Não é de hoje que o indemissível Hamilton Mourão vem fazendo um tão discreto quanto permanente contraponto aos excessos do presidente. Oxalá houvesse mais indemissíveis no governo. Não há. Pelo contrário, o presidente é uma ilha cercado de demissíveis “ad nutum”. E, pior para todos, o presidente não os enxerga sob o prisma da institucionalidade: prefere vê-los como peões de suas estratégias. Peões que lhe devem uma lealdade pessoal. Portanto, um batalhão de seres à deriva de caprichos por assim dizer inconstitucionais. Um passo “em falso”, e a degola chega a cavalo. Que todos baixem a crista, que ninguém cante de galo. Eis o clima nos poleiros do Executivo, no melhor e tradicional estilo “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Sabe Deus o quanto é recalcado num clima de medo e de desconfiança…

Imagine-se, então, a dificuldade inarredável de o presidente tratar com um “indemissível” que tem nome e sobrenome e quatro estrelas sobre os ombros. E vice-versa. Mas Mourão tem tido tato e paciência e, ao que tudo indica, jamais tocará fogo na pólvora do presidente. Mourão prefere gastar uma boa saliva, marcando posição sem desconsiderar a autoridade “suprema” de Bolsonaro (Em sua costumeira insegurança, o presidente faz questão do adjetivo “suprema”, que lembra a todos que cabe a ele a última palavra, sobretudo quando essa última palavra sorrateiramente encontra vazios ou brechas nos costumes da liturgia democrática).

Além de Mourão, só há outro indemissível no governo: o próprio presidente! Essa terrível descoberta seria estarrecedora, não fosse sabermos que o povo pode, sim, demiti-lo pelo voto. A considerar o resultado das atuais eleições municipais, parece mais próximo o dia dessa demissão. O eleitor dá mostras de que está cansado de insultos (“Um país de maricas!”) e de descaso pela pandemia (“uma gripezinha”) e de bravatas alucinadas como a da pólvora que vem, gloriosa, depois da saliva, fanfarronice que levou o País ao paroxismo do ridículo e as Forças Armadas a uma estressante saia justa.

É gratificante percebermos que, a rigor, não precisamos de gente “indemissível”. Precisamos de gente no mínimo equilibrada e que toque pra frente a nossa incipiente democracia. Temos, como disse um político americano por ocasião da vitória de Biden, que saudar o retorno da decência e da verdade e trabalhar para que nunca saiam de cena. Só assim teremos uma agenda para o que realmente importa à vida da população: educação, saúde, moradia, emprego, redução da desigualdade social, preservação ambiental… Se queremos democracia, e queremos, também haveremos de querer políticos e pluralidade…

Precisamos de “demissíveis” como nós outros, mortais pagadores de boleto, trabalhadores, excluídos, ignorados, sempre subestimados por elites que nunca se demitem de sua arrogância. “Demissíveis” e sem populismo, sem tirania, sem pólvora, mas com muita saliva para o diálogo e a democracia.

“Indemissível” só a Constituição, tão citada quanto insidiosamente traída em sua letra e em seu espírito.