo pelo período ditatorial, pareciam ter sidos compensadas pela estabilidade econômica com baixa inflação, taxas amenas de desemprego e um crescimento continuo, embora moderado. Culpar simplesmente o neo-liberalismo é discurso fácil porque esquece,que,com a redemocratização, a aliança de esquerda e Centro esquerda esteve no poder por 05 mandatos, ou seja 20 anos; enquanto a direta que seria a herdeira das medidas neo-liberais só obteve duas vitórias,justamente com Sebastián Pinera. Algumas perguntas não podem deixar de serem feitas. Será que a esquerda não percebeu, se acomodou ou não teve condições políticas de aproveitar os indicadores macroeconômicos positivos para ir restaurando o sistema de proteção social, que foi radicalmente revogado pela Ditadura.
Penso que deve-se olhar da otica de mobilizacao politica e a precarizacao do sistema partidario. Creio que os partidos no Chile perderam espaco e sua atuacao no Congresso os alienou das bases que ja nao participam. Acomodacao ate chegar a explosao. Nao culpo o modelo economico mas sim a concentracao do poder em pessoas distantes e sem compromisso.
Finalmente um artigo sobre as mobilizações que analisa os fatos sem cair na explicação a priori conforme a seita do “analista”: fracasso dos anos de responsabilidde fiscal ou conspiração do chamado “Foro de São Paulo”. O artigo do Sergio abre uma janela para o desafio dos não sectários aprofundarem o que parece ser a causa principal das mobilizações pelo mundo, quem paga pela sustentabilidade: da previdéncia, da redução da pobreza, da proteção ambiental, do potencial da inteligéncia artificial. Todos vão ãs ruas para defender à ampliação dos direitos ausentes, mas quem irá para defender a redução de direitos que são privilégios se olhados na ótica da sustentabilidade. Quem vai pagar a conta dos gastos do passado e dos sonhos para o futuro.
Uma das melhores coisas que aconteceu em 2018 foi o senhor não ter sido reeleito para o senado. Parabéns ao DF que chutou esse neoliberal destruidor de direitos do senado.